“Paridade” é definida como “a qualidade ou condição de ser igual ou equivalente; um estado ou grau semelhante; ou igualdade” (1).
À medida que as recomendações dietéticas se tornam mais especificas para condições de saúde e de doenças, ou para segmentos populacionais, surgem oportunidades para demonstrar o uso efetivo da carne bovina magra em uma variedade de programas de dietas saudáveis. No entanto, muitos profissionais de saúde e consumidores não estão familiarizados com a paridade da carne bovina magra com outras fontes de proteínas da dieta. Pesquisas recentes, incluindo estudos de longo prazo, compararam diretamente os efeitos da carne bovina magra com o de outras proteínas, como de frango ou peixe.
Para se adequar às metas dietéticas de redução dos níveis de lipídios do Programa Nacional de Educação Sobre Colesterol (National Cholesterol Education Program – NCEP), dos Estados Unidos (2), os indivíduos são aconselhados a escolher carnes magras ao invés de carnes gordas (3,4,5). No entanto, esta informação é às vezes traduzida como “reduzir a quantidade e a freqüência do consumo de carnes vermelhas e substituir por peixe ou frango sem pele”. Entretanto, estudos clínicos que avaliaram este tipo de substituição na dieta não conseguiram evidências científicas de que esta mudança é realmente desejável. Em muitos casos, esta restrição é desnecessária e pode até privar as pessoas de outros nutrientes necessários encontrados na carne bovina e em outras carnes vermelhas. Como resultado disso, a carne bovina é frequentemente consumida em quantidades menores do que o adequado na dieta total. A contribuição de nutrientes da carne bovina, como ferro, zinco e vitaminas do complexo B, é especialmente notável. Além disso, os benefícios adicionais de planos de dietas contendo carne bovina magra podem incluir uma melhor aceitação de uma dieta com baixo teor de lipídios graças à grande gama de opções de alimentos.
Composição de nutrientes
Os consumidores podem ter dúvidas sobre a real composição dos alimentos (Tabela 1), especialmente no que se refere ao teor de gordura. Isso, por sua vez, pode gerar impactos na percepção do papel da carne bovina em sua dieta. O aumento da disponibilidade de cortes mais magros de carne bovina e a forma como eles são comparados com a carne de frango e de peixe precisam ser divulgados. Muitas pessoas ficam surpresas em saber que pelo menos sete cortes de carne bovina ficam entre o peito e a coxa de frango (sem pele) em termos de gordura total (6).
A carne é composta por uma variedade de ácidos graxos. Uma porção de 85 gramas de carne bovina magra cozida contém tipicamente mais ácidos graxos mono-insaturados do que saturados, e uma quantidade menor de ácidos graxos poli-insaturados. Em frangos, comparativamente, os mono-insaturados predominam, com níveis de ácidos graxos saturados e poli-insaturados aproximadamente iguais. O peixe geralmente contém mais ácidos graxos poli-insaturados do que saturados ou mono-insaturados. Os níveis de colesterol por porção são aproximadamente equivalentes entre a carne bovina magra e o frango. Os níveis em frutos do mar variam mais (7).
A extensão pela qual os ácidos graxos saturados podem diferenciar em seus efeitos no colesterol sangüíneo ainda não foi totalmente estimada. Por exemplo, ácido esteárico, principal porção dos ácidos graxos saturados em carne bovina magra, tem pouco, se tiver algum, efeito nos níveis de colesterol sangüíneo. Entretanto, permanece a idéia de que todos os ácidos graxos saturados levam ao aumento nos níveis de colesterol. O efeito neutro do ácido esteárico no colesterol sangüíneo recebe pouca atenção, especialmente na mídia. Nos últimos anos (8), estes efeitos estão sendo reavaliados em termos de potenciais impactos nas recomendações dietéticas de gordura.
Carne magra como parte de uma dieta para redução do colesterol
Duas perspectivas precisam ser consideradas: o uso efetivo de carne bovina magra em dietas para redução do colesterol; e a substituição de frango/peixe por carne bovina está relacionada aos níveis de lipídios sangüíneos?
Estudos anteriores fornecem evidências que suportam que a carne vermelha magra, como a carne bovina, pode ser incluída em dietas para redução do colesterol (9,10). Estudos mais recentes têm demonstrado que, se é notado um efeito de aumento no colesterol sangüíneo, este é mais provavelmente devido ao componente de gordura da carne bovina, e não ao tecido muscular magro. As conclusões gerais são que a carne bovina magra não precisa ser eliminada e pode facilmente se adequar a uma dieta para redução de colesterol (11,12).
