Carmen toca em um ponto interesante, dizendo que a exigência existe em qualquer classe social, independentemente do tamanho do poder de consumo. Desta forma, é preciso criar processos de diferenciação para atender a estes diferentes níveis de demanda. A consultora explica que há ferramentas e informação para isto, como avaliação de conformidade, certificação e auditoria.
Carmen Neusa M. Cortada, doutora em Medicina Veterinária da NBCC – Consultoria em sistemas de qualidade, foi palestrante no Workshop BeefPoint – Rastreabilidade e Certificação, realizado nos dias 07 e 08/ago em São Paulo. Carmen apresentou os conceitos de certificação e a origem da necessidade por estes produtos diferenciados, explicando porque o consumidor passou a demandar por produtos e processos certificados.
Historicamente, todo processo produtivo era passível de problemas e de programas de melhoria. Porém, o conhecimento sobre o processo era menor. O desenvolvimento de tecnologias passou a fornecer informações antes desconhecidas, pelas quais foi possível identificar novos problemas e assim a busca por melhoria tornou-se constante. Além disto, Carmen diz que “com a globalização, os fatos se expandem em âmbito mundial”, ou seja, a informação é divulgada cada vez mais rápida tornando-se mais acessível, levando o consumidor a se interessar de forma mais profunda pelo que consome, e assim buscar por mais conhecimento, o que acaba aumentando sua exigência. “Os problemas sempre existiram, agora estão cada vez mais visíveis”, Carmen comenta, e conclui dizendo que a relação entre comprador e produtor precisa ser estruturada.
Além do fato de aumento da exigência, Carmen chama a atenção para propagandas negativas pelo mundo contrárias ao consumo de carne e questiona “como superá-las”. Ela dá alguns exemplos de produtos provenientes da cadeia produtiva de carne que não são alimentos, como o colágeno e químicos hospitalares, mostrando que um dos caminhos é a divulgação dos produtos e suas utilidades. Carmen esbanjou bom humor na palestra, mostrando exemplos visuais e explicações que convenciam pelo bom senso e simplicidade.
Neste contexto, a certificação visa atender à demanda consumidora, garantindo segurança e as caracteísticas organolépticas do alimento. Carmen define a qualidade por meio de uma equação, na qual Qualidade = Seguro + Desejável.
“É necessário também se antecipar às exigências”, ressalta Carmen. Ela cita alguns produtos com este objetivo, como melancia em forma de cubo e diversos vegetais e frutas em forma de coração no mercado japonês, criando o desejo antes de existir a demanda.
Carmen toca em um ponto interesante, dizendo que a exigência existe em qualquer classe social, independentemente do tamanho do poder de consumo. Desta forma, é preciso criar processos de diferenciação para atender a estes diferentes níveis de demanda. A consultora explica que há ferramentas e informação para isto, como avaliação de conformidade, certificação e auditoria.
O órgão responsável pela avaliação de conformidade nacional é o INMETRO, que “propicia a confiança de que um produto atende a requisitos pré-estabelecidos por normas ou regulamentos”, explica Carmen. Desta forma, a avaliação de conformidade tem a função de auditar e certificar o fornecedor, promovendo confiança ao comprador.
Após esta análise, geralmente há ações corretivas necessárias para se chegar à certificação e conquistar a confiança. Atingido este ponto, a empresa certificada precisa manter e sustentar o nível de confiabilidade alcançado, e é quando a rastreabilidade passa a ser requisitada. Desta forma, a empresa reduz o risco de haver qualquer alteração sobre os processos implantados, o que poderia causar a perda da certificação.
Todo este processo faz parte de uma “cadeia de confiança”, explica Carmen. Existe um reconhecimento internacional, que certifica os órgãos nacionais (como INMETRO), que avaliam as certificadoras e estas analisam os produtores. Por fim, o consumidor é quem reconhecerá essa confiança por meio de seus hábitos de consumo.
Trazendo este contexto para o setor agropecuário, sua produção também sofre exigências dos consumidores, que querem ter garantia sobre o que estão comprando. As principais garantias buscadas são:
– Alimento seguro (rastreado);
– Características organolépticas (cor, sabor, consistência etc…);
– Respeito ao ambiente;
– Saúde e segurança do trabalhador;
– Bem-estar animal;
– Exigência de mercado, produtividade, bem-estar animal, e
– Rastreabilidade do processo.
Carmen enfatiza que todos estes pontos além de atenderem à demanda, proporcionam diversos benefícios ao processo produtivo, como aumentar a produtividade. O bem-estar animal, a conservação ambiental e a saúde e segurança do trabalhador favorecem o aumento de produção por melhorarem as condições para o potencial produtivo se expressar. A rastreabilidade também contribui, pois a gestão dos processos fica detalhada, fornecendo melhor informação para a tomada e decisão.
