Fechamento 12:50 – 12/06/02
12 de junho de 2002
Certificadoras de rastreamento começam a ser habilitadas
14 de junho de 2002

Perspectivas do Mercado da Carne Bovina Brasileira e Estratégias Preliminares de Marketing

Por Nelson R. Pineda1 e Josyanne C. Marajó de C. Rocha2

Introdução

À medida que entrávamos no final do século, a grande maioria das empresas ficava imaginando o que as esperava no ano 2001 e quais seriam as estratégias de sobrevivência frente às mudanças tecnológicas sem precedentes que aconteceram no final do milênio passado. O que é impossível de ignorar é que nesta primeira metade do século XXI o mundo deverá atingir 9 bilhões de habitantes (U. S. Census Bureau, Internacional Data Base, 2000), demandando essencialmente alimentos e empregos.

O Produto interno Bruto (PIB) da agropecuária brasileira fechou o ano de 2001 com 99,40 bilhões, ou seja, 4,73% a mais que o valor registrado em 2000, sendo 45,2% alavancado pelo setor pecuário (Jornal O Estado de São Paulo, 5/4/2002). O Brasil possui a maior área com potencial agrícola do mundo, onde o cerrado é um dos melhores exemplos com sua área total de 204 milhões de hectares, conta com 151 milhões de hectares virgens, onde mais de 80 milhões de hectares apresentam um potencial agrícola ímpar. Possui também grande potencial hidráulico, contando com 8% da água doce do planeta, topografia e condições edáficas variadas com excelente luminosidade. Esses fatores são todos favoráveis a uma maior competitividade do agronegócio. Exportamos uma média de US$ 20 bilhões ao ano, em produtos de origem agropecuária no final do milênio, correspondendo a cerca de 40% do total das exportações brasileiras.

O Brasil é possivelmente o único país entre os produtores mundiais que tem nitidamente potencial de crescimento do rebanho bovino e condições de aumentar a quantidade de cabeças abatidas e seu índice de desfrute médio do rebanho.

O consumo mundial de carne em 2001 foi 232,6 milhões de equivalentes de carcaça, este consumo representou um crescimento de 1,5% em relação ao ano 2000. No mesmo período o crescimento demográfico foi de 1,1%, e a carne bovina foi à única com crescimento retraído devido ao aparecimento de casos de EEB e de febre aftosa em vários lugares do mundo. Porém o consumo de carne bovina na União Européia recuperou os espaços perdidos provavelmente graças à eficiência do sistema de prevenção da EBS e de rastreabilidade implantados e às campanhas de marketing e orientação dos consumidores feitos pelo CIV (Centre d´Information de la Viande) na França e o MLC (Meat and Livestock Commision) na Inglaterra.

O Brasil detém uma vantagem relativa em relação ao mercado mundial de carne bovina (Pineda, 2001), menor custo de produção como mostra a Tabela 1, e o grande potencial de crescimento em sistema extensivo com produtividade e qualidade crescente, levando em consideração que a maioria da carne brasileira é produzida a pasto. Todas estas vantagens precisam ser consolidadas através de uma política comercial mais agressiva e iniciativas consistentes de marketing para melhorar nossa imagem e, sobretudo, criar condições e alternativas na procura da integração da cadeia produtiva através de alianças mercadológicas.

O objetivo deste trabalho foi situar o Brasil perante as perspectivas do mercado externo e interno da carne bovina e conceituar o marketing no contexto da cadeia produtiva da carne, esboçando estratégias preliminares de um programa de marketing, demostrando as vantagens e as desvantagens do setor.

Tabela 1 – Preço de produção de carne bovina (em US$ por tonelada).


Fonte: Gordon International Research Institutes, 2001. In: Annuaire OFIVAL, 2001.

Estratégias iniciais para delinear uma campanha de marketing da carne bovina

O Marketing é confundido pela maioria da população brasileira com uma de suas ferramentas, a comunicação. A popularização do conceito agrava a errônea interpretação e a imagem do termo. Marketing foi definido como um processo de gestão pelo qual indivíduos e grupos (empresas) obtêm o que querem através da criação, oferta e troca de produtos e valores com outros (Kotler, 1999).

