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29 de setembro de 2009
Mercados Futuros – 30/09/09
1 de outubro de 2009

Pedro Eduardo de Felício comenta o processo de consolidação dos frigoríficos brasileiros

O que está acontecendo é a concentração de um enorme poder econômico de duas empresas que incorporam outras em dificuldade financeira. Isto terá fim? Quem sabe no dia em já não restar frigorífico fora de corporação globalizada. O fato é que ainda não assimilei bem a idéia desse movimento. Há muita dívida a pagar e o dinheiro deve vir de investidores que, em algum momento, vão querer os seus dividendos. Eu tenho ouvido falar maravilhas da capacidade gerencial de uma dessas novas megaempresas brasileiras do setor frigorífico, mas ainda me custa acreditar que os investidores terão retorno.

BeefPoint:O que você acha das últimas aquisições, fusões e arrendamentos de grandes frigoríficos brasileiros?

Pedro Eduardo de Felício:O que está acontecendo é a concentração de um enorme poder econômico de duas empresas que incorporam outras em dificuldade financeira. Isto terá fim? Quem sabe no dia em já não restar frigorífico fora de corporação globalizada.

O fato é que ainda não assimilei bem a idéia desse movimento. Há muita dívida a pagar e o dinheiro deve vir de investidores que, em algum momento, vão querer os seus dividendos. E nesse setor, historicamente, as contas nunca fecham. Uma indústria moderníssima até no nome, “Future Beef Operations”, construída no Centro-Oeste americano fechou depois de um ano de funcionamento, em agosto de 2002, porque não conseguia sair do vermelho. Cometeu erros de planejamento e muitos outros enquanto operou e estava presa a um contrato com uma rede de supermercados que a sufocava. Serve de exemplo? Talvez, porque era uma tentativa de vencer o estigma da baixa lucratividade investindo em tecnologia e qualidade de produtos.

Eu tenho ouvido falar maravilhas da capacidade gerencial de uma dessas novas megaempresas brasileiras do setor frigorífico, mas ainda me custa acreditar que os investidores terão retorno. A menos que possam determinar os preços de compra da matéria prima e de venda de seus produtos, mais ou menos como estão fazendo a indústria farmacêutica, as grandes redes de supermercados, ou os bancos da atualidade. Desnecessário dizer como eles operam, não é mesmo? A menos, também, que consigam uma rápida desvalorização do real frente ao dólar para reduzirem sua dependência do mercado interno.

BeefPoint: Você acredita que esse processo de consolidação da indústria frigorífica e a formação de grandes empresas multinacionais trarão mais vantagens ou desvantagens para a pecuária brasileira? Como o produtor deve agir nesse momento?

Pedro Eduardo de Felício: Vantagens para quem? Estão repetindo muito essa história de que gigantescas empresas transnacionais trarão vantagens para os produtores rurais desde a compra da Sadia pela Perdigão. O próprio governo acredita nisso, mas eu não sei que vantagem um produtor de milho de Iowa, Estados Unidos, tem com o fato de serem americanas a Monsanto e a Cargill.

Hoje, esse produtor trabalha para pagar a conta dos insumos todos e não pode parar de aumentar a produtividade para não ficar no vermelho. Acho que isso tem uma semelhança com o castigo de Sísifo, da mitologia grega, que foi condenado a rolar uma grande pedra com as mãos até o alto da montanha, e toda vez que estava quase no topo ela rolava novamente para baixo, e ele tinha que começar tudo de novo, por toda a eternidade.

Recomendar uma estratégia de ação ao produtor rural está muito além da minha competência, mas diversificar atividades para diminuir a oferta de boi pode ser o único antídoto a longo prazo. Tornar menos abundante a matéria prima como tem acontecido em outros países. Nosso rebanho não precisa ter 200 milhões de cabeças, nem ocupar 200 milhões de hectares de terra, precisa?

BeefPoint: Em relação às negociações dos últimos dias, como o Governo deve atuar para garantir que as mesmas não causem impactos negativos para o setor?