Descorrendo sobre a implementação da norma de certificação, Carmen chama a atenção para a importância dos manuais de produção e de procedimentos. O primeiro, serve de base para a auditoria, como um guia. A partir destes, os procedimentos são avaliados se estão sendo cumpridos corretamente, por meio da descrição e acompanhamento. Caso não estejam, será requisitada a capacitação e também o registro da capacitação dos envolvidos, por coleta e controle de dados.
Concluindo, Carmen diz que a busca por diferenciação é uma estratégia para agregar valor a produto, porém é necessário garantir o conceito que está sendo vendido. Ela acredita que desta forma será possível alterar a imagem negativa do Brasil no exterior, principalmente em relação ao desmatamento, e por consequência exportar por maiores preços. Além deste, Carmen cita outros principais benefícios de uma certificação, como redução de perdas, melhoria da gestão, longevidade aos envolvidos e acesso a mercados diferenciados.
Como exemplo de divulgação dos benefícios da cadeia produtiva da carne bovina à sociedade, Carmen apresenta um mapa mental com todos produtos vindos da bovinocultura, “a carne é somente um dos produtos”, ela comenta. “Há medicamentos, cosméticos, e entretenimento por exemplo”.
Veja o mapa aqui:
O papel do bovino na vida moderna – produtos e subprodutos em um mapa mental
Na seção de perguntas após a palestra, Ezequiel do Valle (Embrapa-MS) questiona se há certificações para a cadeia bovina que estão dando resultados. Carmen diz que trabalha com a cadeia produtiva de leite e não conhece em detalhes a produção de carne bovina. Enfatiza “que na produção de carne suína a demanda é alta”, e “a demanda do consumidor é que será precursora do aumento da certificação bovina”. Ainda, ela comenta que é preciso disponibilizar o produto no mercado para o consumidor poder conhecê-lo e assim passar a ser exigido. Carmen disse que já presenciou este processo em outros produtos, e “o início é assim mesmo”. Especificamente sobra a carne bovina, Carmen diz que “o consumo brasileiro desta carne não demanda qualidade, é preciso educar o consumidor, e um selo de qualidade é parte desta história”.
Miguel Cavalcanti (BeefPoint) relembra que foi a cadeia produtiva de café que inseriu o produto gourmet no mercado, “e não foi o consumidor que pediu. Na pecuária é preciso isto, é preciso desafiar e disponibilizar carne bovina certificada. É preciso tomar uma posição de coragem”, conclui. Carmen concorda, e diz que “um selo de diferenciação aumenta a demanda, sim”.
Miguel também perguntou qual seria o principal erro de quem começa alguma certificação? Carmen responde que o principal erro, ou falta de foco, é a dificuldade do produtor em reconhecer que a documentação é necessária e importante. O mesmo acontece para os treinamentos e capacitação das pessoas envolvidas que busca a incorporação dos processos descritos. “A certificação acontece após a implementação, e este processo leva um ou dois anos. É preciso criar a documentação e implementá-la”.
Ainda, Carmen comenta que é preciso avaliar qual certificação será melhor para o processo produtivo a ser implementado, assim como para o produto a ser vendido. Esta avaliação leva em conta as oportunidades de mercado, infra-estrutura disponível e custo/benefício para os investimentos necessários
Artigo escrito por Marcelo Whately, analista da Equipe BeefPoint.
2 Comments
Prezado Marcelo Whately,
Parabéns pelo artigo!!! Simples, objetivo e esclarecedor.
Sou zootecnista e trabalho com certificação no agronegócio desde 2.006. Atualmente atuo em outras cadeias produtivas que já estão bem mais evoluidos na questão da certificação. A agregação de valor ao produto é fato indiscutível, porém a implantação do programa de certificação sempre é penosa ao produtor e é preciso ter a consciencia de que o valor “a mais” que se paga pelo produto deve ser revertido para a implantação da certificação da propriedade. E posso afirmar com tranquilidade que ainda sobra dinheiro.
Pela experiencia que tenho, os apelos muito bem apresentados pela Dra. Carmen, são os mesmos das outras cadeias. E entendo que a certificação no agronegócio brasileiro é um caminho sem volta, que está trazendo maior credibilidade ao produto nacional.
Participo desde o começo das consultas públicas da certificação Rainforest Alliance para a pecuária de corte e acredito que seja uma excelente certificação, devido a credibilidade dessa certificação nos mercados internacionais, principalmente EUA e CE.
Um grande abraço!
Marcelo Viviani
Olá Marcelo,
Muito obrigado pelas informações.
Eu também acho que o caminho para certificações é sem volta e necessário.
Interessante seu comentário sobre o custo (esforço) de implementar a certificação em outras cadeias produtivas.
Em quais outras você tem experiência?
Um abraço,
Marcelo Whately
Equipe BeefPoint