Primeiramente, vamos definir o que seria o Marketing para o nosso setor, é importante dizer que marketing da carne bovina não é propaganda da carne!!!. No agribusiness, podemos conceituar as atividades administrativas que visam ajustar o processo de trocas nos sistemas produtivos agroalimentares oferecendo valores, principalmente através da configuração (é o ato de “desenhar” o objeto – o produto), da valoração (estabelecendo termos de troca, ou os preços), da simbolização (associação a determinados significados através da propaganda) e finalmente através da facilitação (alterando a acessibilidade, a distribuição adequada dos produtos e serviços). Além da comunicação, o marketing mostra às empresas do sistema, seja a indústria de insumos, o produtor rural, a agroindústria, a indústria de alimentos e bebidas, o atacado, o varejo, setor de serviços de alimentação e o consumidor final, através da pesquisa de marketing, que estes agentes todos são variados em relação a preferências, motivos para compra, gostos e outros. Precisamos entendê-los e analisar seus comportamentos de compra, para melhor satisfazer suas necessidades.

Qualquer estratégia de marketing para aumentar o consumo da carne bovina no Brasil deverá ter seu início no entendimento do consumidor, na criação de uma imagem emocional do produto e na comunicação eficaz de suas qualidades numa seqüência de agregação de valor ao produto final, produto este, que deverá cumprir quatro condições básicas para iniciar uma campanha eficiente: segurança higiênico-sanitária, valor nutricional garantido, qualidade sensorial e, num futuro bastante próximo, o rastreamento do produto até a gôndola do consumidor. O produto tendo qualidade assegurada, o marketing se inicia enfocando o consumidor e suas necessidades, trabalhando por uma parte o lado emocional e por outra o racional de seus impulsos, confirmando às vezes suas respostas e em outras oportunidades induzindo uma mudança de comportamento. A educação e a orientação do consumidor de como comprar e como preparar a carne bovina, formam parte integrante de qualquer campanha de marketing ao exemplo do que vem sendo feito na França pelo CIV (Centre d´Information de la Viande) ou pela MLC (Meat and Livestock Commision) na Inglaterra. E, finalmente, o objetivo de todas as ações deverá estar focalizado sobre a responsabilidade do crescimento total do setor, selecionando as oportunidades de mercado e estabelecendo estratégias para alcançar o domínio dos mercados-alvo (Kotler, 1999).

Tradicionalmente a indústria da carne nunca se preocupou seriamente com publicidade, pois, como foi mostrada, a cadeia produtiva é tão extensa que nenhum de seus integrantes se dispõe a financiar individualmente a campanha do produto. Como a carne chega ao consumidor simplesmente como um produto congelado sem marca específica, finalmente é a imagem do açougueiro, responsabilizando-se pela qualidade, que determina a decisão da dona de casa. Desta maneira, o investimento econômico seja para o produtor, para o frigorífico ou para o supermercado, torna-se difícil. É indispensável que o marketing da carne seja orientado e financiado por um órgão que reúna os interesses de toda a cadeia e que cada elo colabore economicamente para o êxito da campanha. O marketing da carne precisa ser genérico e não específico (Hardwick, 1998).

Porém, para que uma campanha alcance sucesso é preciso conhecer e entender profundamente o consumidor. As mudanças devem ser detectadas com antecedência por meio de pesquisas de opinião constantes e os aspetos emocionais e racionais devem ser trabalhados simultaneamente dentro de uma campanha institucional para aumentar e incentivar o consumo da carne bovina.

1- Aspetos emocionais: o consumidor precisa de auto-afirmação, sentir-se bem com aquilo que está fazendo. É preciso mostrar-lhe que tem motivos para comer carne vermelha e que este comportamento faz parte da forma moderna de viver. Neste contexto a Inglaterra lançou na década de noventa a campanha Uma Receita de Amor e a Itália Carne, Amore e Fantasia, ambas mostrando a carne bovina associada à vida familiar e ao crescimento das crianças. A campanha da carne Nelore recentemente lançada pela Associação dos Criadores de Nelore do Brasil mostra o emocional, dentro de uma interface que esclarece ao consumidor o poder nutritivo da carne bovina de maneira racional. O sucesso desta campanha nos supermercados Andorinha em São Paulo e Sendas no Rio mostra de forma clara o poder que iniciativas deste tipo terão na preferência dos consumidores.

