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Pontos críticos para a competitividade da pecuária de corte

Recentemente o BeefPoint conduziu uma pesquisa junto a seus usuários para identificar os pontos críticos da cadeia da carne brasileira, e o resultado foi bastante interessante. Hoje, os integrantes da cadeia da carne acreditam que os maiores desafios estão no gerenciamento, no marketing e na comercialização de seus produtos.

Muitos poderiam pensar que grande parte dos respondentes iria citar necessidade de inovações tecnológicas, nas áreas de nutrição, sanidade, genética, etc. No entanto, esses itens não foram lembrados como determinantes para o aumento da competitividade do setor. Inovações técnicas continuam sendo muito importantes, mas já há um consenso de que o grande desafio não é desenvolvê-las, mas conseguir implantá-las com sucesso em um grande número de propriedades.

A principal necessidade de mudança está ligada à capacidade gerencial das propriedades. A grande maioria das empresas rurais brasileiras não conhece seu custo de produção. Há também uma clara dificuldade em se estabelecer sistemas de produção eficientes e compara-los com outras alternativas.

A integração entre os elos da cadeia também foi muito lembrada. Não há união entre os produtores, o que torna difícil obter poder de barganha nas negociações com outros elos. Isso gera uma enorme desvantagem para a classe produtora e torna ainda mais difícil a integração com outros elos, já que não há uma voz uníssona. Por outro lado os outros elos estão cada vez mais organizados. As principais associações de frigoríficos (ABIEC e ABRAFRIGO) estão cada vez mais profissionalizadas, permitindo e incentivando a evolução de seus associados. Percebe-se hoje um rápido avanço gerencial e tecnológico dos frigoríficos, além de trabalharem cada vez mais sincronizados. Essa mudança deve ser vista como uma vantagem para todos, uma vez que são necessárias melhorias em todos os elos para que a cadeia da carne se fortaleça. No entanto, serve de alerta aos produtores de que é urgente uma maior união e um trabalho conjunto, pois a evolução da gestão dos frigoríficos cada vez mais aumentará a diferença de forças nas negociações. Com frigoríficos unidos e produtores desagregados será cada vez mais árduo batalhar por uma melhor remuneração do produtor.

Muitos também levantaram a questão da necessidade de marketing para os produtos da cadeia da carne. É preciso criar urgentemente a marca Brasil. Felizmente os frigoríficos se mostram cada vez mais preocupados com isso. Uma das principais metas para 2004 da ABIEC é aumentar o valor dos produtos exportados. Pensando nisso, a ABIEC contratou recentemente Andréa Veríssimo Lopes de Almeida (ex vice-presidente do SIC) para coordenar todas as ações de marketing da entidade. A Abrafrigo também deseja obter apoio da APEX para as ações de seus associados no exterior.

Um de nossos leitores fez um comentário bastante perspicaz, em tom de brincadeira . Segundo ele, o único produto brasileiro exportado com alto valor agregado são nossos jogadores de futebol. É preciso mostrar que temos outros craques, que jogam bem em outros campos.

Algumas associações de produtores se dedicam a divulgação dos produtos brasileiros no exterior. O consórcio Brazilian Cattle Genetics capitaneado pela ABCZ, vem desenvolvendo trabalho de promoção da genética brasileira em diversas feiras internacionais. Quer em breve iniciar a exportação de animais vivos para engorda e abate. A Austrália domina esse mercado, tendo vendido em 2003 mais de 770 mil animais, com preço médio de US$1,30 por quilo de peso vivo. Imagine vender um garrote de 285 quilos por R$1077,00 (dólar a R$2,907), cotado hoje pela Scot Consultoria a R$520,00 em São Paulo. É interessante citar que grande parte desse mercado é de animais com alto grau de sangue zebuíno.

A tipificação de carcaças foi bastante citada pelos respondentes da pesquisa. Há muito tempo que se fala em classificação de carcaças e hoje está clara sua necessidade. Não há como melhorar sem medir. Além disso, o atual sistema premia a ineficiência e torna a avaliação subjetiva. Pois nunca se sabe exatamente o que é uma “boiada boa”. Sua implantação permitirá um sistema de remuneração indexado na qualidade. Boas carcaças poderão ser premiadas e carcaças inferiores descontadas. Com o aumento das exportações e aumento das exigências dos compradores internacionais, a tipificação irá facilitar o direcionamento da produção para os padrões desejados pelo mercado. Está cada vez mais claro que será preciso indicar ao produtor qual tipo exato de animal é o mais desejado. Como já acontece em outros países, é provável que tenhamos produtores especializados em determinados nichos de mercado, de acordo com suas características de clima e solo, oferta de alimentos, preço de insumos, habilidade técnica-gerencial, etc.

Além disso, foram levantados como pontos críticos para aumento da competitividade da pecuária brasileira: melhoria da sanidade do rebanho brasileiro, implantação efetiva da rastreabilidade, aumento da disponibilidade de financiamento (não mais limitado por CPF, mas com um teto por área explorada), aumento das tensões no campo (problemas indígenas, invasões do MST), dificuldades de se lidar com a legislação ambiental e trabalhista e urgente necessidade de avanço nas negociações internacionais (visando diminuição de barreiras aos produtos brasileiros).

A pesquisa mostra que o setor já começa a olhar fora da porteira. No entanto, a constatação de que “fora da porteira” ainda há muito o que fazer é geral. Focar os esforços de melhoria em três pontos (marketing, gestão e qualidade na produção) parece ser uma estratégia bastante interessante. São três áreas onde temos que avançar muito e que poderão colocar o Brasil na posição merecida: grande produtor de alimentos seguros e qualidade para o mundo.

