Na semana passada estive em Campo Grande fazendo uma palestra para cerca de 100 pecuaristas. Pude notar entre os presentes que não existia otimismo em relação a conjuntura atual. Uma situação bastante justificável dado o cenário de preços baixos e perspectivas de abertura de fronteira ainda não confirmadas naquela data.
Desde que ocorreu o foco em Eldorado/MS tenho conversado com diversas pessoas ligadas a cadeia da carne e um comentário me chamou a atenção após minha pergunta “O que podemos tirar de bom desse grande problema?”. A resposta foi “Não temos nada a aprender com esse novo foco, pois todos nossos erros são erros repetidos do passado”.
Tudo isso vinha me deixando intrigado, pois era preciso concordar com essa afirmação e entender a atitude dos produtores do MS (e de todo o Brasil). No entanto, sempre acreditei que para evoluir é preciso ser otimista, acreditar no futuro. Como conciliar esses dois pontos?
Nessa mesma semana terminei de ler o livro Feitas para Vencer, do norte-americano Jim Collins. O autor, em conjunto com uma equipe de vinte pesquisadores passaram 5 anos estudando 11 empresas entre as 500 maiores dos EUA. Eles buscaram empresas que depois de um período de resultados medianos vinham experimentando 15 anos ou mais de grandes resultados (pelo menos três vezes acima da média do mercado). Estudaram o que empresas fizeram para passarem de “boas” a “excelentes”. Collins identificou sete itens comuns a essas 11 empresas, e não presentes nas empresas usadas como comparação.
Uma dessas descobertas me parece ser a chave para enfrentar a situação brasileira pós-aftosa. Segundo Collins é preciso encarar a realidade nua e crua. Ao mesmo tempo é preciso ter uma fé inabalável no futuro. E é preciso ter esses dois fatores juntos. Um comportamento que a primeira vista parece contraditório.
Se apenas encararmos a realidade nua e crua da conjuntura atual do mercado, logo haverá desânimo e pessimismo, pois ao analisar a realidade percebe-se que muito precisa ser feito. Por outro lado, se tivermos apenas a fé inabalável no futuro (otimismo), sem enfrentar a realidade e seus problemas, em breve desanimaremos também, pois sem atacar e corrigir os problemas, as derrotas serão em série e cada vez mais duras.
Paradoxo de Stockdale é o nome dado por Collins a esse fenômeno. Jim Stockdale foi um prisioneiro da guerra do Vietnã, que ficou preso durante 7 anos, sob freqüentes torturas, sem nunca saber se seria libertado. Jim, citado por Collins, afirmou que “Nunca duvidei – não apenas de que sairia vivo, mas também que venceria no final e transformaria aquela experiência num divisor de águas da minha vida – experiência que em retrospectiva, eu não trocaria por nada”.
Em seguida Stockdale disse que os primeiros a sucumbir à terrível provação que vivenciavam todos os dias eram os otimistas. Porque esses sempre acreditavam que iriam sair dali a poucos meses. “Vamos sair no Natal!” O Natal passava e nada. “Vamos ser libertos antes da Páscoa!” Passava-se a Páscoa e nada. Assim, após algumas esperanças frustradas, os otimistas morriam desesperados.
Lendo isso, me lembrei de conversar com pessoas ligadas a pecuária de corte no Reino Unido que afirmaram que os casos de EEB e aftosa foram os dois maiores aceleradores da evolução do setor naquele país. Ao enfrentar uma enorme crise, conseguiram modernizar a atividade e tornar o setor mais forte contra a competição global.
Nossa realidade nua e crua de hoje é representada por preços baixos, falta de verbas para defesa sanitária, controle insuficiente da efetiva vacinação, barreiras fragilizadas nas fronteiras com outros países, tomada de decisão não baseada em dados provados cientificamente como estados que barraram carne desossada e maturada, empresas varejistas que anunciaram não comercializar carne do MS e a recente suspeita de fraude nos exames no Paraná.
Por outro lado é preciso ter fé de que é possível passar por isso. O Brasil tem hoje uma condição ímpar no mercado mundial de carne. Todos os países competidores estão preocupados, pois enxergam o Brasil como um fornecedor capaz de entregar enormes volumes de carne, durante todo o ano, de forma padronizada e capaz de atender a inúmeros e muito distintos segmentos de mercado, em todo o mundo.
Para passar da realidade atual, para o possível cenário temido por nossos concorrentes é preciso conseguir unir: confiança no futuro e coragem para agir sobre o presente.
Paradoxo de Stockdale: Mantenha a fé em que você vai vencer no final, independente das dificuldades. E ao mesmo tempo, enfrente a realidade nua e crua de sua situação atual, seja ela qual for.
