Por Luiz S. Thiago, José M. da Silva, Armindo N. Kichel, Gelson L. Feijó, Fernando P. Costa, Roberto A.A. Torres Junior e João C. A. Porto (Pesquisadores da Embrapa Gado de Corte)
Bovinocultura de corte no Brasil
O Brasil possui hoje, o maior rebanho comercial de bovinos do mundo, com cerca de 168 milhões de cabeças, porém seus índices de produtividade ainda são baixos, com uma taxa média de abate de 20,5%.
A atividade da pecuária no Brasil envolve uma área de 225 milhões de ha e produz cerca de 7,2 milhões de toneladas de carcaça ano. A cadeia produtiva de carne bovina emprega cerca de 7,5 milhões de pessoas envolvendo um faturamento anual de 13,7 bilhões de dólares.
A carne brasileira é competitiva no mercado internacional, tanto pelo tamanho do seu rebanho, mas, principalmente, pela participação intensiva do pasto na sua produção. Entretanto, sistemas de produção de carne baseados exclusivamente a pasto, impõe limites nutricionais que inviabilizam o abate com idade inferior aos 30 meses.
Esta pecuária de ciclo curto é uma imposição que o mercado está fazendo sobre os pecuaristas, e se o Brasil pretende ocupar este novo mercado, mas mantendo sua competitividade, é necessário melhorar a qualidade da dieta dos bovinos em pastejo. Isto pode ser alcançado, usando-se o suplemento alimentar. Portanto o “Boi Nacional” precoce não seria mais totalmente “verde”, mas sim, “verde” com uma pequena faixa “amarela”, representando o uso de grãos. Esta situação do animal no pasto vai caracterizar o bovino brasileiro no mercado internacional, como o “Boi Verde/Amarelo”, sinônimo de um produto saudável e ecologicamente desejável.
Introdução
A carne brasileira, para ser competitiva, precisa explorar melhor o Sistema Ecológico das Pastagens e complementar as deficiências nutricionais do mesmo, com muito critério, e dentro de uma meta de produção bem estabelecida. No Brasil, ao contrário de países de clima temperado, é possível explorar este sistema o ano todo.
Os elementos que compõem o sistema ecológico das pastagens são a energia solar (luz e calor), a planta, componente sintetizador das substâncias orgânicas (fotossíntese), os bovinos, componente transformador da matéria vegetal em carne, leite ou lã (fermentação ruminal), o solo, componente sustentador e fornecedor de elementos nutritivos, a umidade, fornecedora de água, e o ar, fornecedor de CO2, O2, e N2. Executar uma pecuária racional é alcançar um equilíbrio entre todos esses componentes, de forma a manter a sustentabilidade do sistema como um todo. A palavra chave para isso é o manejo das pastagens, que basicamente, consiste em manter uma harmonia entre o boi e o pasto. Uma planta fraca (desfolha permanente pelo animal) não consegue utilizar com eficiência os elementos do sistema ecológico, produzindo pouca massa e conseqüentemente, poucos nutrientes para o animal em pastejo. Este, por sua vez, vai apresentar baixo desempenho produtivo.
Na Embrapa Gado de Corte, localizada em Campo Grande, MS, existem estudos que se propõem a utilizar bem o pasto, e a racionalizar o uso do suplemento, ambos fatores indispensáveis para a pecuária de ciclo curto. Entende-se por pecuária de ciclo curto, sistemas de produção de carne com idade de abate até aos 30 meses. O trabalho que será apresentado a seguir tem como meta o abate aos 22 a 24 meses de idade, dentro das seguintes suposições:
– Desmama (7 – 8 meses) – 190 kg de peso vivo;
– Recria de seca pós desmama, seguindo-se a recria de água (julho a maio = 330 dias), que deveria resultar em um novilho (±18 meses) de 400 kg de peso vivo (início de engorda);
Isto significa dizer um ganho médio diário de GMD = 0,636 kg/cabeça/dia.
