
Prova de emissão de gases em rebanho bovino — Foto: Felipe Rosa/Embrapa
Apontada por muito tempo como uma das vilãs do aquecimento global, a pecuária deve ocupar um papel central nas discussões da COP30, que começa esta semana no Brasil — país que lidera as exportações mundiais de carne bovina.
Em meio à crescente pressão por uma produção mais sustentável, instituições de pesquisa vêm acumulando evidências de que é possível reduzir as emissões de metano sem comprometer a produtividade. Os avanços, que combinam genética, nutrição animal e manejo de pastagens, serão apresentados na Conferência das Partes como parte do entendimento de que a pecuária pode ser uma aliada no enfrentamento da crise climática.
Produzido no processo de fermentação entérica (o popular “arroto” do boi), que ocorre no sistema digestivo dos ruminantes, o metano (CH4) é um gás de efeito estufa com alto potencial de aquecimento global — cerca de 28 vezes maior que o dióxido de carbono (CO2) ao longo de 100 anos. Apesar de permanecer menos tempo na atmosfera do que o CO2, tem impacto climático mais intenso no curto prazo, o que torna sua redução uma prioridade nas estratégias de mitigação das mudanças climáticas. Em 2021, durante a COP26, na Escócia, o Brasil se comprometeu a reduzir a emissão desse gás.
Em Bagé (RS), na região do bioma Pampa, a Embrapa Pecuária Sul realiza provas de emissão de gases, que buscam apontar os animais que emitem menos metano. Em três anos, já foram testados 420 exemplares das raças hereford, braford, angus, brangus e charolês – raças populares no Rio Grande do Sul, e também são usadas em cruzamentos industriais em outras regiões do país.
O trabalho tem permitido identificar os reprodutores com menor emissão de gases e maior eficiência na conversão alimentar. Além disso, estão em andamento ensaios metabólicos com diferentes dietas, estudos sobre subprodutos regionais e novas parcerias com instituições de pesquisa. O próximo passo é levar esse monitoramento também para propriedades rurais privadas.
“O grande objetivo deste projeto é coletar dados de situações reais para auxiliar a Secretaria do Meio Ambiente [do Rio Grande do Sul] nos inventários de gases do Estado”, explica a pesquisadora Cristina Genro, que acredita que a COP30 pode representar um novo marco para a pecuária sustentável. A medição das emissões é feita por meio de um regulador de ingresso de ar, posicionado acima do focinho do animal, que capta o metano que ficará reservado no coletor, localizado nas suas costas.
Em um dos experimentos, o touro menos eficiente emitiu 532,5 gramas de metano por dia, enquanto que o mais eficiente emitiu 128 gramas – ambos tratados nas mesmas condições alimentares. Isso significa que, se o touro mais eficiente gerar 200 milhões de filhos (por meio de inseminação artificial) e transmitir essas características aos seus descendentes, o total de metano emitido na atmosfera terá sido de 9,4 milhões de toneladas por ano – uma diferença de 240% em relação à prole do touro menos eficiente.
O desempenho de cada animal é determinado pela genética, segundo a pesquisadora. O banco de dados genéticos em construção permitirá incluir o atributo “menor emissão de metano” nos programas de melhoramento, por meio das DEPs (Diferenças Esperadas na Progênie, indicador usado na avaliação genética que permite estimar o quanto a descendência de um reprodutor irá se diferenciar da média de outros animais).
A estimativa da Embrapa é de que o melhoramento genético tenha potencial de redução de 30% a 40% das emissões de metano. Já o manejo de pastagens e a nutrição poderiam reduzir, juntos, em outros 30%. A pesquisa ainda não observou, porém, se esses quesitos poderão ser cumulativos, uma vez que não foram analisados os filhos dos animais avaliados.
Os dados levantados pela pesquisa serão utilizados pelo governo do Rio Grande do Sul para que sejam apresentados ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU. O IPCC calcula a emissão dos bovinos em 56 quilos de metano por ano, enquanto que os dados da Embrapa indicam 38 a 40 quilos por ano.
A pesquisadora afirma também que os fatores de emissão de fezes e urina foram superdimensionados pelo IPCC. O órgão internacional calcula em 2%, enquanto que as pesquisas desenvolvidas no Rio Grande do Sul apontam que este índice não passa de 0,1% para fezes e 0,2% para urina. “Se multiplicarmos isso por milhões de cabeças, é uma diferença bem considerável”, analisa Cristina.