Qual sua opinião sobre a aplicação do Paradoxo de Stockdale no cenário atual da pecuária de corte e o que podemos fazer? Gostaria muito de saber sua opinião. Muito obrigado
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Miguel,
Excelente paralelo entre o livro e a situação da aftosa.
A grande diferença é que no caso da aftosa a melhoria da situação frente uma análise fria e crua da realidade não depende de apenas uma empresa, mas de várias.
Não só de todas as empresas agropecuárias (aonde ainda temos diversos públicos, como os proprietários, os gerentes, veterinários, peões, etc, muitas vezes com interesses e vontades diferentes), mas também dos órgãos governamentais (também com pessoas diferentes com interesses diferentes).
Só para citar um exemplo: estive também no MS na semana passada, mais precisamente em Ponta Porã, divisa com o Paraguai. Passei no posto fiscal que existe na divisa na rodovia às 15:00 e pasmem: O posto estava inexplicavelmente fechado sem uma só alma viva. O fluxo de caminhões com gado do Paraguai para o Brasil e vice-versa estava “livrinho da silva”!
Te pergunto: o que adianta uma fazenda ter uma excelência em controle sanitário se a outra ao lado compra a vacina de aftosa e joga no rio, queima os frascos ou enterra ao invés de aplicar no gado?
Ou se o governo não fiscaliza os “marreteiros de gado”, que não tem comprometimento nenhum com o setor, que ficam cruzando a fronteira livremente com gado não vacinado?
Já está provado (os países de primeiro mundo já testaram isto para nós, não precisamos fazer mais testes): ações individuais para o bem comum só funcionam com uma conjunção de dois fatores.
Muita conscientização e educação de base (que dão formação aos valores da sociedade) e fiscalização e punição exemplares (se o fazenda não fez a vacinação, por que tem que ser reembolsada pelos animais?)! Infelizmente parece que o Brasil carece dos dois…
O lado otimista é que desastres como este da aftosa (ou o que estamos vivendo com o PT) vão aos poucos minando a nossa paciência e nos fazendo se mexer.
Se fosse nos EUA, em um país europeu ou até mesmo aqui do lado na Argentina, ao invés de eu estar aqui teclando estes comentários, estaria me juntando com outras centenas ou milhares de outros cidadãos revoltados e fazendo um panelaço, uma passeata ou até mesmo invadindo o palácio do planalto para cobrar melhorias.
Só espero que a situação não tenha que chegar muito mais no fundo do posso para que nós cidadãos comecemos a reagir!
Caro Miguel,
Bastante oportuno e muito objetivo esta sua abordagem da situação. Seguindo o seu raciocínio lógico gostaria de comentar o seguinte:
1. O fato de que nós ‘não temos nada a aprender’ é uma grande vantagem. Pois assim, já sabemos exatamente o perfil do problema e o que é preciso para ultrapassá-lo no futuro.
Reclamar da situação pouco vai contribuir para a elevação dos preços que permanecerão oprimidos ao longo de alguns anos devido ao excesso da oferta. As frentes que precisam ser trabalhadas são:
(a) o melhor gerenciamento dos custos (pois, o lucro se tira dos dois lados!) e
(b) uma maior integração horizontal e vertical da cadeia produtiva.
Só isso. E o que se recomenda é começar na próxima segunda-feira e tentar envolver os amigos e vizinhos na empreitada de longa duração. Assim, o ‘virus de melhoria’ espalhar-se-á ao longo do tempo.
2. Mesmo subscrrevendo as teses do Collins, o negócio da carne bovina não precisa disso. Não precisa ter fé imbalável no futuro. Só precisa remover os obstáculos colocados pela incompetência de muitos para deixar a força do setor sozinha ocupar seu devido lugar na primeira divisão da liga mundial da carne.
Para desenvolver o turismo você precisa de muita fé e persistência. Consolidar a trajetória de sucesso da carne é só deixar de repetir os mesmos erros (tão bem referidos pelos seus interlocutores).
3. O problema da cultura latina é a oscilação entre ‘pessimismo’ e ‘otimismo’. Nada disse serve. Fazer como os Americanos, encarar e resolver os problemas com ‘realismo’. Já que a matéria prima e as condições de produção são boas.
4. Concordo com a visão inglesa sobre os efeitos aceleradores da vaca louca. Já o velho estrategista Clausewitz ensinava na academia de guerra: “A crise é a mãe de todo o progresso”. Estamos a espera de que?
Abraços realistas
Francisco Vila
Caro Miguel
Tenho tido o hábito de ler os artigos publicados não só no BeefPoint, mas em inúmeras outras publicações procurando entender ou me inteirar dos meandros da cadeia produtiva da carne.
Além disso tenho participado de seminários, congressos e cursos relacionados ao assunto. Inclusive cursos da própria Agripoint. Isto por dever de ofício, pois trabalhamos em tempo integral dedicado a pecuária.