0 Comments

  1. Manoel Rossi Soares disse:

    Miguel,

    Belo artigo! Nada melhor do que ouvir dos próprios produtores suas necessidades reais, ao invés de deduzi-las academicamente. A concientização dos problemas é o primeiro grande passo para trabalhar na sua solução.

    Interessante seria tentar trabalhar propostas de como unificar mais os produtores, já que eles acabam de demonstrar essa necessidade.

    Aquele abraço,

  2. Luiz Roberto Lopes S. Thiago disse:

    Olá Miguel,

    Gerenciamento e acontecimentos para fora da porteira são fatores de peso na produção de carne, como mostrou a pesquisa. O fato de não ser citado inovações tecnológicas, pode estar associado ao problema que vivemos hoje: baixa transferência das tecnologias disponíveis.

    O motivo e soluções para esta situação deveriam ser mais discutidos por produtores, técnicos e, principalmente, o governo. Por outro lado, a busca pela eficiência dos sistemas de produção de carne é contínua e tem que ser mantida assim, para garantir nossa competitividade.

    Vamos torcer para que num futuro próximo, tanto a geração de tecnologia como a transferência e adoção desta tecnologia, andem de mãos dadas.

  3. Gerson Simão disse:

    Caro Miguel,

    O Marketing então nem se fala. Saiba que no mercado árabe, que representa 22 países, nossa carne de novilho precoce é considerada como de terceira categoria, tendo o mesmo preço pago a animais machos de raças leiteiras européias .

    E dizem que não podemos exportar para o Egito por causa da bicheira, uma lei dos anos 70 que ninguém até hoje resolveu questionar.

    Abraço

  4. Luiz Orione Fernandes Júnior disse:

    Bom Dia!

    Li o artigo e me senti diretamente “atingido”. Não ofensivamente, pois concordo com cada letra digitada. Sou formando em Publicidade e Propaganda, portanto convivo diariamente com casos de empresas que investem pesado e constante em divulgação dos seus produtos, foco no público-alvo, e até em gerenciamento de marca, que é divulgar a sua imagem da melhor e mais cativante forma possível. Tenho como projeto de vida me especializar em Marketing Rural pela FGV, justamente por ver no setor agropecuário um deficiência muito grande no que se diz valorização da marca. Somos ou não somos o maior rebanho zebu comercial do mundo? Então divulgue! Somos ou não somos produtores de uma carne pura, saudável? Então divulgue!

    Fico um tanto indignado ao ver o setor econômico mais rentável do Brasil, desamparado, jogado à própria sorte, sem um apoio significativo do governo. Digo sem apoio do governo, pois sou muito descrente à demagogias, de que um investimentozinho aqui e acolá, é de fato, investimento. Me espelho na crise de 29 que massacrou os E.U.A. O governo não quiz fazer um projeto que matasse a fome dos recém-quebrados e nem da população carente. Criou-se frentes de trabalho, fez o povo “arregaçar as mangas” e correr atrás do que perderam. Isto é de fato mover a economia. O Brasil foca esforços no Fome Zero, mas é bom lembrar que quando se ganha comida sem trabalhar por ela, cria-se paradigmas: uma família trabalha e ganha pouco, outra não trabalha e ganha igual? É fundamental focar em lucratividade e trabalho, só assim o Brasil cresce. Comida que se doa poderia ser vendida. Ponto pra economia!

    No setor agrário, o produtor leva uma vida pra se capitalizar e adquirir uma fazenda e de repente, é invadido. E o governo, que é pró invasão, faz discurssos. Invadir propriedade rural é massacrar com o nome do Brasil. Fico indignado de nem nós, brasileiros, defendermos o nome da agropecuária. Damos maior importância à empresas, internet, bancos e outras istituições, e nafazenda? “Ah, Deus me livre de fazenda, trabalha demais e não ganha nada!” Ganha sim, e ganha a ponto de cobrir todo o saldo negativo daquelas outras instituições tão adoradas por nós brasileiros.

    Ou se investe massivo em agronégócio e o torna querido por todos no Brasil, ou a galinha dos ovos de ouro não vai merecer nem um pouquinho da memória do brasiliero quando este pensar em marcas, lucros, empresas.

  5. Walter José Verdi disse:

    A estratégia de marketing, citada em duas cartas, repondendo ao artigo, realmente é de muito pouco “barulho”, tendo em vista a importância do produto, tanto como bem de produção, como sendo um ítem quase que unânime em todas as mesas onde se alimentam milhões de pessoas diariamente.

    A pecuária de corte, tem se mostrado com seus pecuaristas, o seu espírito desbravador, que mesmo com avanço das terras destinadas à ela, sendo substituída cada vez mais por áreas de exploração agrícolas, continua crescendo e abrindo novas frentes.

    Existe um início de trabalho neste sentido, já em curso, porém um tanto tímido, para o maior produtor e exportador de carne bovina, e detentor do maior rebanho comercial do mundo.

    A questão é justamente alinhar os esforços, neste sentido, pois não há outra alternativa. O mundo precisa da carne bovina brasileira, e havendo uma intensificação destas ações, certamente estaríamos ouvindo falar muito mais da importância da atuação do setor, do que diáriamente em horário nobre de questões de reforma agrária, e demarcação de terras indígenas, no país que é o maior produtor de carne, de soja…