Pedro Eduardo de Felício: Eu esperava que coisas assim viessem a acontecer, mas não imaginava que teriam uma força tão grande, nem que o governo ajudasse tanto a se dar do modo como estamos vendo e a CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, serve mesmo para quê? Como a imagem da justiça, a CADE parece estar de venda nos olhos, mas quem sou eu para falar de um tema tão complexo?

O fato é que se esse governo ajuda na formação de trustes, algum governo no futuro terá que agir para acabar com eles ou o seu poder será tão imenso que ninguém, nem mesmo o próprio Estado a ele se oporá de pronto quando necessário.

A história tem exemplos disso e ao que parece ocorrem ciclicamente. Foi assim com os trustes norte-americanos do século dezenove e início do século XX, da carne, do açúcar, do aço e do tabaco, do petróleo e das ferrovias. Eles chegavam a constituir um poder paralelo que teve que ser destruído por ações consistentes do governo federal dos EUA, começando pelo destemido presidente Ted Roosevelt na primeira década de 1900, para que as negociações voltassem a ocorrer livremente. Conta-se que, em 1937, 80% de toda a carne e produtos derivados vendidos nos EUA vinham das “Big Four” (Swift, Armour, Wilson e Cudahy). A situação naquele país, mais recentemente, voltou a ser como era naquele tempo, mas já não chamam de trustes.

BeefPoint: Essas empresas têm recebido grande aporte de capital do BNDES, que inclusive vem incentivando fusões e aquisições. Para você, essa posição assumida pelo banco é correta e saudável para o desenvolvimento do setor, ou deveria ser estudada com mais cautela?

Pedro Eduardo de Felício: Eu já disse antes que, em tese, o BNDES deveria ser o banco do desenvolvimento econômico e social e eu confiava nessa parte do social. Acho que fui crédulo demais. O tal banco vai acabar financiando até mesmo os confinamentos das transnacionais da carne e, aí sim, acabará com o que restar do poder de negociação de preços dos pecuaristas. Estes últimos terão que se contentar em vender boi magro, para engorda nos confinamentos, com o preço feito em planilha da indústria. Será como criar frangos e suínos para as integradoras, não é mesmo? E que importa para esse fornecedor que a empresa que lhe compra os frangos e os porcos seja a maior do mundo? Dizem que é a garantia de acesso aos mercados; pode ser, mas continua sendo colono.

Produzir garrotes desmamados e recriados, vacinados, vermifugados, rastreados, mediante especificações de genética, com todos os testes de marcadores moleculares e certificações de toda ordem pode ser o futuro do pecuarista. Pode ser, também, que ele gaste tanto com insumos que, assim como o produtor de milho ou de batatas, não possa nunca descansar porque precisa pagar seus fornecedores de insumos.

Agradeço ao BeefPoint pela oportunidade que sempre me oferece de tornar público o que penso dessas grandes questões que afetam o setor da carne, visando, sobretudo, mostrar os temas por outros ângulos, mesmo porque a unanimidade costuma ser pouco inteligente e até perigosa.

0 Comments

  1. Eduardo Miori disse:

    Caro Professor De Felicio
    Sua análise está absolutamente correta e reflete com perfeição a perplexidade que acomete a todos os pecuaristas nos dias correntes.
    Há pouco tempo acompanhamos o processo movido por organismos do governo contra grandes frigoríficos acusados de cartelização dos preços de compra.
    Agora estes mesmos frigoríficos estão sendo consolidados sob auspícios do BNDES e aplausos das autoridades.
    Em todos os casos de consolidação vemos duas ou mais organizações com problemas financeiros se juntarem para resolver estes mesmos problemas.
    Ou seja , a soma de empresas ruins passaria a resultar em uma empresa boa.
    Ainda que contassem com extraordinária capacidade gerencial,o que parece duvidoso pelo seu passado,muito dificilmente estas consolidações seriam bem sucedidas a menos que pudessem exercer total controle sobre preços de mercado,sejam de compra ou de venda.
    Parece cristalino que este é o plano e só resta aos pecuaristas não se deixarem envolver por esta tentativa de transformá-los em engrenagens cativas de uma máquina descomunal.
    Como você mesmo apontou ,isto já aconteceu em quase todas as agroindústrias americanas no começo do século XX , em setores como carne,algodão, pescados,milho e outros cereais.
    Da minha parte pretendo continuar fornecendo a frigoríficos regionais de médio porte para que não desapareçam.
    Quanto ao risco de crédito ,estou desconfiado que é menor do que o dos grandes
    frigoríficos,pelo menos considerando os fatos recentes.
    Obrigado por sua valiosa colaboração