2- Aspectos racionais: a maioria das pessoas gosta de comer carne; gosta de ouvir que isto é correto e precisa de argumentos lógicos para auto-afirmar-se e compreender que em toda dieta balanceada a carne vermelha é indispensável. Faz-se necessário divulgar as vantagens da carne e não assistir passivamente às campanhas pseudomédicas de origem tendenciosa que unicamente estimulam a desinformação, não só do público em geral, como também dos médicos e nutricionistas. O marketing da carne deverá ter estratégias definidas, simultâneas e interativas: uma racional orientada para a imprensa e os formadores de opinião, assim como pesadas campanhas de esclarecimento ao público sobre as vantagens de comer carne bovina e como prepará-la e outra emocional e educativa mais adequada à mídia televisiva. Embora a doença da vaca louca tenha trazido enormes perdas para todo o setor da carne vermelha, sobretudo na Europa, esta crise deixou clara a necessidade de pesquisa científica para garantir a segurança do produto, sua inocuidade higiênico-sanitária e a elaboração de sistemas eficazes de rastreabilidade (Huerta-Leidenz, 2000 e Smith et al. 2000ª,b). Com uma séria reestruturação, o setor estará apto para enfrentar o seu maior concorrente que hoje sem dúvida é o frango.

Considerações finais

O ano de 2001 foi marcado pelas crises sanitárias que alteraram o equilíbrio existente no mercado mundial de carne bovina. Epizootias como febre aftosa se desenvolveram na América do Sul e na Europa e casos de EEB apareceram pela primeira vez em alguns paises da Europa e no Japão. Apesar da crise sanitária, o consumo mundial de carnes aumentou de 1,5% e o consumo de carne bovina teve uma perda de 1,2%. O ano de 2002 está mostrando uma recuperação do consumo da carne bovina e um acirrado confronto entre as diferentes carnes para ganhar novos espaços nas preferências dos consumidores.

O panorama mundial cria para o Brasil oportunidades ímpares para o crescimento e a modernização da nossa pecuária com claras conseqüências para o mercado interno. Mas as nossas vantagens competitivas no mercado internacional de carne bovina precisam ser consolidadas através de uma política comercial mais agressivas e iniciativas consistentes de marketing para melhorar nossa imagem e, sobretudo, criar condições e alternativas na procura da integração da cadeia produtiva.

Igualmente será indispensável que o marketing da carne seja orientado e financiado por um órgão que reúna os interesses de toda a cadeia e que cada elo colabore economicamente para o êxito de qualquer campanha que vise aumentar o consumo da carne bovina no Brasil e melhorar a imagem de nossa carne a nível internacional.

Bibliográfias consultadas

KOTLER, P. Marketing para o século XXI. Como criar, conquistar e dominar mercados. Editora Futura. São Paulo. SP. 1999. 305 p.

HARDWICK, P. A. Marketing internacional da carne bovina. In: CONGRESSO BRASILEIRO DAS RAÇAS ZEBUÍNAS, 1998. Uberaba. Anais…1998. Uberaba. MG. Brasil.1998. p.188-197.

HUERTA-LEIDENZ, N. Parâmetros de qualidade da carne para o início do milênio. In: IV CONGRESSO BRASILEIRO DAS RAÇAS ZEBUINAS, 2000. Uberaba. Anais… Uberaba. MG. Brasil. 2000. p. 275.

OFIVAL ANNUAIRE. Le marché des produits des viandes carnés et avicoles 2001. OFIVAL – PARIS – FRANCE. 2001.

PINEDA, N. R. Alianças estratégicas e marketing para aumentar a competitividade da carne bovina. In: III CONGRESSO DO BOI VERDE, 2001. Uberlândia. Anais… Uberlândia. MG. Brasil. 2001 p. 83.

SMITH, G. C.; SOFOS, J. N.; BELK, K. E.; SCANGA, J. A.; & TATUM, J. D. Safety of food of ruminant origin. In: XXI WORLD BUIATRICS CONGRESS, 2000. Punta del Este. Proceedings. Punta del Este. Uruguay. 2000ª. p.2081.

SMITH, G. C.; SOFOS, J. N.; BELK, K. E.; SCANGA, J. A.; & TATUM, J. D. Traceback, traceability and source verification in the U.S. beef industry. In: XXI WORLD BUIATRICS CONGRESS, Punta del Este. Proceedings. Punta del Este. Uruguay. 2000b. p.2021.

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1Engenheiro Químico, Mestre em Química Orgânica, Pecuarista, Diretor da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). pineda@terra.com.br.
2Zootecnista, Mestre em Melhoramento Genético Animal, Aluna de Doutorado em Genética da FMRP-USP, Ribeirão Preto. josymarajo@netsite.com.br.

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