A crise desencadeada pelo relatório do Greenpeace só reforçou a cautela do varejo europeu em relação à carne brasileira. Resta dizer que as empresas supermercadistas européias precisam sair desse dilema, no mais tardar, até o ano 2010, se a estabilidade do consumo for confirmada. Até essa data, ou terão que ter reduzido o seu envolvimento com a comercialização de carne bovina, ou terão que ter encontrado parceiros brasileiros confiáveis e comprometidos com as exigências de qualidade, segurança sanitária e sustentabilidade.
No início de julho passado, a organização ambientalista Greenpeace divulgou um relatório no qual denunciava como cúmplices de crime ambiental, grandes empresas varejistas globalizadas (inclusive quatro das mais conhecidas na Europa: Carrefour, Casino-Pão de Açúcar, Tesco, Sainsbury’s e Marks and Spencer) e os pecuaristas e frigoríficos brasileiros que forneceriam ao varejo do Velho Continente carne produzida em áreas de desmatamento ilegal.
Alguns dias depois, reagindo à pressão de consumidores e da opinião pública, esses varejistas europeus e o concorrente norte-americano Wal-Mart anunciaram a decisão de não comprar mais carne de frigoríficos implantados no Pará e proveniente de animais criados em fazendas que desmatam.
A primeira vista, a crise deslanchada pelo relatório da Greenpeace não cria um cenário favorável à aproximação entre pecuaristas brasileiros e redes varejistas globalizadas. No entanto, uma análise mais cautelosa dos desafios que deve enfrentar o varejo europeu, nos próximos anos, em relação à comercialização de carne bovina, mostra que existem, hoje em dia, oportunidades de negociação entre a cadeia de carne do Brasil e as principais empresas européias, através de alianças mercadológicas já constituídas.
O primeiro fator que justifica tal visão é a própria dinâmica do mercado europeu de carne. Durante o ano de 2008, vários fatores contribuíram para manter os preços da carne bovina a níveis muito elevados na União Européia.
O primeiro foi a diminuição da produção doméstica, observada entre 2007 e 2008 (-1,4 %) em conseqüência da redução estrutural do rebanho bovino, causada pelo impacto do desacoplamento dos pagamentos de subsídios (o desacoplamento determina que as ajudas diretas passam a ser independentes dos volumes de produção). O segundo fator foi a redução das importações, ligada às restrições impostas à carne brasileira a partir de janeiro de 2008 e à política imprevisível do governo argentino com relação às exportações.
Em 2008, observou-se também um crescimento temporário das exportações européias. Com a conjugação de preços elevados e da diminuição de renda sofrida pelos segmentos da população européia afetados pela crise econômica, assistiu-se a uma forte queda do consumo interno (-323.000 toneladas). Nesse contexto, o leve aumento das importações de carne australiana, norte-americana e do Uruguai foi suficiente para eliminar qualquer problema de abastecimento dos operadores que compram carne no mercado atacadista europeu.
Balanço oferta-demanda de carne bovina na União Européia (27 países).
Segundo as previsões da Comissão Européia, publicadas em julho passado, a situação pode ser diferente nos próximos meses. A produção de carne bovina do bloco deve declinar levemente neste ano, chegando a 7,9, milhões de toneladas. Quanto ao consumo, espera-se um crescimento em 1%, chegando a mais de 8,4 milhões de toneladas, em razão da evolução favorável dos preços e do crescimento do consumo per capita nos principais países consumidores do bloco.
Nesse contexto e considerando a hipótese de estabilidade das exportações, as importações deverão aumentar em 84,5 % para preencher a lacuna entre produção e consumo, alcançando as 646.000 toneladas no final do ano. Se esse cenário se confirmar, as grandes empresas varejistas européias (que respondem, hoje, por mais de 65 % da distribuição de carne bovina no mercado da União Européia) terão que se posicionar rapidamente em relação à questão da compra de carne brasileira.
Essas empresas varejistas enfrentam hoje um dilema complexo. De um lado, a queda do poder aquisitivo da população européia e a redução contínua da oferta doméstica de carne bovina (ligada às dificuldades encontradas pelos pecuaristas europeus para controlar os custos de produção), obrigam o varejo europeu a rever totalmente a sua estratégia tradicional de abastecimento.
Só poderá reverter esse quadro nos próximos anos se puder contar com a contribuição de grupos de pecuaristas e frigoríficos não-europeus capazes de fornecer volumes significativos de carne de qualidade e visceralmente comprometidos com o respeito das exigências de rastreabilidade e segurança sanitária.
