Contrafilé bovino foi um dos cortes avaliados: pesquisadores treinaram sistema com foto de 924 bifes. | Foto: Dário Oliveira/Arquivo Pessoal
Uma tecnologia capaz de avaliar, usando Inteligência Artificial (IA), a maciez e a gordura presente em um corte de carne. Foi isso o que cientistas de três países — Brasil, Canadá e Estados Unidos — desenvolveram a partir de fotografias de bifes de contrafilé bovino e de lombo suíno. Eles utilizaram uma máquina que possibilitou taxas de acerto maiores em comparação com testes feitos diretamente com consumidores.
O pesquisador Dário Augusto Borges Oliveira, da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV Emap), que participou do estudo, publicado pela revista científica internacional Meat Science, explica que a tecnologia é parte de um objetivo maior, que é o de desenvolver um sistema que um dia chegue na ponta final da cadeia produtiva. Isso permitiria, a clientes de açougues e supermercados, avaliar a qualidade da carne no local da compra.
“Seria possível, a partir de visão computacional, medir o teor de gordura e maciez dos cortes, já que essas são informações que não vêm junto com o produto? Essa foi uma das questões que motivaram esse trabalho”, conta Oliveira.
O modelo de inteligência artificial foi treinado com imagens de 924 bifes de contrafilé bovino e 514 de lombo suíno, capturadas em ambiente controlado e com iluminação padronizada pela equipe do pesquisador Márcio Duarte, especialista em qualidade da carne, da Universidade de Guelph, no Canadá. A partir delas, outro pesquisador, João Dórea, da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, desenvolveu um projeto, conduzido por Guilherme Lobato Menezes e com a colaboração de Oliveira, da FGV, para treinar redes neurais que tivessem condições de fazer a avaliação dos cortes.
Cada foto foi associada a dados gerados em laboratório, como a força de cisalhamento, que aponta o quanto de esforço físico é necessário para cortar os tipos de carne avaliados, e o percentual de gordura entre as fibras musculares. Isso possibilitou à tecnologia classificar os cortes nas categorias “macia”, “intermediária” e “dura”. Além disso, os pesquisadores aplicaram testes de regressão, que permitiram obter valores exatos de maciez e gordura. Dessa forma, o modelo de IA estimou, a partir das fotografias, medidas que eram obtidas somente com métodos de laboratório.
A avaliação dos bifes foi feita a partir de pares formados aleatoriamente, em que cada um dos cortes era proveniente de raças diferentes, tanto os de bovinos quanto os de suínos. De cada par, o sistema avaliava o cisalhamento e o percentual de gordura e apontava qual dos pedaços era considerado o mais macio.
Paralelamente, os pesquisadores submeteram pares de cortes a uma análise de 130 consumidores, que experimentavam e davam suas opiniões. A taxa média de acerto sobre maciez entre os participantes humanos, que comeram apenas carne bovina — já que a suína tinha bastante similaridade entre os cortes —, foi de 46,7%, enquanto a do modelo de IA atingiu 76,5%. A de carne suína, especificamente, que, apesar de não ter sido submetida aos consumidores, foi avaliada pelo sistema, bateu a marca dos 81,5%. Já em relação à quantidade de gordura muscular, a IA acertou em 77% das vezes para a carne bovina e em 79% para a suína.
De acordo com Oliveira, a tecnologia deve ser testada agora em outros tipos de carne e com diferentes iluminações, o que deve favorecer, também, um aprimoramento para que as taxas de acerto sejam cada vez maiores.
Segundo ele, caso a metodologia seja popularizada, embarcada, por exemplo, em celulares, pode contribuir para dar suporte a uma precificação melhor do produto por parte das indústrias, que seja baseada na qualidade real, e para que os consumidores possam avaliar, in loco, o produto que estão levando para casa. “Eles poderiam tirar uma foto no momento da compra e um aplicativo faria a análise”, diz Oliveira.
Para o pesquisador Guilherme Menezes, ter condições de estimar, da forma mais precisa possível, a gordura intramuscular representa um passo importante na cadeia de produção, já que este é um elemento que influencia a suculência e o sabor da carne. “A pesquisa consegue prever esse percentual, de forma que o consumidor pode ser mais específico sobre o produto que deseja, o que, apenas olhando, é algo impossível de saber”.
Por enquanto, as análises estão restritas à pesquisa, mas os pesquisadores esperam que haja o interesse de startups em desenvolver ferramentas para transferi-las ao cotidiano das pessoas que apreciam carnes. “Considerando que o Brasil está entre os maiores produtores e exportadores de carne do mundo, esse tipo de tecnologia pode transformar toda a cadeia, comercialização e consumo”, conclui Oliveira.
Fonte: Estadão.