  2. Claudio Maluf Haddad disse:

    Muito interessante a colocação do prof Pedro Felicio.Realmente essas fusões de grandes grupos levam a conjeturas de como os tempos medievais são atuais, onde os nobres dominavam o poder e o rei só sobrevivia com alianças e conchavos…Tenho uma teoria que ,como pecuaristas, só sobreviveremos se migrarmos para a cria, atividade que será pulverizada em futuro proximo, bastante valorizada por ser a real base da Pecuaria,e realizada mediante contrato e especifiações tecnicas.Entretanto só veremos a verdadeira valorização da cria quando cessar o desmatamento,maior motor nacional de fabricação de bezerros baratos…

  3. Lincoln Correia disse:

    Prezado mestre,

    Realmente a sua análise está correta, pois ficamos achando bonito as empresas brasileiras tornarem-se multinacionais, mas continuam comprando boi como no tempo da “zagaia”, jogando o preço para baixo e devendo para os pecuaristas (reunião sem acordo do independencia, os frigorificos que estavam parados e não pagaram ninguém, foram arrendados pelo friboi e marfrig.).

    Um grande abraço.

  4. Guilherme Augusto Vieira disse:

    Professor Pedro, Parabéns pelas suas colocações. O produtor precisa cada vez mais se profissionalizar para enfrentar as ´intempéries mercadológicas´.

    Guilherme

  5. jeferson moreira correa disse:

    pelo menos vejo que temos pessoas capasitadas que entenden do asunto,mas se os pecuaristas nao intenderen que só com a uniao poden faser frente a essas mega-fusoes nao vai ter outro meio a nao ser estar a merce destes grandes grupos.

  6. Tereza de Castro Guinart disse:

    Prezado professor Pedro Felicio, fiquei satisfeita de ouvi-lo falar com tanta franqueza e coragem desse tema, e afirmo que concordo plenamente com seu ponto de vista.

  7. José Roberto Puoli disse:

    Caro Pedro,
    Aqui vou eu, novamente.
    Se as industrias crescem ou dimminuem, compram ou vendem, acredito que seja competêcnia ou incompetência delas. O problema maior é o governo (BNDES)ajudando. Assim tudo fica mais fácil para elas.
    Que poder temos para influir ou afetar estas transações? Nenhum. O CADE deveria cumprir com a função dele e verificar se estas aquisições criará ou não monopólio. E, pronto.
    A oportunidade perdida (ou quase perdida) que vejo, foi quando (e, talvez, ainda seja) a oferta de gado para abate diminuiu. Há um ou dois anos atrás. Deveria ter sido nesta época que os produtores teriam que ter feito pressão para que os frigoríficos organizassem uma classificação de carcaça correta e pagassem pelo peso vivo e não morto. No meu ver, estes são os dois pontos que afetam tremendamente os produtores, rendimento e classificação de carcaça. Sem contar saúde financeira do frigorífico. O que foi que mais vi acontecer nesta fase do pouco gado acabado, o boi inteiro voltou a ficar na moda, pois ganha mais peso e o frigorífico está sem matéria prima, então compra assim mesmo. Voce sabe o que significa boi inteiro para a indústria. Mais uma oportunidade perdida. De que adianta ficar discutindo se ficou grande ou não. Se eles cresceram, se articularam, compraram, fundiram etc competência deles.
    Enquanto não houver uma voz única e competente do produtor (tipo MLA australiano), esta pelea entre produtor e frigorífico vai continuar e o produtor é quem perde mais. Esse assunto de voz única é velho, porém, não está resolvido e nem sei se há uma tentativa de resolve-lo.
    Abração
    limão

  8. Walter Magalhaes Junior disse:

    Sinceramente, não acredito no potencial gerencial dos gestores da mega empresa da carne que está sendo criada, muito principalmente depois de ler o artigo apresentado pela última revista Exame, com o título de “A Incrível Aventura Global do Friboi”.