Primeiro na nossa empresa de consultoria e depois porque temos propriedade de gado de corte e no meu entender o profissional do ramo, ou aquele que queira se profissionalizar tem que sair de dentro da porteira e enxergar este mercado com visão muito mais abrangente do que hoje é comumente praticado pela maioria dos nossos produtores.
À sua pergunta eu responderia que nem otimismo nem pessimismo, mas indo de encontro ao paradoxo de Stckdale, teremos enfrentar com realismo.
Qual é a nossa realidade?
Pelo lado otimista temos o maior rebanho comercial do mundo transformando pasto em proteína e alimentação para o homem. E isto da forma mais barata que existe em todo o planeta o que deixa concorrentes e importadores em pânico e inventando “moda” para barrar este crescimento.
Temos ainda um avançado grau de desenvolvimento genético do rebanho, podendo usar raças européias em cruzamento industrial, ou raças zebuínas puras com resultados fantásticos.
Temos alcançado índices de produtividade que se ainda não conseguem se espalhar por todo território nacional pelo menos no grosso do rebanho tem proporcionado recordes atrás de recordes nas exportações brasileiras.
No meu entender temos que passar a encarar todos estes pontos positivos com mais realismo e menos ufanismo.
Sabe por quê? Por que temos o lado para sermos pessimistas.
Que tal termos de 1999 até 2005 três casos de focos de aftosa no país, que vinha somente a reboque de muito marketing, se dizendo livre da doença. A realidade se mostrou diferente.
A realidade é uma defesa sanitária que vinha se deteriorando tanto por falta de verbas quanto por motivação política, deixando brechas nas fronteiras, na vacinação, no acondicionamento tanto nas revendas quanto nas fazendas.
A realidade é um jogo de empurra entre governos, pecuaristas, laboratórios etc…
O concreto é a falta de compreensão do pecuarista de como se comporta o mercado. É a incapacidade de uma classe que é detentora de 160 milhões de cabeças se tornar coesa e com o correto espírito associativista poder negociar com os outros elos da cadeia de forma inteligente e com a autoridade que lhe é merecida.
O verdadeiro são os frigoríficos tentando especular com a aftosa para baixar o preço da @ do boi gordo.
Mas o otimismo no caso, é que o mercado é soberano e mesmo em pleno MS o preço vem subindo segundo análise do BeefPoint.
A realidade é ainda lermos, “pasmem”, que existe a possibilidade de a sorologia no Paraná ter sido fraudada.
A realidade é que temos que ser mais profissionais e conseguirmos aplicar o Teorema de Stockdale.
Temos que aproveitar todo o conjunto de fatores que nos fazem o maior produtor de carne mundial para enfrentarmos a verdade da nossa realidade “nua e crua” revertendo o quadro de incertezas, e descrédito que os concorrentes mundiais querem nos imputar.
Otimismo e pessimismo são inerentes ao ser humano. Crescer como pessoas será enfrentar estas situações com realismo e torna-las fatores de desenvolvimento tanto profissional como pessoal.
José Luiz Pedreira
Miguel,
Achei muito interessante este ponto de vista, e com certeza é o mais correto de se fazer, pois de nada adianta somente otimismo exagerado, de que “somos os melhores” e nada fazer diante de tantos problemas e falhas, não só da parte do governo como de nós (pecuaristas) mesmo.
É começar de dentro de casa, vacinando corretamente os animais, e por aí adiante.
Iniciativas como desta semana, do Secretário da Agricultura do MS, Dagoberto Nogueira, e do Secretário Municipal de Campo Grande, Rodolfo Vaz, de ir até a Bolívia e tentar organizar um acordo, para que os principais países da América Latina (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia) se unam para combater a aftosa, já é uma ação diferenciada e realista do problema, que atinge a todos os países envolvidos.
Eu associo esse paradoxo, com o velho ditado chinês, ou seja, “crise e oportunidade”; o que resta saber é se todos envolvidos no agronegócio estão sendo realistas o suficiente para tirar proveito desta crise do foco de aftosa e transformá-la em oportunidade de crescimento sustentável, onde toda a cadeia de valor atue com igual responsabilidade.
Devemos ver a “cadeia de valor” como o corpo humano, onde cada membro se encontra ligado e dependente da ação do outro para sua sobrevivência, não sendo portanto, as mãos melhores que os pés, ou ainda, podemos dizer: o que seria do coração sem o oxigênio dos pulmões; devemos entender então, que não é hora de achar um culpado apenas, porque diretamente estamos todos envolvidos, ou seja, pecuaristas, fornecedores de insumos, indústria, governo e quem mais faça parte dessa cadeia; para tanto, é hora de juntar forças e idéias e colocá-las em prática para verdadeiramente assumirmos a liderança mundial do agronegócio.
