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Ousadia com o boi

Tem uma hora em que fazemos a seguinte pergunta: "eu vou ficar para sempre dependendo dos frigoríficos, ou posso fazer alguma coisa para mudar este situação e minimizar a chance de sofrer um calote"? Hoje, mais do que nunca, é necessário levar a fidelização dos clientes e fornecedores muito a sério e em vez de funcionar como uma verdadeira central de desmantelamento de carcaças oriundos de qualquer origem, tentar ser um parceiro dos fornecedores da matéria prima que foram previamente escolhidos pela indústria.

Tem uma hora em que a conta pode chegar com uma pergunta muito simples e bem básica: “eu vou ficar para sempre dependendo dos frigoríficos, ou posso fazer alguma coisa para mudar este situação e minimizar a chance de sofrer um calote”?

Geralmente prevalece a indignação generalizada e perfeitamente justificável quando mais uma indústria vai para o caminho de recuperação judicial com conseqüências terríveis para quem abateu gado e não recebeu o seu dinheiro, mas também para os empregados, municípios e Estados onde esta situação ocorre.

Aí vem o dinheiro do BNDES e logo tudo vai voltar ao normal, então podemos começar de novo entrando mais uma vez no ciclo vicioso que, já há décadas, é a marca registrada do relacionamento do tipo sibérico e ermo que a grande maioria dos agropecuaristas tem com as indústrias frigoríficas.

Enquanto as indústrias tentam se organizar em associações e no modo de agir no mercado, o dono dos bois geralmente está sozinho negociando achando que está fazendo o melhor negócio do mundo, porque é muito difícil encontrar um gado tão bom como que ele tem e agora está vendendo, muitas vezes por telefone, para quem diz que vai pagar mais.

Os compradores já têm todas as medidas e perfis dos clientes e do gado que eles têm e sabem como lidar com quem está na linha vendendo os seus bois.

O quase legendário comprador do gado do antigo Frigorífico Anglo, em Barretos, o já falecido Mr.Davies, repetiu durante várias décadas a famosa frase, “aqui a gente paga o preço justo, vocês não são roubados na balança e realmente podem dormir tranquilos porque pagamos tudo conforme foi combinado”.

E realmente quem vendeu boi para o Anglo sempre dormiu tranquilo, mas teve que aguentar o papo no café da praça, ouvindo que podia ter pegado um preço melhor numa outra indústria. Mas até neste ponto quem admitiu ter vendido para o Anglo provocou muitas vezes sem saber sentimentos do tipo, “devia ter feito também”, nos companheiros daquela praça.

A confiança que o Anglo conseguiu construir no mercado durante a sua permanência aqui no Brasil rendeu muitos frutos porque podia trabalhar com preços menores, conhecia o custo real de produção e tendo uma transparência total nas operações da fábrica podia servir como escola prática para o pessoal do SIF e era uma verdadeira referência no mercado.

O famoso olhar, até um pouco irônico, do Mr. Davies deixou claro e transparente para todo mundo que quis ver que não existia almoço de graça e de que qualquer condição extra mercado tinha um risco considerável embutido, porém a escolha é e será sempre somente sua.

Geraldo Bordon e Jean Louis Chapelle, da Kaiowa, dois pesos pesados do passado no mundo dos frigoríficos, já reconheceram desde cedo à importância crucial de manter inabalada a confiança dos fornecedores de gado porque estes eram, e hoje são mais ainda, imprescindíveis para que os frigoríficos pudessem se levantar de novo, são literalmente as galinhas de ovos de ouro e devem ser tratados sempre como tal pelas indústrias em dificuldades ou não.

E isto quer dizer pagar os fornecedores em dia, no máximo era negociado alguns dias a mais e isto foi possível porque os recursos necessários para o pagamento do gado eram uma parcela pequena da dívida total.

A partir daquele tempo o montante das dívidas foi para o espaço chegando aos níveis atuais, mas a percentagem das dívidas com os fornecedores de gado pelo jeito continua num patamar que geralmente nem chega ou no máximo mal ultrapassa 10 % do total.

Como a confiança dos mesmos fornecedores de gado era vital para a época durante e pós-concordatária, porque sem gado para abater em condições economicamente viáveis não havia chance nenhuma de recuperação, ficou até fácil de convencer os outros credores e bancos que era uma imposição estratégica de pagar quanto antes pelo menos os fornecedores de gado.

Parece-me que infelizmente estas lições não foram aprendidas pelas indústrias que num passado recente entraram em dificuldades e sem dúvida vão pagar muito caro por isto e podem até serem forçadas a fechar as portas para sempre.

O cheiro no ar de uma bagunça e a evidência de ações que podem ser desastrosas são para mim razão suficiente para questionar a sabedoria e competência dos gestores e administradores responsáveis pela estratégia de recolocar as coisas nos seus devidos eixos.

Onde já se viu reuniões com os fazendeiros que não foram pagos há meses pelo gado já abatido, e onde já se viu uma tentativa de comprar gado à vista, sabendo que isto é totalmente inviável em nossas condições atuais do mercado e mais ainda para indústrias em dificuldades?

