Por Oberdan Pandolfi Ermitã1
O elo produtivo da cadeia da pecuária de corte no Brasil tem passado por muitas transformações ao longo dos últimos anos. O produtor passou a adotar técnicas de melhoramento genético, suplementação mineral e trato sanitário do rebanho, decorrendo em expressivo crescimento nos índices de produtividade. Segundo dados da FAO, nos últimos 10 anos, o nosso rebanho cresceu 17% e a taxa de desfrute ampliou-se 35%, resultando em crescimento de aproximadamente 40% na oferta de carne. Estes dados deveriam ser comemorados, pois somente quando se aumenta a produção e lhe agrega maior valor é possível produzir mais riqueza, crescimento e desenvolvimento para uma região.
Por outro lado, quando há aumento da produção e ela não encontra demanda suficiente, ocorre uma situação de crise para aqueles que participam como produtores da cadeia. Assim, nestes últimos 10 anos, enquanto a produção do setor cresceu 40%, a população brasileira cresceu 16% e o consumo per capita de carne bovina apenas 11%. É correto afirmar, portanto, que a crise enfrentada pelo produtor está relacionada a uma grande oferta de animais. Entretanto, algumas ponderações devem ser feitas.
Como se trata de uma cadeia produtiva, a pecuária de corte pode ser dividida em três segmentos: produtores, indústria intermediária e pontos de venda. Para que haja crescimento harmonioso no setor, com distribuição de renda entre os participantes da cadeia, é necessário que todos os elos evoluam, buscando inovações, adequando os produtos às novas realidades do mercado e garantindo, assim, a ampliação na demanda.
Infelizmente, esta não é a realidade da cadeia da carne bovina. Respaldando nossa análise, segundo estudo do BNDES, as fragilidades do setor “começam pela mentalidade conservadora de vários participantes da cadeia e terminam na inadequação das estruturas empresariais (…). Na cadeia da carne bovina não há, vínculo entre produtores e indústrias (…) [isso] gera obstáculos à competitividade do produto, dentre elas destacam-se: ausência de rastreabilidade, subaproveitamento das economias de escala, descoordenação dos esforços de ajuste e, consequentemente, falta de segmentação e diferenciação do produto” (BNDES, 1998, p. 2-3).
Em outras palavras, o que assistimos no setor da carne bovina é um verdadeiro descompasso. Por um lado, houve grande evolução no setor produtivo e, por outro, os demais elos da cadeia permanecem estagnados e inertes à inovação, não buscando diferenciação e conquista de novos mercados. Daí a crise de oferta enfrentada hoje pelo produtor.
Observem, por exemplo, a carne de frango, apresentada nas gôndolas dos supermercados das formas mais variadas e atrativas, com diferenciação do produto, segmentação e apelo à qualidade e à praticidade, bem como ofertada a preços competitivos. No segmento da carne bovina, salvo algumas iniciativas, o produto pouco se diferencia. Sua apresentação e apelo de venda aos consumidores sãos os mesmo de décadas passadas.
Ainda a acrescentar nossa posição no mercado internacional. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se uma consciência de que o Brasil se tornaria o maior produtor de carne bovina do mundo. Esta consciência se ampara nas enormes vantagens competitivas que possuímos: clima, solo, rebanho abundante, pastagens como fonte natural de alimento para o gado, etc. Entretanto, passados mais de 60 anos, nossa posição no mercado mundial ainda não pode ser considerada como sólida. Há apenas 2 anos assumimos a liderança no mercado, o nosso produto ainda é considerado de baixa qualidade, o preço de venda da nossa carne é um dos mais baixos do mercado externo e a prática sanitária das indústrias é questionada com recorrência pelos importadores.
Assim sendo, é incorreto afirmar que não exista demanda para o nosso produto e que o produtor é o próprio culpado pela crise. O que ocorre é a incapacidade dos elos da cadeia encarregados da industrialização e da comercialização do nosso produto de se adequarem e conquistarem mercados. A indústria intermediária não tem buscado inovação, está a cada dia mais concentrada e acomodada. A estratégia que adotam para expandir e preservar suas margens se da mediante pressão sobre o produtor.
Uma das premissas do mundo dos negócios é a contínua busca pela inovação e diferenciação para a conquista de mercados. No caso da carne bovina é necessário que isto ocorra, caso contrário, as crises serão recorrentes e sempre serão sentidas pelo elo fraco da cadeia: o produtor.
Possuímos enorme capacidade produtiva, que poderia se reverter como renda e desenvolvimento econômico para o país. Portanto, por uma questão de competitividade, sobrevivência do setor e de desenvolvimento econômico, se faz necessário que os produtores também assumam o elo intermediário da cadeia, mediante associações ou cooperativas, garantindo assim a conquista, ampliação e consolidação de mercados para o nosso produto, tanto no mercado interno quanto no mercado externo.
Não acredite que os outros façam o que devemos fazer por nós mesmos!
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1Oberdan Pandolfi Ermitã, economista da Método Consultoria e professor da Faculdade de Pimenta Bueno/RO
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O artigo de Oberdan P. Ermitã oferece um quadro transparente da nossa pecuária, mostrando causas e efeitos indiscutíveis e apontando soluções viáveis, que merecem assumir caráter de urgência.
Os produtores precisam se unir e tomar as rédeas nesta sequência, se não desejarem permanecer neste ciclo que ameaça comprometer importantes resultados já conquistados.
Algumas iniciativas neste sentido aguardam apoio e participação. Estas iniciativas poderão se perder neste processo, caso não haja a atitude necessária da união dos produtores em torno do bem comum.
É bom lembrar aqui o quanto a falta de união fragilizou a atividade nestes 60 anos pós-Guerra, quando foi iniciado o grande ciclo da pecuária brasileira e foi formado o maior rebanho comercial do mundo, nas condições mais privilegiadas para dar certo.
Agora, a pecuária precisa prosseguir na sua escalada para conquistar padrões de qualidade, mercados e preços justos, fato que jamais ocorrerá neste velho e tendencioso modelo de comercialização, que permanece obstruindo melhores seqüências e o sucesso da atividade.
Olá Iracema,
Absolutamente preciosos vossos comentários. A luta e os desafios são enormes, mas devemos encará-los.
Aqui em Rondônia estamos empenhados na implantação do projeto da Cooperativa Rondoniense de Carne. Já demos início na construção da nossa unidade industrial e hoje 477 produtores estão envolvidos com o projeto.
Os desafios são enormes, principalmente mobilizar nossa classe.
No momento nossa principal dificuldade está sendo viabilizar a liberação de financiamento aprovado pelo BNDES.
Infelizmente, o estado brasileiro sempre cria empecilhos para aqueles que desejam produzir, como bem observado no artigo da colega Mônika Bergamaschi (Ideal vs ideologia).
Abraço,
Oberdan
Parabéns pela matéria.
Sua colocação é lúcida e clara, interpreta perfeitamente o dilema da pecuária de corte brasileira.
Parabéns pelo lúcido artigo.
Penso ser necessário encontrar mecanismo que proporcione aos produtores, através da representação que for possível, a comercialização externa do produto, talvez até concretizando operações multilaterais com a participação de frigoríficos nacionais, a fim de auxiliar na ampliação indispensável do mercado comprador.