    Não estou tentando “gorar” nada, mas estes projetos não se tocam somente com o conhecimento e a experiência resultante da teoria do aprendizado.

    A situação do Friboi ainda tem um agravante, além do fato do preparo dos gestores principais estar limitado ao ensino médio, um dos ´big boss” tem claras aspirações políticas.

    Este fato é um agravante, ao meu ver. No curto prazo talvez até ajude, movimentando a bica de recursos do BNDS para o lado deles, como tem acontecido. Mas a longo prazo, a guerra política costuma ser catasfrófica para os empresários que por esses lados se aventuram.

    Portanto, a saída é exatamente esta proposta pelo Roberto Mesquita. Vender para os frigoríficos médios e somente à vista. Deixe aos grandes os produtos excepcionais da leiterias, aqueles que apresentam “excelentes” desempenhos de carcaças.

    Outra coisa mais, deveremos estar preparados para cobrar a implementação do “way out” estabelecida pelos administradores do governo que decidiram participar desta aventura, através do BNDES.

  9. José Ricardo Skowronek Rezende disse:

    Creio que niguem saiba ainda quais as reais consequencias da “consolidação” em curso no setor pecuário.
    Em mercados concorrencias a transferencia dos ganhos de produtividade para o consumidor é caracteristica do capitalismo.
    A médio e longo prazo sé resta avançar mais rápido que a média da concorrencia ou abandonar a atividade.
    E infelizmente o produtor não tem como escapar do castigo de Sisifo.
    Mas esta tem sido a historia do produtor rual desde a revolução industrial.
    Mas o que estamos observando na industria frigorifica, via concentração sem antecedente no setor, é a transformação de um mercado concorrencial em um mercado oligopolizado…com apoio público do BNDES e omissão do CADE.
    Seria interessante saber a evolução do quanto os produtores estão recebendo em relação ao que os consumidores estão pagando desde que a concentração de acelerou para avaliar se a industria esta se apropiando ou não de parte de renda do produtor.

  10. André Mendes Jorge disse:

    Caro Prof. Felício,
    Parabéns pela excelente entrevista, transparente e coroada de esclarecimentos importantíssimos para os que trabalham com o setor de carnes. Precisamos de mais “BRASILEIROS” como o senhor para mostrar o tema sob outros ângulos extremamente coerentes e verdadeiros.
    Um forte abraço!

  11. naves jose bispo disse:

    boa noite,muito interessante palestra eu tive a oportunidade de estar presente ontem 05/10 com professor claudio haddad,na ocasiao falamos de assuntos diversos. O que para minha felicidade mostrou me que caminho proximo aas ideias do professos haddad,entendo sua colocaçao com referencia ao deficit previdenciario,mas creio que as coisas se acomodam de forma surpreendente e isso deve acotecer com as previdencias e outros elos das cadeias produtivas,portanto sugiro nao planejarmos açoes de medio e longo prazo baseadas nestes indicadores,falo que devemos cuidar da ORGANIZAÇAO ,pois creio ser este o mecanismo mais acessivel e barato,embora arduamente trabalhoso.moro em uma cidade maravilhosa ,Goiania-Go.e aqui tento organizar grupos de estudo,de trabalho,enfim fazer com que a nossa e outras classes se organizem.posso assegurar que nao se trata de coisa facil,rapida,mas com certeza eh possivel,gostaria de poder relatar como depuramos um mercado,no varejo,e portanto nada oligopolizado ,nesta cidade mediana,as dores e dramas que enfrentamos,mas hoje completamos quase dois anos de convivencia harmoniosa e planejada,sei que eh muito cedo para comemoraçoes mas ja eh hora de anunciarmos um caminho,um rumo,se voltarmos a enfrentar problemas,SABEMOS ONDE E COMO INICIAR QUALQUER LUTA EM PROL DE NOSSA SOBREVIVENCIA,E COM CERTEZA O FAREMOS.ORGAZIÇAO “JA”

  12. Carlos Marcelo Saviani disse:

    Carissimo Professor Pedro Felicio,

    Que legal ver os teus comentarios e opinioes a respeito do assunto, vc que tem tanta experiencia e historia no setor! Concordo com todas as tuas preocupacoes e inquietacoes, mas infelizmente este processo de consolidacao nao esta acontecendo apenas na pecuaria, mas em praticamente todos os setores da economia. A comecar pelos varejistas espalhados pelo mundo, que cada vez mais sao maiores e em menor numero. Conectados com a sociedade de consumo, eles “empurram” para toda a cadeia a pressao constante por melhor qualidade com menor preco. Os elos da cadeia estao apenas se “ajustando” a esta pressao…Basta olharmos tambem o tamanho medio das fazendas de hoje em comparacao com as fazendas de 30 anos atras.