O experimento
Esta sendo utilizada uma área de 66,4 ha, dividida em oito piquetes de 8,3 ha, onde foram alocados quatro tratamentos com duas repetições. Em setembro de 2000 foi aplicado nesta área 1,5 t/ha de calcário e em novembro/2000, por ocasião do plantio, 300 kg/ha de superfosfato simples. A B. brizantha cv. Marandu, foi semeada em 21 de novembro de 2000, usando-se 5,7 kg/ha de sementes puras viáveis.
Em fevereiro de 2001 fez-se um pastejo de estabelecimento e em 11 de julho de 2001, 128 bezerros desmamados Pardo Suíço Corte x Nelore, com peso e idade média de 198 kg e 8 meses, respectivamente, foram distribuídos nos oito piquetes (16/piquete, 32/tratamento), de acordo com os seguintes tratamentos de seca (11/07/01 a 26/10/01):
– T1 = pasto + mistura mineral (controle);
– T2 = pasto + mistura mineral + 500 g/animal/dia de concentrado;
– T3 = pasto + mistura mineral + 1000 g/animal/dia de concentrado;
– T4 = pasto + mistura mineral + 2000 g/animal/dia de concentrado.
A partir de 26/10/01, todos os animais, dentro de cada repetição, foram reagrupados nesses mesmos tratamentos (T1, T2, T3 e T4) para o período de chuva (26/10/01 a 07/06/02), de forma a manter em cada um deles, quatro representantes de cada um dos quatro tratamentos anteriores de seca. A suplementação na seca foi precedida por um período de adaptação ao concentrado, iniciando-se com 500g e dobrando-se este valor a cada quatro dias, até alcançar o nível estipulado para cada tratamento. O consumo do concentrado foi total desde o primeiro dia de suplementação. O concentrado, bem como a mistura mineral, foram oferecidos em uma única vez, todas as manhãs, entre 09:00 e 10:00 h. Foi utilizada uma mistura mineral com 6,5% de fósforo (FAZ 130), com oferta diária na base de 40 e 60 g/animal/dia, respectivamente na seca e chuva). Os concentrados foram balanceados em função da necessidade de proteína degradável no rúmen, de acordo com as recomendações do NRC (1996), e em função dos níveis de oferta:
MS = matéria seca; MN = matéria natural; NDT = nutrientes digestíveis totais (energia); PB = proteína bruta.
MS = matéria seca; MN = matéria natural; NDT = nutrientes digestíveis totais (energia); PB = proteína bruta.
Durante a seca (jul. a out./01) e águas (out./01 a jun./02 foram realizadas três pesagens, respectivamente, após um jejum prévio de aproximadamente 16 horas em curral. A disponibilidade de forragem foi estimada por ocasião dessas pesagens, seis amostras de 1 m2/piquete, representando matéria seca foliar (MSF), coletada manualmente, e sobra (MSS), cortada com tesouras ao nível do solo.
A MSF era constituída de folhas e talos finos verdes (fração selecionada preferencialmente pelo animal) e a MSS por talos grossos e material morto (pouca aceitabilidade). Uma amostra composta/piquete, constituída de seis sub-amostras, representando cada um desses dois componentes da pastagem, foi analisada para proteína, fibra detergente neutro e digestibilidade. Uma orçamentação parcial foi realizada, calculando-se custos e benefícios dos diversos tratamentos.
Resultados parciais obtidos
1a FASE: RECRIA DE SECA PÓS-DESMAMA (= 108 dias)
A disponibilidade de matéria seca foliar (MSF) do Capim Marandu, estava bastante acima da média para início de seca, caracterizando a situação de um pasto de primeiro ano (ver quadro abaixo). Esta massa foliar também apresentou um alto valor de proteína para a época do ano (acima de 8%). Em contraste, a matéria seca de sobras (MSS) neste período foi 5 vezes maior do que a MSF, mas com um teor médio de proteína 2,7 vezes inferior. A MSS é o componente da pastagem pouco consumido pelo animal. A taxa de lotação média de seca foi de 1UA/ha, com extremos de 0,8 a 1,2 UA/ha, para início e final de seca, respectivamente.