Tabela 1: Valores comparativos de nutrientes de cortes de carne bovina magra, carne de aves e de peixe (porções de 85 gramas, cozidas) (Ref.7).
(a) Energia, proteína, gordura total, colesterol, ferro e zinco.
Estudos anteriores comparando os efeitos da proteína da carne bovina e de proteínas vegetais nos lipídios sangüíneos em homens com o teor normal de lipídios; homens e mulheres com alto teor de lipoproteínas; e homens consumindo dietas controladas, um com permissão de carne vermelha magra e outros baseada em uma dieta lacto-ovo-vegetariana. Estes estudos mostraram que a redução nos níveis de lipídios sangüíneos pode ser obtida quando as pessoas consomem dietas de baixo teor de gordura contendo uma quantidade moderada de carnes vermelhas magras (incluindo carne bovina magra) (14,15,16).
Paridade da carne bovina e de frangos/peixes nos níveis de lipídios do sangue
As recomendações dietéticas de consumo de carnes vermelhas (incluindo carne bovina magra) frequentemente seguem um padrão similar: reduzir a ingestão total de gordura, reduzir a ingestão de gordura saturada e colesterol e ingerir peixes e frango sem pele, bem como carnes vermelhas magras, ao invés de carnes gordas. Entretanto, na prática, isso é frequentemente interpretado como “substituir a carne vermelha por frango/peixe” (4,5,13).
Flynn (17) avaliou os lipídios sangüíneos em 129 adultos com níveis normais de colesterol alimentados com dietas contendo carne bovina ou frango/peixe. Dentro de sua dieta normal, as pessoas eram solicitadas a incorporar 5 onças (141,748 gramas) de carne bovina ou frango/peixe em suas dietas por três meses. Eles também comiam um ovo por dia para igualar a ingestão de colesterol. Depois de três meses, as pessoas trocaram para outras dietas. Não foram encontradas diferenças no teor de colesterol total nem de colesterol LDL nem em homens nem em mulheres durante o período do experimento. No entanto, os níveis de triglicérides do soro de mulheres aumentaram significantemente com a dieta de frango/peixe, o que não ocorreu com a dieta de carne bovina.
Estes resultados foram suportados por um trabalho anterior feito por Scott et al (18), que comparou os efeitos nos lipídios sangüíneos da carne bovina magra versus frango/peixe em 46 homens com níveis altos nos limites de colesterol. A dieta teste continha ou carne bovina magra ou frango/peixe e fornecia menos de 30% de calorias de gorduras e menos de 5-6% de calorias de gordura saturada. Os níveis de colesterol total e colesterol LDL não foram diferentes entre as diferentes dietas; entretanto, os níveis de colesterol HDL (lipoproteína de alta densidade) caíram em dietas com frango/peixe. Este estudo mostrou que não há vantagens em substituir carne bovina por frango/peixe dentro do contexto de uma dieta com baixo teor de gordura. Neste estudo, quando o nível total de gordura da dieta foi reduzido para 30% de calorias, a fonte de gordura fez muito pouca diferença.
Como estes e outros estudos (19,20) não controlaram todos os elementos da dieta, não é possível atribuir os impactos típicos de dietas específicas de carnes nos níveis de lipídios. Desta forma, Scott conduziu um segundo estudo, que utilizou dietas bem controladas em homens com altos níveis de colesterol (13). Neste estudo, 38 homens consumiram sua dieta normal por três semanas, uma dieta de estabilização por cinco semanas e uma dieta com carne bovina magra ou frango por cinco semanas. Todos os alimentos durante o período do teste foram fornecidos às pessoas.
A carne bovina magra e a carne de frango apresentaram paridade, com ambas as dietas produzindo decréscimos significantes na média de colesterol total e colesterol LDL. As diferenças entre colesterol total, colesterol LDL e HDL não foram estatisticamente diferentes entre carne bovina e frango.
Tabela 2: Efeitos nos lipídios sangüíneos de carne bovina magra versus carnes brancas magras (frango/peixe)
Para estender as descobertas de Scott et al (13) e “testar” os resultados em uma situação da “vida real”, um estudo de longo prazo foi projetado e realizado em três centros de pesquisa clínica (21). Duzentas pessoas com suave elevação no colesterol foram recrutadas. Seis onças (170,097 gramas) de carnes vermelhas magras (principalmente carne bovina) ou carnes brancas magras (principalmente frango/peixe) foram incorporadas a uma dieta do Programa Nacional de Educação Sobre Colesterol, de 5-6 dias por semana por 36 semanas. Pelo menos 80% do consumo total de carnes foi de carne vermelha ou branca magra baseado em uma distribuição aleatória.
