O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, com receita estimada em US$ 1,5 bilhão no ano de 2003, com embarque de 1,3 milhão de toneladas. Em poucos anos o Brasil saiu de exportador ocasional a principal fornecedor de carne do mundo.
Em 23 de dezembro passado uma notícia correu o mundo rapidamente: havia sido descoberto o primeiro caso de vaca louca nos EUA. A cadeia da carne brasileira se mostra bastante entusiasmada com o avanço das exportações e o surgimento da BSE nos EUA despertou o interesse de todos para a possibilidade de ganhos ainda maiores.
No entanto, passada a euforia inicial, esse é o momento de uma reflexão sobre os acontecimentos e possíveis cenários para o Brasil. Os principais mercados atendidos pelos americanos eram: Japão, Coréia do Sul e México. Quais as possibilidades para o Brasil nesses países hoje?
Japão e Coréia do Sul estão estudando a possibilidade de importarem mais carne da Austrália e Nova Zelândia e já analisam a possibilidade de retomar o comércio de carne com os EUA, com algumas restrições. Já o México inicia a análise de risco para importação de carne da Argentina e Uruguai, mas autoridades adiantam que nenhuma decisão será apressada. A Austrália deve se beneficiar nesse primeiro momento. Por ser livre de aftosa e BSE, tem acesso a todos os mercados do mundo, mesmo que devido a severa seca tenha sua produção deprimida em 2003. Segundo previsões do MLA (Meat and Livestock Australia, a Austrália deveria recuperar suas exportações apenas em 2007, fato que deve ser acelerado frente às atuais circunstâncias.
Quais são as oportunidades para o Brasil? Nenhum desses países citou a possibilidade de importar carne do Brasil. No atual momento não é possível iniciar rapidamente a exportação para esses países, pois não temos acordos sanitários. Na visão de japoneses, sul-coreanos e mexicanos não há importação de carne brasileira, pois o Brasil não conseguiu comprovar a sanidade de seu rebanho e segurança de seus produtos. E o surgimento de um problema nos EUA não aumenta a qualidade (ou segurança) da carne brasileira.
No entanto, esse é o momento para uma ofensiva de negociações e missões diplomático-comerciais para apresentar nossa carne, nosso sistema de produção, nossos controles sanitários. Os frutos serão colhidos no médio-longo prazo e o caso de BSE nos EUA pode aumentar o interesse desses países de conhecer o que temos para ofertar. Essa é a grande oportunidade: chance para se mostrar. É importante, ao mesmo tempo, reforçar o sistema sanitário nacional, contra aftosa, BSE, brucelose, raiva, etc. O Brasil precisa ter um status sanitário impecável.
Outro ponto muito importante é que a vaca infectada do estado de Washington tem origem canadense, fato comprovado por exames de DNA e aceito pelos EUA e Canadá. De acordo com as normas da OIE, isso se torna um caso de BSE canadense. Fato que pode adiantar bastante a queda do veto à carne dos EUA, aliado principalmente ao poderio de negociação norte-americano.
A Rússia, que recentemente se tornou um importante comprador brasileiro, desenvolveu um novo sistema de cotas de importação a ser implementado em 2004, onde privilegiava os EUA e agraciava um pequeno volume ao Brasil. As cotas eram calculadas levando em conta a performance de exportação dos últimos 5 anos, sendo que o Brasil iniciou suas exportações nos últimos 2 anos. Além disso, o Brasil tem uma balança comercial muito positiva em relação à Rússia, não interessando a esse país aumentar suas compras do Brasil. No atual momento, Rússia e Brasil estudam como flexibilizar o sistema de cotas. A Rússia deseja vender 12 aviões supersônicos avaliados em US$ 700 milhões em contrapartida ao acesso da carne brasileira.
Outro mercado que muito tem aguçado a curiosidade é o da China. Segundo estimativas da FAO, a China irá consumir 6,3 milhões de toneladas de carne bovina em 2004, mas só irá importar 17 mil toneladas. A China já é um dos maiores produtores de proteína animal do mundo, sendo auto-suficiente em carne bovina. No primeiro momento, apenas o mercado de miúdos tem grande potencial.
Além disso, o mercado de animais, sêmen e embriões para melhoramento genético deve ser explorado na China. Nessa área, o Brasil iniciou há muito pouco tempo os trabalhos e há possibilidades de inúmeros negócios com diversos países da América do Sul e Central, África e Oriente. Outro nicho de mercado é o comércio de gado em pé, para engorda e abate em outros países, mercado que é atendido principalmente pela Austrália e que pode vir a induzir um aumento de demanda (e de preços) no mercado de animais para engorda.
Previsões pré-BSE nos EUA indicavam um crescimento para 1,4 milhão de toneladas exportadas em 2004 pelo Brasil. No atual cenário, o Brasil terá mais tranquilidade em atender as demandas de seus atuais clientes (hoje são 104 países) e grande chance de se mostrar mais ativamente aos países que não compram do Brasil. Apesar de ser difícil efetivar vendas no curto prazo é uma grande oportunidade para posicionar o Brasil como fornecedor de carne segura.
Existe também uma tendência de valorização de sistemas de produção mais naturais ou menos intensivos. O Brasil só tem a ganhar, pois hoje é o único país com capacidade de produzir grande quantidade de carne em sistemas de produção a pasto. No entanto, além de se reforçar a sanidade do rebanho brasileiro, é preciso que se implante projetos para produção de carne com qualidade assegurada, ou seja, onde todos as fases da produção são certificadas.
O Brasil pode produzir carne de qualidade, segura e com sanidade ilibada, mas será preciso mais do que anunciar, será preciso comprovar com certificações e auditorias independentes e com alta credibilidade. O Brasil está um passo a frente, pois produz hoje o que os consumidores mais exigentes do mundo desejam. Precisamos apenas comprovar através de certificações, programas de qualidade e auditorias essas qualidades ao mundo.