Por outro lado, essas empresas varejistas querem avançar com muita cautela no processo que deve levar à conclusão de parcerias com fornecedores brasileiros. Tal cautela não resulta apenas das dificuldades que a pecuária brasileira encontra para implementar dispositivos eficientes de rastreabilidade e de segurança sanitária. O varejo europeu não pode correr o risco de sofrer repetidas acusações de cumplicidade como aquelas sofridas em junho passado.
A crise desencadeada pelo relatório do Greenpeace só reforçou a cautela do varejo europeu em relação à carne brasileira. Resta dizer que as empresas supermercadistas européias precisam sair desse dilema, no mais tardar, até o ano 2010, se a estabilidade do consumo for confirmada. Até essa data, ou terão que ter reduzido o seu envolvimento com a comercialização de carne bovina, ou terão que ter encontrado parceiros brasileiros confiáveis e comprometidos com as exigências de qualidade, segurança sanitária e sustentabilidade.
O perfil ideal desses parceiros seria: uma rede – formada por pecuaristas e frigoríficos – capaz de incentivar seus integrantes a adaptarem os seus sistemas de produção às normas exigidas pelo varejo, de manter uma disciplina coletiva e de fornecer volumes significativos de carne.
A segunda razão que nos leva a considerar que o momento é propício para uma aproximação entre as associações de pecuaristas e frigoríficos brasileiros e o varejo europeu está ligada ao cronograma de implementação da nova estratégia de sustentabilidade das principais empresas supermercadistas do Velho Continente.
A iniciativa tomada em junho passado, pelas empresas européias, em relação à suspensão da compra de carne em regiões com risco de desmatamento mostra que a tendência internacional que leva os grandes operadores de varejo a reduzir os impactos ambientais e sociais das cadeias de produção chegou ao Brasil. Daqui para frente, o varejo global vai fazer aqui o que já faz em diversos países europeus: classificar os seus milhares de fornecedores segundo uma lista de critérios ambientais e sociais e privilegiar cada vez mais aqueles que respeitam esses critérios.
A meta do varejo europeu é, a partir dos próximos anos, rotular todos os produtos alimentícios e disponibilizá-los nas suas lojas usando o argumento da sustentabilidade como ferramenta de marketing. Hoje, o consumidor do Velho Continente considera valores ambientais e sociais como diferencial na compra. O caminho parece sem volta. O varejo global deve adequar o funcionamento de suas cadeias de fornecimento em função dessa nova dinâmica do mercado.
Existem hoje, no Brasil, dezenas de alianças mercadológicas regionais e associações integrando pecuaristas pioneiros e frigoríficos que manifestam uma grande preocupação pelos aspectos sociais e ambientais. Para que essas cadeias conquistem (ou reconquistem) um espaço significativo no mercado europeu, não basta aumentar o número de estabelecimentos rurais aprovados pelo Sisbov ou fazer com que os frigoríficos brasileiros tenham uma oferta razoável de animais rastreados. Ē preciso definir uma estratégia que leva em consideração as expectativas e as exigências das grandes redes varejistas.
Para o varejo europeu, a negociação de parcerias com essas alianças pode ser uma maneira de sair do dilema mencionado. As alianças podem ajudar os seus integrantes a aprimorar os dispositivos de segurança sanitária e de rastreabilidade, no intuito de adequar os processos produtivos e os produtos às listas de requisitos do varejo.
Ademais, essas alianças podem oferecer dois serviços essenciais aos grupos europeus da distribuição. O primeiro é a identificação das cadeias produtivas regionais que efetivamente reúnam as condições básicas para se tornarem fornecedores confiáveis do varejo do Velho Continente. O segundo é o acompanhamento permanente das cadeias produtivas regionais selecionadas pelos compradores europeus (assistência técnica, formação de recursos humanos, fornecimento de equipamentos adaptados, certificação).
Os responsáveis pelos programas de produção de carne sustentável que se multiplicaram no Brasil, nos últimos anos, não podem perder a chance que essa nova vigilância socioambiental do varejo globalizado oferece a eles e ao segmento da pecuária que eles representam.
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Prezado Roberto Trigo Pires de Mesquita,
Obrigado pela sua carta. Se o senhor tiver uma lista dessas fazendas prontinhas, estou interessado em recebê-la. Pode mandar para o BeefPoint.
Agradeço
JY Carfantan