E tenho que perguntar:

“Cadê a visão dos credores, do BNDES, dos bancos, das próprias empresas, em fim qual é o plano de ação que tenta recuperar as indústrias e o dinheiro público e privado que foi investido, seja para investimentos, seja para cobrir rombos financeiros?”

Está mais do que na hora de voltarmos a ter verdadeiras referências no mercado que inspirem confiança e respeito e creio que esta é a principal tarefa e objetivo a ser conquistado pelas indústrias que vão ficar e requer uma revolução cultural e de gestão em todas elas.

Hoje, mais do que nunca, é necessário levar a fidelização dos clientes e fornecedores muito a sério e em vez de funcionar como uma verdadeira central de desmantelamento de carcaças oriundos de qualquer origem, tentar ser um parceiro dos fornecedores da matéria prima que foram previamente escolhidos pela indústria.

Da mesma forma precisamos virar a mesa na área de venda de carne e em vez de ser e funcionar como um grande Atacadão de carne oriundo de qualquer origem, sendo assim uma presa fácil das redes de mega e supermercados, transformaria a empresa em uma indústria de alimentos com produtos diferenciados e valor agregado, com metas de venda bem claras e segmentadas.

No fim, cada um, tanto na fazenda como no frigorífico, tem que ousar e fazer a diferença, mas para ter sucesso sustentável é necessário também que a soma de todos também faça a diferença e expresse ousadia com o boi brasileiro tanto a nível nacional como internacional.

0 Comments

  1. Antonio Carlos Gomes disse:

    Estimado Sr. Louis,

    Parabenizo você pelo excelente artigo e muito pontual no momento em que vivemos essa FARRA dos frigoríficos que não é de hoje, no Rio Grande do Sul ao longo do tempo passamos por muitas situações similares e a conta final do prejuízo quem pagou sempre foi o pecuarista.

    Sua colocação é extremamente pertinente; porque não se vende o gado à vista aos frigoríficos ? Eu penso que seria uma alternativa salutar para toda a cadeia proceder dessa forma.

    Saudações,

    Antonio Carlos Gomes

  2. Paulo Cesar Bassan Goncalves disse:

    Caro Sr Louis obrigado pela lição de história da nossa pecuária , em seus velhos e dourados tempos. Tenho a certeza de que o conhecimento e reflexão sobre estes pontos nos serão úteis para evoluir. De minha parte acredito que os elos de parceria entre os diferentes atores do processo pecuário devam ser estreitados e novas formas de parceria transparente e saudável devam surgir. Talvez tenha chegado a hora de conceituarmos um “Do pasto ao prato” como o ideal de uma cadeia equilibrada e sadia. Saudações e sempre em busca da melhoria em nossos negócios.

  3. Camila Garcia Leal Serra Limberte disse:

    Concordo plenamente com tudo que foi escrito no artigo acima, o Sr. Louis está de parabens! Sou veterinária e filha de pecuarista e à anos escuto a mesma conversa e parece que os donos de frigorificos não estão muito preocupados em preservar os produtores de carne, que somos nos os pecuaristas! Meu pai já não está entre nós, mas como notavel empresario rural que foi, tenho muitas lembranças de suas palavras, sempre verdadeiras e consistentes. E como o Sr. Louis, ele dizia: “Nós os criadores de gado e pecuaristas somos as galinhas de ovos de ouro dos frigorificos, não é possivel que eles nao tenham consciencia disto!”. Consciencia eu até acho que eles tem, o que eles não tem é vontade e nem interesse de divulgar isso para o mundo!

  4. Louis Pascal de Geer disse:

    Prezado Antonio Carlos Gomes,

    Muito obrigado pela sua carta do Rio Grande do Sul que, pelo que sei, hoje tem uma cadeia de carne bem mais desenvolvida e integrada do que no resto do país. O que estou pedindo a todo mundo é ter a coragem e humildade de reconhecer, aprender e corrigir os erros que nós cometemos como agropecuarista, frigorifico, distribuidor, supermercado e também como consumidor.

    Um abraço,
    Louis

  5. Louis Pascal de Geer disse:

    Caro Paulo Cesar Bassan Goncalves,

    Muito obrigado pela sua carta e tenho boas lembranças do Acirp do S.J. do Preto, e realmente, somente podemos avançar conhecendo o passado.
    Concordo plenamente com você sobre a conceituação tipo “Do pasto ao prato”, onde o consumidor final é plenamente identificado como alvo principal da cadeia total.

    O trabalho e uso diário e incessante de melhoramento contínuo nos processos na fazenda, no frigorifico, no distribuidor e no supermercado, é na minha opinião o caminho para chegar e atingir os nossos objetivos e metas.

    Um abraço.
    Louis.

  6. Louis Pascal de Geer disse:

    Olá Camila Garcia Leal Serra Limberte,

    Muito obrigado pela sua carta e realmente as relações entre os agropecuaristas, que são os produtores de carne, e os frigorificos sempre foram dificeis porque faltou, no meu ver, um diálogo verdadeiro entre os elos da cadeia sobre o que cada um quer e precisa do(s) outro(s).

    No momento cada um fala a sua lingua e tem os seus “valores”.

    Por isto estamos comunicando, escrevendo, debatendo no BeefPoint.

    Um abraço,
    Louis.