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Políticas agrícolas no retrovisor

De um lado, agricultores fecham estradas, queimam máquinas agrícolas e fazem uma nova marcha a Brasília para mostrar a sua revolta com as margens negativas generalizadas do seu negócio. Do outro, aumentam as invasões ilegais dos que sustentam a falsa tese de que é possível construir uma agricultura pujante com o fatiamento de terras produtivas e sua distribuição a cidadãos com pouca ou nenhuma experiência no ramo, à custa do bombeamento permanente de subsídios governamentais.

No interior, costuma-se ouvir que o Brasil nunca teve política agrícola. Isso não é verdade. Nos últimos 50 anos o Brasil seguiu três modelos distintos de política agrícola.

De 1950 a 1990, o mote do modelo era “ocupação territorial e segurança alimentar”. O governo comandava uma política altamente intervencionista, baseada em crédito rural subsidiado, preços mínimos garantidos, agências reguladoras (IBC, IAA) e substituição de importações (programas de álcool e trigo). Com mão-de-ferro, o governo controlava preços, formava estoques e manipulava tarifas sobre exportações e importações, para garantir o abastecimento. O lado positivo desse período foram os investimentos consistentes em pesquisa e desenvolvimento de tecnologia tropical.

Nos anos 90, o governo eliminou quase todos os subsídios e mecanismos de intervenção nos mercados. Entre os governos Sarney e Lula, os recursos para políticas agrícolas e agrárias caíram de 5,6% para 1,8% dos gastos totais do governo federal. O novo mote da ação governamental passou a ser “agricultura familiar e reforma agrária”.

Levantamentos de José Garcia Gasques, do Ipea, mostram que nos últimos seis anos os recursos para agricultura familiar e políticas agrárias aumentaram cerca de 10% ao ano, em termos reais, atingindo R$ 5,5 bilhões, ou 45% dos gastos totais com o setor agropecuário (ante apenas 6% do total nos governos Sarney, Collor e Itamar). Em contrapartida, os gastos com as políticas agrícolas tradicionais caíram 4,3% ao ano no mesmo período. Itens como defesa sanitária, extensão rural, irrigação, eletrificação rural e promoção comercial tiveram corte de gastos entre 11% e 35% ao ano.

Caíram também, a uma taxa menor, os recursos para pesquisa agropecuária, abastecimento alimentar e subvenções diversas (equalização de juros, securitização de dívidas, garantia de preços, financiamentos, etc.).

Enquanto a corrida tecnológica “excluía” milhões de agricultores com terra todos os anos, o governo fixou-se na idéia que a distribuição de pequenos lotes de terra iria “incluir” milhares de novos agricultores. Outras teses do gênero foram se enraizando nas estruturas burocráticas de Brasília, como a idéia de que haveria uma “agricultura patronal” em permanente conflito com a “agricultura familiar”, e o divisor entre elas seria a área da propriedade e a capacidade ou não de contratar empregados, dois parâmetros que não fazem sentido num país em que o fator de produção restritivo é o capital, e não a terra e a mão-de-obra.

O desenvolvimento do Centro-Oeste está aí para provar que pequenos agricultores familiares do Sul se transformaram em médios e grandes agricultores patronais na esteira das oportunidades de migração, baseadas em uso de tecnologia, ganhos de escala e aumento de renda. Outras idéias de duvidosa comprovação empírica são o “agronegócio” contra a “pequena agricultura”, a soja necessariamente contra o meio ambiente e a postura obscurantista contra a biotecnologia agrícola.

Atualmente, os recursos públicos para a agricultura se espalham em mais de uma centena de programas alocados em quatro ministérios: Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Pesca e Meio Ambiente.

O curioso, porém, é que os maiores problemas do setor não estão sob o controle desses órgãos, que viraram meros “bombeiros” dos grandes desajustes macro que solapam o setor:

1) A valorização da taxa de câmbio real – que jogou novamente os preços em reais por terra, em poucos meses;

2) as deficiências da infra-estrutura;

3) a insegurança jurídica e o desrespeito aos direitos de propriedade; e

4) a falta de uma política comercial mais agressiva para abrir mercados nos países protecionistas.

Ocorre que a agricultura precisa mesmo é de políticas macroeconômicas coerentes, e não de políticas agrícolas e agrárias contraditórias e confusas. Os paliativos adotados no varejo não resolvem os grandes equívocos no atacado. Com políticas macro tão voláteis a doença se espalha rapidamente e não há remédio capaz de curar as feridas abertas.

O nosso atual modelo de política agrícola pode ser descrito como “fragmentação de programas e apagar de incêndios”. Hoje se gasta cada vez mais com programas questionáveis dirigidos a grupos específicos de beneficiários. O alongamento das dívidas gera dois pesos e duas medidas vis-à-vis os que não têm dívidas e os que as pagam em dia, desapropriações custam caro e há sérias dúvidas quanto à sustentabilidade de longo prazo dos assentamentos.

Para não perderem os subsídios agricultores familiares têm restrições a contratar empregados, o que incentiva a absurda exploração da mão-de-obra infantil dos seus filhos. Na outra ponta, faltam recursos para gerar os bens públicos fundamentais para o bem-estar de todos os agricultores, como defesa sanitária, pesquisa, infra-estrutura, educação, seguro rural, certificação, rastreabilidade, etc.

O forte crescimento da demanda por alimentos, fibras e bioenergia é um presente que o mundo está oferecendo à agricultura brasileira. Só que os desajustes das nossas políticas macroeconômicas e setoriais (agrícolas e agrárias) vão acabar nos fazendo perder esta oportunidade de ouro.

Em vez de olharmos para o horizonte e aplicarmos medidas que aumentem a competitividade do setor e promovam, de fato, alguma inclusão social, as nossas políticas públicas estão totalmente voltadas para o retrovisor do veículo, que vai avançando em ziguezague, na beira do abismo.

0 Comments

  1. Fernando Rossini disse:

    Este artigo reflete o conhecimento de um grande profissional que o país possui.

    A discussão de temas periféricos, esconde o cerne da questão, que é a ideologia ultrapassada que permeia o atual governo, mais preocupado em satisfazer uma minoria não compromissada com a produção, do que garantir a sustentabilidade de uma atividade de altíssima importância para o país.

    Eu como agrônomo, também formado na ESALQ, dou meus parabéns para você Marcos.

  2. Alecio Evangelho Costa disse:

    Parabéns ao Prof. Marcos Jank por essa análise, triste porém realista, do setor agropecuário do país. Estamos vivendo um momento conturbado da economia, onde somente sairemos ou amenizaremos os efeitos da crise se enterdermos o que aconteceu nos governos anteriores e nesse que aí está apático, paliativo, retrógrado e ideológico para tomarmos (leia-se políticos) medidas para retomarmos o crescimento e não perdermos o bonde da história. Mais uma vez parabéns.

  3. Paulo José Theophilo Gertner disse:

    De modo que a “Âncora Agrícola” vem promovendo uma cruel transferência de renda, do setor que mais ajuda o País.

    Desde menino escuto alguém dizer que o futuro do Brasil está na terra, e nunca existiu ” Homem” para por isso em prática.

  4. Nadia de Barros Alcantara disse:

    Pois é professor, o trem está saindo e o Brasil ficando na plataforma…se pessoas competentes não agirem logo, qual será o futuro do Brasil?

  5. Marcelo Coelho Feltrin disse:

    Excelente análise do nosso contexto.