Desempenho de bezerros Pardo Suíço Corte x Nelore nesta pastagem de Capim Marandu, durante a seca de 2001(10/07/01 a 26/10/01 = 108 dias), mostraram que o efeito da suplementação no ganho de peso foi linear (P<0,001), conforme quadro abaixo.
Y = 0,571 + 0,182*T R2 = 97% (P<0,05) Esta é uma situação que poderia favorecer bastante uma engorda, mas pode comprometer animais em recria, os quais terão de permanecer no pasto por mais um período de águas, aumentando a chance de compensação devido ao ganho compensatório, o que ocorreu na fase seguinte. 2a FASE: RECRIA DE ÁGUA (= 224 dias)
A disponibilidade de MSF e de MSS do Capim Marandu durante a chuva de 2001, encontra-se no quadro abaixo. Houve uma acentuada queda na precipitação do mês de Janeiro de 2002, e isto, resultou em baixa capacidade de recuperação da pastagem durante o período de águas. Este fato, associado ao aumento na taxa de lotação (resultado dos animais em crescimento), resultou em valores de MSF inferiores aos obtidos na seca, mas de qualidade superior.
A redução na MSS é o resultado do apodrecimento do material morto com as chuvas de verão. A taxa de lotação média de chuva foi de 1,5 UA/ha, com extremos de 1,2 a 1,8 UA/ha, para início e final de chuva, respectivamente.
Desempenho de bezerros Pardo Suíço Corte x Nelore nesta pastagem de Capim Marandu, durante a chuva de 2001(26/10/01 a 07/06/02 = 224 dias), mostraram efeitos diferenciados da suplementação, em função da inclusão ou não do tratamento de seca. No caso de considerarmos o ganho de chuva em função do tratamento prévio de seca (ver quadro abaixo), pudemos observar que houve uma redução no ganho de peso de chuva, à medida que se aumentou a oferta de concentrado na seca (efeito linear e quadrático, P<0,01).
Y = 0,708 – 0,171*T + 0,053*T2 r2 = 99%
Independente do tratamento anterior de seca, olhando apenas o efeito da suplementação de chuva (ver quadro abaixo), pudemos observar que houve um acréscimo linear no ganho de peso (P<0,01), a medida que se aumentou a oferta de concentrado, mas de uma forma menos intensa do que a observada com a suplementação de seca (56 g de ganho/kg de ração consumida), como pode ser observado no quadro abaixo.
Y = 0,580 + 0,056*T r2 = 99%
PERÍODO TOTAL DE RECRIA EM PASTO (1a FASE + 2a FASE = 332 dias)
A situação discutida acima afetou o desempenho dos animais Pardo Suíço Corte x Nelore durante sua permanência no pasto (10/07/01 a 07/06/02), de forma diferenciada, em função da suplementação de chuva ou de seca. Considerando-se a suplementação de chuva, o efeito no ganho de peso foi linear (P<0,05), mas modesto (48 g de ganho/kg de concentrado), comparado com o ganho obtido apenas durante a seca (182 g de ganho/kg de concentrado, 1° fase: recria de seca).
Y = 0,620 + 0,048*T R2 = 95% (P<0,05) Já, quando considerou-se o efeito da suplementação de seca sobre o ganho de peso em toda a fase de recria em pasto, não houve efeito significativo, indicando que as vantagens da suplementação durante a seca, desapareceram durante o período das águas (manifestação do ganho compensatório) (ver quadro abaixo).