    E os motivos sao globais e advem do modelo economico que “nos” escolhemos para o planeta. Hoje cada vez mais pessoas tem acesso a cada vez mais bens de consumo, que estao cada vez mais baratos. Basta olhar para a quantidade de comida, roupas, brinquedos, servicos, etc que uma crianca tem acesso hoje em uma determinada classe social e compare com o que uma crianca da mesma classe teria acesso em 1950. E a forma escolhida para se chegar a isso foi atravez da COMPETICAO. Em em todo processo de competicao os fortes ficam cada vez mais fortes e os fracos cada vez mais fracos. E aqueles que querem remunerar o seu capital acabam colocando as suas “fichas” naqueles que parecem ser os mais fortes, tornando-os entao mais fortes ainda.

    Tenho serias duvidas de que este modelo seja sustentavel no longo prazo, nao apenas do ponto de vista economico, mas tambem do ponto de vista social, ambiental e ate planetario. Resta a sociedade avaliar se e isto realmente que ela quer como modelo economico ou se alguma mudanca precisa ser feita.

    Viajando a trabalho pela Europa no mes passado, vi muitas pessoas questionarem as mega corporacoes, os mega projetos, os produtos ditos “comerciais”, os “carbon footprints”, etc, mas nao vi ninguem disposto a pagar muito mais caro pelos seus produtos ou disposto a abrir mao dos seus bens e do seu conforto conquistado nas ultimas decadas.

    Veremos…

    Um Grande Abraco do seu eterno aluno,

    Carlos M. Saviani

  13. Péricles Pessoa Salazar disse:

    Muito interessante a entrevista do Prof. Pedro Eduardo de Felício, mostrando a faceta cruel do nosso capitalismo tupiniquim. Não fosse o aporte de recursos públicos por parte do BNDES Participações S/A. – BNDESPAR, jamais a indústria frigorífica brasileira estaria concentrada da forma como hoje se encontra. Se assim está, deve-se ao excepcional brilhantismo das cabeças privilegiadas do BNDES, que entenderam botar dinheiro do povo nestas mega organizações. E para que ? Ora, para criarmos empresas transnacionais em condições de concorrer com a máxima eficiência neste mundo globalizado. Lindo como retórica beenedina, mas desproposital enquanto instituição de fomento.
    Faço uma pergunta e quem quiser que responda : Qual a razão lógica, econômica ou social que motivou o BNDESPAR a entrar na condição de sócio destes grandes empreendimentos ? Por que uma instituição financeira historicamente reconhecida como mola propulsora do desenvolvimento econômico do Brasil resolveu ser sócia de empresas privadas ? Não acredito que este “way out” seja parte do viés do BNDES.
    E o que se há de fazer ? Por que não fazemos a nossa parte enquanto cidadãos e contribuintes, reclamando junto ao Banco a destinação que fazem do nosso dinheiro. Como empresários e produtores, por que não reclamarmos da concentração que poderá levar-nos à submissão pelo controle e manipulação e preços ? Com a palavra os brasileiros do campo e as entidades de representação dos pecuaristas.

  14. José da Rocha Cavalcanti disse:

    Para o produtor resta uma única saída: para enfrentar as megas fusões criar uma mega associação de classe nacional.

    Identificar e eleger líderes que conheçam e falem a língua do PRODUTOR.

    Uma associação disposta a contratar os melhores técnicos das diversas áreas que demonstrem competência para apresentar nas mesas de negociações propostas bem elaboradas, de médio a longo prazo, que atendam os anseios de lucratividade dos diversos elos dos produtores.