Durante o período de 36 semanas do tratamento, os níveis de colesterol total e de colesterol LDL caíram e permaneceram 1-3% abaixo dos níveis iniciais tanto nos tratamentos com carne bovina magra, como com tratamentos de frango/peixes magros. O colesterol HDL aumentou aproximadamente 2% com relação ao início em ambos os tratamentos. Não houve uma diferença significante na resposta entre as dietas com carne bovina e carnes brancas magras. Mais comparações e detalhes deste estudo estão presentes na Tabela 3.
Tabela 3: Valores de lipídios séricos (mg/dL) no início do tratamento e depois do período de nove meses do estudo (21)
Este recente estudo múltiplo estendeu suas descobertas de um estudo de curto prazo de 1994 com dietas altamente controladas (13). Os participantes foram adultos voluntários com aumento suave no nível de colesterol, para os quais o uso de dietas do Programa Nacional de Educação Sobre Colesterol seria uma terapia apropriada. Os participantes foram aconselhados, mas ficaram livres para fazerem suas próprias escolhas, com relação à seleção de alimentos (dentro das restrições de tratamentos de carnes particulares de que estavam participando) e a preparação dos mesmos por um período de nove meses. Neste estudo, os resultados suportam a visão de que a carne vermelha magra (bovina) e as carnes brancas magras podem ser igualmente efetivas na redução dos níveis de lipídios sangüíneos com dietas visando esta redução. Além disso, existe potencial para melhorar a adesão à dieta de longo prazo aumentando as escolhas de alimentos se tanto as carnes brancas como as vermelhas forem “permitidas” (21).
Conclusão
A carne bovina magra pode ser efetivamente incorporada em planos de dieta com baixo teor de gordura, designados a reduzir os níveis de colesterol do sangue. Isso pôde ser demonstrado em estudos de curto prazo, com dietas bem controladas (13), bem como em estudos de longo prazo (até nove meses), com pessoas comendo com maior liberdade, aconselhadas a selecionar dietas que incluíssem carne bovina magra (21). Além disso, estes estudos demonstraram que a carne bovina magra tem paridade com as carnes brancas magras se forem seguidas as diretrizes do Programa Nacional de Educação Sobre Colesterol. Estratégias recomendadas para redução da ingestão total de gordura de carnes (vermelhas ou brancas) incluem a seleção de cortes magros, redução da gordura visível dos cortes no varejo, escolha de métodos de preparo com baixa gordura e ingestão de porções moderadas (aproximadamente 170 gramas por dia) (22). Além disso, para se adequar a todas as diretrizes dietéticas, as recomendações incluem a ingestão de uma dieta balanceada, com escolhas de alimentos com baixo teor de gordura, além da ingestão de frutas, vegetais e grãos diariamente.
Esta revisão manteve seu foco na paridade das carnes magras brancas (principalmente frango/peixe) e da carne bovina magra em dietas com baixo teor de gordura designadas a reduzir os níveis de colesterol sangüíneo. Entretanto, há potencialmente muitos outros planos de dietas onde a carne bovina magra é totalmente equivalente a outras fontes de proteínas. Exemplos podem incluir: dietas de controle de calorias ou para perda de peso, dietas para treinamento muscular/esportivo, dietas para controlar/reduzir a diabetes tipo II, dietas para reduzir a formação de pedras no rim, entre outras. Frequentemente, o principal critério está focado na adequação às recomendações dietéticas de gordura, gordura saturada, proteínas e carboidratos. A carne bovina magra, como um alimento do grupo de carnes vermelhas/fonte de proteína, pode geralmente ser incluída em níveis recomendados. Com a disponibilidade de carne bovina mais magra, os consumidores devem saber que suas escolhas alimentares podem e devem incluir este produto.
Referências bibliográficas
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Fonte: Baseado em revisão da Associação Nacional dos Produtores de Carne Bovina dos EUA (National Cattlemen’s Beef Association – NCBA)
1 Comment
Parabéns Juliana Santin gostei muito do seu trabalho.
Luiz Mario
Porto Alegre-RS.