Não significativo (P>0,05)
O efeito deste ganho de peso vivo diferenciado, resultado da combinação dos tratamentos de seca e de chuva (total de 16 tratamentos), sobre o peso vivo de novilhos Pardo Suíço Corte x Nelore (kg) ao final da recria de pasto de capim Marandu (10/07/01 a 07/06/02 = 332 dias), bem como o respectivo consumo de concentrado (kg/animal), pode ser observado no quadro abaixo.
Todos os tratamentos alcançaram a meta inicial de peso vivo no início de engorda próximo aos 400 kg, entretanto, eles foram muito similares entre si, o que significa dizer que os tratamentos com menor uso de concentrado serão os mais interessantes economicamente. Cabe lembrar que a nossa situação de pasto de seca, estava bastante acima da média, com ganhos de 0,543 kg/animal/dia (1a fase).
Ao final da recria em pasto em 07/06/02, todos os animais foram para o confinamento, onde receberam silagem de milho à vontade e 0,8% do peso vivo do seguinte concentrado:
Em função do peso vivo inicial obtido ao final da recria em pasto e do peso final para o abate (mínimo de 480 kg), tivemos diferentes tempos de permanência dentro do confinamento (dias) e respectivo consumo de concentrado (kg/animal), conforme quadro abaixo.
Desta forma, dos 128 bezerros iniciais, foi possível separar três diferentes lotes de novilhos para o abate, em função dos tratamentos durante a fase de recria em pasto, quais sejam:
Lote Cabeceira – 36 cabeças (28,3% do rebanho); 47 dias de confinamento; GMD = 1,105 kg/cabeça/dia; Peso vivo = 505 kg (485 – 570); Rendimento de carcaça = 54,7% (51,9 – 58,3); Arrobas = 18,4 (16,9 – 21,3); Acabamento = 3 a 10 mm de gordura.
Lote Meio – 54 cabeças (42,5% do rebanho); 80 dias de confinamento; GMD = 0,932 kg/cabeça/dia; Peso vivo = 494 kg (466 – 547); Rendimento de carcaça = 56,2% (53,5 – 59,8); Arrobas = 18,5 (16,6 – 20,9); Acabamento = 3 a 6 mm de gordura.
Lote Fundo – 37 cabeças (29,2% do rebanho); 110 dias de confinamento; GMD = 0,843 kg/cabeça/dia; Peso vivo = 476 kg (415 – 507); Rendimento de carcaça = 55,7% (51,3 – 59,2); Arrobas = 17,7 (15,8 – 19,0); Acabamento = 3 a 10 mm de gordura.
Os tratamentos usados na recria a pasto afetaram tanto o tempo de permanência em confinamento, quanto na distribuição dos animais nos lotes cabeceira, meio e fundo, e isto sem dúvida, vai afetar a análise econômica do sistema de produção de carne em estudo, como pode ser observado no quadro abaixo:
Orçamento parcial
Conclusões
Pecuária de ciclo curto (abate até aos 30 meses) – Conceito do “Boi Verde Amarelo”
Recria a pasto (± 330 dias): quanto melhor for o pasto, menor será o uso de concentrados, poupando-o para uso na fase de engorda.
Engorda: quanto maior for o peso vivo ao final da recria em pasto, menor será o tempo necessário para a engorda em semi-confinamento (pasto + concentrado) ou confinamento (silagem + concentrado).
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer a parceria com o Grupo Hélio Coelho & Filhos, que gentilmente, nos cedeu para a realização deste experimento, 128 animais Pardo Suíço Corte x Nelore e toda a alimentação e medicamentos.
Trabalho realizado pela EMBRAPA Gado de Corte – Campo Grande/MS
Por Luiz S. Thiago, José M. da Silva, Armindo N. Kichel, Gelson L. Feijó, Fernando P. Costa, Roberto A.A. Torres Junior e João C. A. Porto (Pesquisadores da Embrapa Gado de Corte)
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Parabens pelo artigo.
Ádler Carvaho da Silva
Zootecnista – Mestrando em Produção de Ruminantes