    Assessorar os produtores na identificação de sistemas de produção compatíveis com sua capacidade de gestão e comercialização, mantendo um relacionamento de negócios com os frigoríficos ganha-ganha.

    Ainda vale o velho adágio popular: caititu fora da manada é comida de onça.

  15. Jose W. L. Santos disse:

    Prezado Professor de Felício,

    Muito pertinente todas as suas colocações. Parabéns por falar em aberto e com clareza sobre o verdadeiro estrangulamento que essas fusões têm gerado e continuarão gerando.

    Vale ressaltar que nos EUA governo e grandes empresas processadoras de carne (as donas dos confinamentos) dormem na mesma cama. O resultado é que os pecuaristas americanos estão quase exterminados e quem se chama produtor rural lá nada mais é do que produtor de materia prima para engorda de gado dessas empresas (milho e soja). Por sinal, todos endividados e vivendo de subsídios do governo. Sem falar nos problemas seríssimos de saúde pública e de poluição que o governo se vê incapacitado em controlar porque está atado e vigiado por ex agentes dessas empresas que agora ocupam postos em órgãos regulatórios governamentais.

    Mais uma vez, obrigado pelo seu texto e que ele sirva de impulso inicial aos nossos pecuaristas para que um movimento comece no sentido de colocar um bridão nisso que está a se tornar o verdadeiro matadouro para os pecuaristas brasileiros! É tempo de diversificar as culturas e o gado, integrar verticalmente tipos diferentes (frango de corte, poedeiras, porcos, caprinos, ovinos) e a pasto. Com bom planejamento e um programa de pastejo rotacionado bem feito, é possível. Ademais, e talvez mais do que na hora, já é tempo de buscar cada vez mais atingir o consumidor diretamente, sem passar por atravessadores. Lá está o lucro e todos os países onde os pecuaristas têm alcançado algum sucesso têm de fato atingido o mercado diretamente.

    José Leôncio

  16. Humberto de Freitas Tavares disse:

    Caro prof. Pedro,

    Acho que concordo com o Saviani. A concentração faz parte de um movimento que se constata em todo o mundo, particularmente no setor de commodities. Basta ver os exemplos recentes nos setores de adubos, sementes, frango/suínos, laranja, açúcar, papel/celulose, mineração, siderurgia etc. Agora chegou ao setor da carne bovina. Bom para essas empresas, para o balanço de pagamentos da Nação, para a arrecadação de impostos. Ruim para os países concorrentes, para os pecuaristas de menor poder de barganha, para os funcionários menos qualificados (é o tal ganho por “sinergias”).

    Não há muito o que fazer contra esta tendência na pecuária, exceto lamentar. A concentração ainda não lembra a existente nos setores de adubos, processados de frango/suínos, celulose, chocolate, laranja. A entrada/aumento de poder de fogo no setor de aves e suínos certamente vai ser encarada pelo CADE como um importante contraponto à Brazil Foods (= Sadia + Perdigão).

    Com relação às perspectivas para o produtor, acho que o que haverá são mudanças radicais no lado de dentro da porteira. O pecuarista encontrará maiores dificuldades de negociação, sofrendo menos os que forem capazes de atender a um aumento previsto nas exigências relativas a escala de produção, uniformidade dos lotes, qualidade de acabamento, peso de carcaça. Por outro lado, preço de commodity — descontados frete e taxas — é internacionalmente “uniforme”. Com maior musculatura, estes gigantes tendem a conseguir melhores negociações com importadores e atacadistas/varejistas, e esta vantagem, em maior ou menor escala, acaba contagiando o mercado todo. O consumidor certamente pode aguardar um aumento nos preços, que será tanto maior quanto maior seja o aumento mundial na demanda por carne vermelha.

    No momento, penso que o produtor deve agir privilegiando os frigoríficos de menor porte, cuja existência é crucial para manter o escoamento ordenado de toda a carne de vaca e dos lotes de bois de menor uniformidade. A médio prazo, unir-se em grupos de produtores com filosofia de produção e origem geográfica semelhantes, que lhes possibilite elaborar projetos para tentar agregar valor à carne e negociar em bloco insumos e produtos.