As pesquisas da Embrapa identificaram ainda que o manejo de pastagens, em especial a altura, interferem no balanço de carbono da pecuária. Uma diferença de poucos centímetros pode ter impacto significativo. “Quando não se maneja o pasto com essa altura adequada ocorre tanto a degradação da pastagem do solo como uma maior emissão dos animais que estão em cima desse pasto”, explica Cristina. A altura ideal do pastejo de azevém, por exemplo, é de 20 centímetros medidos do chão até a ponta das folhas.
Em estudos conduzidos em área de integração lavoura-pecuária (ILP) com pastagens cultivadas de azevém e aveia para terminação de novilhos no inverno, os animais, quando estavam em uma altura ideal de pastejo, emitiram 30% menos metano em comparação aos índices calculados pelo IPCC.
Os resultados serão apresentados, ao longo da COP30, na AgriZone, espaço instalado na Embrapa Amazônia Oriental a 1,8 quilômetro das áreas oficiais da cúpula internacional.
Além do bioma pampa, há pesquisas também em outros sistemas produtivos. Em 2025, pela primeira vez, o Instituto de Zootecnia de São Paulo (IZ-SP) incluiu em seu Sumário Nelore a DEP para emissão de metano entérico, expressa em gramas/dia.
“Pesquisas do IZ já provaram que touros selecionados para eficiência alimentar produzem progênies [filhos] que consomem menos 220g de alimento/animal/dia e emitem menos 6 g de metano entérico/animal/dia, sem reduzir o peso e o ganho de peso dos animais”, explica a zootecnista Maria Eugênia Zerlotti Mercadante. “Isso parece pouco, mas em um confinamento de 90 dias um animal desses economiza 20kg de alimento e deixa de emitir 0,5 kg de metano entérico, e mil animais economizam duas toneladas de alimento e deixam de emitir 500 kg de metano no ambiente”, observa.
De acordo com a pesquisadora, o animal com maior potencial genético para crescimento vai chegar ao peso de abate antes do animal com potencial menor. Isso significa que ele poderá ser abatido com idade menor e, consequentemente, irá emitir menos metano durante a sua vida.
“Não adianta só a redução pontual das emissões. Precisamos otimizar e intensificar o sistema, para que tenhamos idades de abates mais novas, diminuindo assim a emissão de metano durante todo o período de vida do animal”, observa Renata Branco, também pesquisadora do IZ-SP. Nesse aspecto, o Brasil conta com grande potencial para redução dessas emissões, uma vez que ainda há muitos animais sendo abatidos após os 30 meses de idade.
O IZ-SP realizou 30 experimentos em 11 anos de trabalho, que avaliaram 1,6 mil animais, todos da raça nelore – que hoje representa cerca de 80% do rebanho de corte do país. As pesquisas foram realizadas nas unidades de Sertãozinho e São José do Rio Preto.
Um animal em confinamento emite entre 160 e 170 gramas de metano por dia. Porém, esse índice varia conforme diversos fatores, que incluem a idade e o tipo de dieta. Animais criados a pasto, por exemplo, têm níveis diferentes de emissões. As pesquisas desenvolvidas incluem a utilização de dietas mais digestíveis, incluindo aditivos, moduladores e óleos.
O caminho para a redução das emissões passa pela intensificação da produção, segundo Renata Branco. “Eu preciso produzir um bezerro ao ano por vaca, desmamar bem esse bezerro e fazer uma boa recria desse bezerro para que ele entre no confinamento e consiga ser abatido com 24 meses”, justifica. “Como eu consigo fazer isso? Usando as tecnologias e intensificando a produção. A intensificação é necessária para que a gente tenha uma pecuária produtiva, eficiente e sustentável.”
O potencial de redução de emissões com a adoção do melhoramento genético é calculado em 35%. Já as dietas mais digestíveis podem alcançar 20%. No caso do pastejo rotacionado, essa redução pode chegar a 30%.
Em vez de visar somente a redução das emissões, a pesquisadora ressalta que é possível, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade. Neste sentido, é possível reduzir as emissões de um animal sem reduzir o seu ganho de peso. “A pecuária brasileira tem um grande potencial de produção de alimentos de forma sustentável usando as tecnologias que estão disponíveis”, resume.
Segundo o relatório mais recente do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, divulgado na última segunda-feira (03/11), a pecuária é a atividade econômica mais emissora do Brasil, com 51% do total – levando-se em conta as emissões indiretas, pelo desmatamento e uso de energia, e diretas, pela fermentação entérica.
Fonte: Globo Rural.