Em meio ao grande dilema que se formou no Judiciário sobre a recuperação judicial de produtores rurais, o líder da bancada ruralista no Congresso, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), quer permitir que mesmo quem não tenha registro na Junta Comercial possa pedir proteção contra os credores – incluindo as dívidas contraídas na pessoa física.
Relator do projeto (6.279/2013) que tramita sobre o tema, Moreira defende que a declaração de Imposto de Renda é suficiente para comprovar o exercício da atividade rural por pelo menos dois anos – prazo mínimo para o pedido de recuperação. A posição do líder da bancada ruralista causa polêmica. Bancos e tradings agrícolas se opõem.
Procurado, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, afirmou que a “proposta ignora o fato de que financiar produtor pessoa física tem elevado risco”. De acordo com ele, ao “permitir a recuperação sem critério, quebra-se a confiança que hoje as tradings têm em seus parceiros pessoas físicas”.
Nos últimos anos, os pedidos de recuperação de produtores rurais vêm se proliferando, sobretudo em Mato Grosso. De acordo com levantamento do advogado Euclides Ribeiro da Silva Junior, da ERS Advocacia, foram 54 novos pedidos nos primeiros oito meses de 2019. No ano passado, foram 61 e, em 2017, apenas 16 pedidos.
Ao Valor, Moreira afirmou que está finalizando seu parecer. A expectativa dele é apresentá-lo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara tão logo retorne de uma viagem de 10 dias iniciada na quarta-feira pelo Oriente Médio – o deputado acompanha a comitiva da ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
No governo, a proposta de Moreira encontra resistência.“A gente tem que arrumar outro método. Hoje isso traz mais ônus do que bônus e os financiadores do setor podem tirar o pé do crédito”, a ministra da Agricultura chegou a argumentar ao Valor.
Antes de fechar o texto, o parlamentar diz que fará oficinas para ouvir todas as partes envolvidas. Embora ciente de que o relatório como está pode desagradar a tradings, bancos, indústrias e revendas de insumos, o deputado não abre mão de advogar a favor dos produtores.
“Todo o movimento será para proteger e beneficiar primeiro o produtor rural, mas acreditamos que nessa legislação o risco de crédito reduzirá enormemente”, disse Moreira. “Se esse instrumento legal ficar de bom tamanho para todos, a lei não funciona”, disparou.
O deputado defende que a recuperação seja utilizada apenas para atender aqueles que realmente têm necessidade. “Estamos fazendo uma legislação que não permita nenhum tipo de picaretagem. Se um cidadão tem quatro fazendas, pega empréstimos e põe tudo em cima de uma delas e nela pede RJ, no dia seguinte ele perde crédito, mas pode usar o CNPJ para tomar crédito em nome das outras fazendas. Isso não pode acontecer”, argumentou Moreira.
Antes das decisões judiciais provisórias que permitiram a recuperação de produtores rurais na pessoa física, o agricultor precisava abrir empresa, declarar-se como empresário na Junta Comercial e, apenas após dois anos com comprovada atuação no setor agropecuário mediante demonstração contábil, poderia pedir proteção, conforme a Lei de Falência e Recuperação Judicial.
Uma ação movida pelo empresário rural José Pupin, um dos maiores produtores de algodão, contudo, questiona essas obrigações e aguarda julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Existe uma expectativa de que o STJ julgue em setembro. Mas enquanto o Judiciário não decide, acho salutar que o Legislativo dê uma resposta para termos segurança jurídica”, disse a advogada Samantha Gahyva, sócia do escritório Gahyva e Maldonado Sociedade de Advogados, que defende Pupin.
Fonte: Valor Econômico.