    Finalmente, lamento discordar do Sr. Péricles Salazar, muito embora ache, como disse acima, que precisamos desviar nossos melhores lotes de bois e vacas para os associados à ABRAFRIGO. O BNDES é um banco de fomento, e quem apresenta projeto por eles julgado viável recebe financiamento. A existência do BNDES, dos bancos estatais, Petrobrás, Eletrobrás etc, antes tão criticada pelos xiitas do “laissez-faire”, permitiu ao Brasil uma surpreendente arrancada à frente do resto do mundo na recente crise global.

  17. Pedro Eduardo de Felício disse:

    Aos leitores do Beefpoint que prestigiaram a entrevista que dei, acrescentando pontos que realmente precisavam ser considerados nessa discussão toda, envio meus agradecimentos. Às vezes parece necessário radicalizar um tanto para provocar debate sobre temas tão importantes como esse dos frigoríficos de bovinos.
    Eu pensei em responder as cartas, mas na verdade não há o que responder, cada qual expressa livremente seu ponto de vista, que depende de onde se está olhando o fenômeno e do modo como será afetado por ele.

    No meu caso, a visão é de quem examina como quem acompanhou tudo que aconteceu nos últimos 30 e poucos anos na indústria da carne e já ouviu contar ou leu sobre 50 ou mais anos para trás.

    Tenho uma preocupação enorme com a capacidade que empresas poderosas têm para adaptar as leis e regulamentos a seu favor, menosprezando importantes questões de saúde pública relativamente aos alimentos contaminados.

    No dia 10 deste mês, o New York Times fez uma reportagem que está no link abaixo, sobre a contaminação de carne moída por E.coli H7:O157 (ver também o vídeo na matéria), que os inspetores do USDA não conseguem controlar diante do enorme poder das poucas e gigantescas empresas que dominam o setor da carne naquele país.

    http://www.nytimes.com/2009/10/04/health/04meat.html?ei=5087&en=cb5ce80a68ca

    Não me importa que esteja pregando no deserto, todo professor já se sentiu um pouco assim em algum momento da vida. Muitos até pagaram caro por contrariar interesses econômicos ou políticos. Assim caminha a humanidade, com progressos e retrocessos e, com o tempo, tudo vai se ajustando para o bem ou para o mal.

    Meus agradecimentos e abraços a todos
    Pedro Eduardo de Felício – Unicamp

  18. Osvaldo Chibiaque de Lima disse:

    Caro professor Pedro

    Interessante sua análise, entendo que, de parte dos produtores, para que não se tornem refens dos grandes grupos industriais, é imperativo que se organizem em seus Sindicatos; façam escala de suas vendas e melhorem cada vez mais a qualidade da matéria prima, procurando preparar animais para serem vendidos aptos para os mercados que melhor remuneram, UE, fazendo uma boa GESTÃO DE SUAS ATIVIDADES. Nossa gente, guerreiros do campo, sabem trabalhar, infelizmente em um país que o governo ignora a pujança do agronegócio não vamos esmurecer. vamos continuar lutando.

    Um grande abraço

  19. Helio Zancopé Filho disse:

    Caro Professor Pedro

    Como sempre sua esplanação a respeito do assunto e simplesmente “BRILHANTE” facil de ser entendida pela maioria,e ainda mais para que viveu um momento parecido “EM OUTRAS SITUAÇÒES”.Lembro-me da epoca dos estoques reguladores que o governo nos empunha e ao mesmo tempo tinhamos que correr atraz para fazer pois contavamos com o “DINHEIRO”para socorrer nossos caixas,porque naquela época nós não tinhamos uma “MÃE”chamada B.N.D.E.S., para nós socorrer na época de uma entresafa,como era duro passar esses mêses é para receber do governo a carne já entreque,era mais duro ainda,quantas vezes vi meu pai chorar dar muros na mesa brigar com o todo poderoso da época,DR. DELFIN NETO pelo atrazo nós pagamentos pois tinhamos que pagar os pecuarista e demais encargos,etc,etc,.
    Hoje com toda essa facilidade,que é a MÃE chamada B.N.D.E.S..vem dando aos grupos já formados onde o SR. CADE,nada vê e também não ouvi pois onde os interesse,”SÃO DUVIDOSSOS”e também as trasações são feitas hoje todas na base da troca,EX. DASE O DINHEIRO NECESSÁRIO EM TROCA DE AÇÕES, qualquer um que já está na atividade pode se sair bem pois as garantias reais não são mais exigidas é só aqui no nosso Brasil.
    Pena que o setor vai ficar na mão de dois a três no máximo ai sim veremos como fazer e não podermos nós lamentar e se lamentar com quem.
    Professor mais uma vez o SR. foi brilhante toda sua esplanação tinha que ser exposta na primeira pagina dos jornais de maior circulação deste país para que alguem nesse Governo possa acordar agora e não depois para o tremendo suicídio que estão cometendo com a pecuaria brasileira .Um Grande ABRAÇO ao Professor.