Gilvandro Marques Paes
Economista
Caro Miguel,
Mais uma vez você foi muito oportuno em seu editorial.
Ver a realidade é sempre ponto de partida para a solução dos problemas. E acreditar no êxito final define o ponto de chegada. Com isso o caminho está traçado e só resta caminhar.
Não vamos nos esquecer que a pecuária brasileira está só começando e tem evoluído de maneira extraordinária. Portanto não há lugar para desânimo ou pessimismo.
É só insistir no trabalho diário na busca da qualidade com produtividade e responsabilidade.
Um abraço,
Eduardo Miori
Primeiramente parabéns pelo artigo e por todas as informações úteis que vem disponibilizando a nós.
Pois bem, é um pouco complicado, visto todas as adversidades, tentar prever um futuro melhor. Porém essa lição deixada pelo soldado auxilia, e muito, uma vez que tendo a verdadeira noção de nosso presente e seus entraves poderemos almejar e trabalhar para um futuro promissor.
Certa vez em uma palestra ouvi que passamos boa parte de nosso tempo no futuro (planejando) e outra no passado (lembrando), pouco tempo nos dedicamos ao presente, a nossa situação atual que é onde devemos trabalhar para tentar mudar alguma coisa.
Muito obrigado e até mais.
Está aberta a Guerra Política entre PR e União!
Voltamos ao início da situação. A irresponsabilidade dos órgãos do Estado do Mato Grosso do Sul na demora da notificação dos focos ao MAPA e este, consequentemente, a OIE, pode ter determinado a crise na pecuária brasileira.
Ao invés de notificar a suspeita de animais com sintomatologia semelhante a Febre Aftosa (FA) ao MAPA, medida obrigatória estabelecida pela OIE; os colegas do MS preferiram esperar e só notificar após o laudo conclusivo.
Irresponsabilidade tamanha, onde a não interdição da área e o não controle do trânsito animal, possibilitou a vinda de animais susceptíveis a Londrina no Paraná, no início do mês de novembro.
Após vários dias do terror que cobriu a pecuária nacional, e o bombardeio de informações erradas pela mídia brasileira (e de alguns colegas), a Secretaria da Agricultura do Paraná foi alertada quanto a um (01) animal com sintomatologia suspeita de FA e, influenciada pela situação, notificou o MAPA de um foco suspeito no Estado.
Medida que o Estado do MS deveria ter tomado!
Se tivesse feito isso, a área seria interditada, nenhum dos animais suspeitos teriam entrado no Estado do Paraná e a situação não teria se alastrado até para São Paulo, para onde alguns animais comprados na feira de Londrina foram levados.
Após 3 anos sem nenhum foco no Sul, sendo atestado de zona livre com vacinação pela OIE, 5 ou até 10 anos de planejamento e combate á FA foram jogados no lixo.
A União em 2001 investiu cerca de US$ 55 milhões e, após 2 anos sem focos registrados, reduziu a verba em torno de 60%!
Só para comparação, em 2004 o setor privado investiu cerca de US$160 milhões.
Agora a guerra entre PR e União está declarada. Laudos sendo contestados pelo Exmo. Sr. Ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, desconfiando da credibilidade do Laboratório Nacional Agropecuário (LANAGRO), afirmando que o laudo apresentado pelo Secretário da Agricultura do Paraná, Sr. Orlando Pessuti, “não é um laudo conclusivo”.
Então, pensamos: “se o Ministro da Agricultura não credita confiabilidade no laudo fornecido pelo LANAGRO em Belém, um laboratório credenciado pelo MAPA e pela OIE, que concluiu que as suspeitas de foco no Estado do Paraná não são reais; em qual laudo confiar, ou melhor, em quem confiar?”
Pensei que já tivesse visto barbáries suficientes nesta questão, mas me enganei.
Produtores, vocês devem continuar confiando em uma única senhora: a vacina!
Pelo amor de Deus, continuem vacinando!
Na minha ótica, o otimismo, é a causa pós, qualquer tipo de consequência agradável ou desagradável, pois quando as coisas estão indo bem, sua única preocupação é a continuidade do processo, sem perder o estímulo em seu trabalho.
Quando esse elo é quebrado, só nos restam a esperança e o otimismo para que as coisas voltem ao seu lugar, sem perder o foco principal, que é o objetivo da continuidade do seu trabalho.
O pessimismo está ligado à cadeia, que nos gera dúvida, e as vezes, insegurança, pois a ganância, a irresponsabilidade e os interesses particulares de alguns, trazem consequências desastrosas ao meio, isto é, num todo.
Agora, só nos resta continuar com o otimismo de que juntos fazemos a diferença.