Os pecuaristas gaúchos decidiram virar o jogo. Em vez de os frigoríficos ditarem os preços do boi gordo, alguns sindicatos rurais do Rio Grande do Sul estão definindo semanalmente a venda e o valor de sua matéria-prima. A iniciativa é inédita e começou exatamente no município que detém o maior rebanho bovino do Estado: Alegrete, com 610 mil cabeças de gado.
As primeiras semanas deram tão certo que a Federação da Agricultura do Estado (Farsul) resolveu encampar a idéia, disseminando-a por todos os seus sindicatos no Estado, mas não há ainda um resultado expressivo que revele o sucesso do movimento além das fronteiras de Alegrete, onde efetivamente os donos do gado estão ditando as normas.
Segundo o presidente do Sindicato Rural, Abílio Nogueira de Oliveira, o movimento apelidado de “Fim da Farra do Preço do Boi” pretende acabar com o “terrorismo” imposto durante décadas pelos frigoríficos. “Eles chegavam nas fazendas, anunciavam o preço e avisavam que na semana seguinte a cotação estaria mais baixa”, diz.
A gota d’água surgiu de uma pesquisa feita pela entidade nas duas pontas da cadeia produtiva da carne. De acordo com Oliveira, em dezembro, teve produtor vendendo o boi por até R$ 1,50 o quilo vivo. Há um mês, a cotação baixou para R$ 1,20, mas o valor cobrado pela carne na gôndola do supermercado continuou o mesmo. “Decidimos participar deste lucro”, explica.
Tudo começou há um mês, em uma reunião que estipulou o preço do quilo em R$ 1,30, num período em que os abatedouros estavam forçando o valor em R$ 1,15. Quem não aceitou pagar, não recebeu o gado. Na semana seguinte, o preço passou para R$ 1,35 e, depois, para R$ 1,40. Muitos produtores, que já vinham adotando a prática, informalmente, não vendem gado há pelo menos dois meses.
Ao encampar a idéia, a Farsul decidiu realizar um estudo sobre os custos de produção. Os sindicatos estão enviando à entidade planilhas com dados, além dos preços cobrados pela carne nos supermercados. A Farsul também pretende controlar a entrada de carne de fora do Estado.
O presidente do Sindicato Rural de Bagé, Paulo Ricardo Dias, acredita que a medida não irá prejudicar o relacionamento com os frigoríficos, e sim facilitar as negociações entre a indústria e os produtores. “É uma forma de fortalecer a categoria e assegurar competitividade ao produto” diz.
Dias acredita que a planilha de custos poderá embasar as discussões com a indústria em busca de um preço mais justo.
O secretário-executivo do Sicadergs, Zilmar Moussalle, diz que o movimento tem dois lados. Bom, porque mostra a organização dos produtores, e ruim, porque pode incentivar o abate clandestino, que já atinge índices preocupantes. Segundo ele, os frigoríficos que abatem de acordo com as legislações estadual e federal registram 930 mil cabeças por ano. Mas o volume que chega ao mercado consumidor é de dois milhões de cabeças. “O movimento poderá aumentar essa ilegalidade e prejudicar quem trabalha com fiscalização e paga impostos”, adverte.
Sicadergs sugere negociação
O presidente do Sicadergs, Mauro Lopes, considera inviável para os frigoríficos gaúchos o preço estipulado pelos pecuaristas como referência para o quilo do boi vivo (de R$ 1,40). Segundo ele, o valor está acima do praticado pelo mercado. O Sicadergs está orientando os frigoríficos a negociar a compra de animais para o abate. “A nossa orientação é a do mercado. Nossa atividade é o abate e temos de ter rentabilidade”, frisa o dirigente.
Segundo ele, o movimento dos produtores pode forçar uma redução na oferta de gado para os matadouros e as indústrias terão de buscar a oferta existente fora do Estado. Moussalle lembra é possível trazer boi de Estados como Mato Grosso e Goiás por preço inferior ao que estão definindo os pecuaristas gaúchos. Inclusive, com o frete incluído.
Lopes explica que o valor pretendido pelos produtores não é viável para a indústria porque ultrapassa o preço praticado em outros Estados. O presidente do Sicadergs compara que o quilo da carcaça de boi, carne abatida, industrializada, resfriada e pronta para o consumo, está sendo vendido por frigoríficos de fora a R$ 2,45. “Quando compramos o boi vivo, temos uma expectativa de 50% de rendimento de carne. Se pagarmos R$ 1,40 pelo quilo do boi vivo, na verdade, estamos pagando R$ 2,80 pelo quilo da carcaça de carne, o que está muito acima do praticado”, destaca.
Adesão
Os produtores de Dom Pedrito devem aderir à campanha, mas com a ressalva de não apelarem para tabelamentos. Esse é o discurso do vice-presidente do Sindicato Rural do município, Frederico Wolf. O dirigente afirma ser favorável à busca de um preço como referência na hora de fechar negócios, mas também destaca que é impossível para os pecuaristas controlar o mercado. “Nós não podemos tabelar preços, e sim sugerir um valor que já foi praticado para orientar os produtores”.
Fonte: Zero Hora (por Jorge Correa, Daniel Silveira, Vivian Eichler, Luís Eduardo Amaral e Mauro Maciel), adaptado por Equipe BeefPoint