  20. mario whately thompson disse:

    Caro Pedro

    Tenho acompanhado seus pronunciamentos e ponderações sobre o que está acontecendo com o merco do Boi no Brasil e em especial, em M.Grosso do Sul. Essa união entre Friboi e Bertin nos preocupa demais. Todo gigantismo é complicado e pode trazer muitas complicações. Pergunto: o que o governo faz???? nada como sempre.
    Acho que está na hora (muito tardia) da classe se unir para fazer frente à esse pro
    blema. Será que uma Cooperativa não resolveria???
    Infelizmente a classe dos pecuaristas é muita desunida e cada um se preocupa a
    olhar seu umbigo.
    Não sou pecuarista mas trabalho com assessoria para eles e também na agricultu
    ra em MS e já estou cansado de tentar fazer algo para a classe.
    Nossos problemas no estado continuam a ser o MST e os INDIOS subvencionados
    pelo governo federal; estamos à mercê de ambos sem poder reagir
    Um grande abraço
    Mario Whately Thompson
    Campo Grande-Mato Grosso do Sul

  21. Péricles Pessoa Salazar disse:

    Agradeço o Sr. Humberto de Freitas Tavares em incentivar as vendas de gado para as nossas empresas filiadas. Concordo com o seu texto em gênero, número e grau. No entanto, no que se refere a participação do BNDESPAR, acho que não fui bem compreendido. Tenho clareza quanto ao fato que quem apresenta bons projetos deve ser contemplado nos financiamentos. Agora, financiamento é uma coisa, participação acionária é outra, bem diferente. No meu texto elogiei o BNDES como instituição de fomento, inclusive sua elevada contribuição na história do desenvolvimento econômico brasileiro, em particular na industrialização acelerada a partir dos anos 1950.

    Eu gostaria realmente de olhar o balanço do Banco e verificar se constam ali os lucros decorrentes da sua participação acionária nestas grandes empresas. No caso do Frig. Independência o prejuízo foi líquido e certo. É aquela velha máxima : capitaliza-se o lucro e socializa-se o prejuízo.

    Não confundamos fomento com sociedade. O BNDES foi criado para ser sócio de empresas privadas ?

    Finalmente, cumprimento todos os que participam deste debate, que entendo salutar e profícuo na troca de idéias e percepções.

  22. Humberto de Freitas Tavares disse:

    Caro sr. Péricles Salazar,

    Na minha ótica não há muita diferença entre emprestar dinheiro ou subscrever ações. Creio até que esta última maneira de injeção de capital é a mais segura, e explico.

    A maioria das empresas que procura o BNDES não tem ações negociadas em bolsa, e portanto a maneira mais factível de receberem dinheiro de fomento é mesmo via empréstimo, já que para o BNDES uma participação societária sem liquidez em Bolsa poderia ser um mico. Falo isso pensando numa eventual solidariedade no cumprimento dos compromissos em caso de recuperação judicial.

    Já quando é feita subscrição de ações, dependendo da magnitude, o BNDES ganha um ou mais assentos no Conselho de Administração, e assim consegue fiscalizar melhor o correto emprego do capital, exercer pressões contra desmandos e eventualmente, via mercado de capitais, pular fora de uma canoa furada.

    O caso do Frig. Independência é emblemático: quem poderia prever a quebra exceto os insiders? Nem mesmo o BNDES conseguiu fugir a tempo.