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Por que países dão errado?

Quando os leitores do BeefPoint já haviam esquecido minha existência, já que meu último artigo foi veiculado em 26/09/2005, para seu desalento, caro leitor, cá estou de volta.

Quando os leitores do BeefPoint já haviam esquecido minha existência, já que meu último artigo foi veiculado em 26/09/2005, para seu desalento, caro leitor, cá estou de volta.

É comum ouvirmos dizer que fulano “não deu certo” na vida, por causa disso ou daquilo. Mas e países, por que será que alguns “dão certo”, e outros não?

Há muitos anos atrás, perguntei a um amigo argentino qual havia sido o último bom presidente daquele país. Ele pensou, pensou, e me respondeu: “Saenz Peña”. Como para mim, até então, este nome significava apenas uma praça no bairro carioca da Tijuca, fiquei curioso por mais detalhes. O primeiro, e estarrecedora revelação, foi que Saenz Peña havia sido presidente da Argentina há mais de 100 anos atrás.

A Argentina é, a propósito, um caso clássico que ilustra o tema deste artigo. Logo após a Guerra do Paraguai, e até os primeiros vinte anos do século XX, o PIB (Produto Interno Bruto, que mede todos os bens e serviços produzidos por um país, em determinado ano) argentino cresceu, consistentemente, a uma taxa de 7% ao ano – a maior do mundo, na época. O aumento da renda per capita argentina, idem. Em decorrência disto, a renda per capita da população argentina era, no início do século XX, quatro vezes maior que a brasileira, e, pasme-se, o dobro da americana.

Ao contrário do que se imagina, este crescimento vertiginoso, acompanhado de distribuição de renda virtuosa, não foi escudado apenas no setor de agronegócio. Ocorreu também na indústria e no setor de serviços. Por exemplo, a malha ferroviária construída na Argentina há 100 anos atrás, e que facilitou a integração social e econômica do país, até hoje causa inveja em muitos países de primeiro mundo.

É puro mito afirmar que a derrocada social e econômica da Argentina tenha sido causada pela dependência de apenas um setor primário. Entre o fim do século XIX e início do século XX, enquanto a população brasileira era majoritariamente rural, na Argentina mais de 60% da população vivia em cidades, sendo que quase 1/3 em Buenos Aires, ainda hoje a cidade mais cosmopolita da América do Sul. O nível cultural e educacional era excelente, assim como serviços públicos de saúde e saneamento. Na realidade, ainda no início do século XX, a Argentina era um dos dez países mais ricos do mundo.

Contudo, em meados do século XX, as coisas começaram a dar errado. O ímpeto de crescimento diminuiu, acirrou-se um esgarçamento de relações sociais e políticas (é emblemático dessa fragmentação, o nome de alguns partidos políticos argentinos: Radical, Justicialista, Intransigente). O padrão de vida da população entrou em um declínio que já dura mais de 50 anos. Por quê?

As razões são diversas, e apresentadas – de acordo com o viés ideológico de cada um – tanto como sendo fruto de liberalismo suicida, quanto de populismo irresponsável. Na realidade, a meu ver, ambos estão certos.

Antes da metade do século XX, uma política desastrosa de “economia aberta” solapou os alicerces do modelo social e econômico argentino. Enriqueceu elites, e empobreceu a população, apesar de ainda manter uma classe média invejável. Este erro foi repetido durante a ditadura militar, na década de 70, mas com efeitos menos expressivos, na gestão do Ministro da Economia Martinez de Hoz.

Quebrada a harmonia, e qual um pêndulo, abriu-se caminho para um populista inconseqüente, como Juan Domingo Perón. Entre 1945 e 1955 Perón simplesmente “detonou” o país. Seu discurso demagogo de antiimperialismo e de defesa dos “descamisados” desembocou em políticas de governo totalmente irresponsáveis: arruinou o Tesouro, desorganizou o sistema produtivo, deteriorou as contas externas, e iludiu a população, ao fazê-la acreditar que existe “almoço grátis”. Alguma semelhança com um país, rico em petróleo, e que nos faz divisa ao norte?

Teóricos de esquerda costumam descartar a influência nociva do populismo de Perón, alegando que ele governou apenas entre 45 e 55, e depois, brevemente, entre 73 e 74. Meia verdade. Criado o mito, instalado sistema de sindicalismo atrelado a partidos políticos, e, pior de tudo, convencida a população mais pobre que há direitos sem obrigações correlatas, na realidade a influência de Perón perdura até hoje.

Em julho de 2005, eu estava com minha filha e filho em Buenos Aires. Meu filho, que adora História, queria conhecer o túmulo da viúva de Perón, Evita Duarte. Lá fomos ao belo Cemitério de La Recoleta. Por acaso, era aniversário da morte de Evita. Já dentro do cemitério, levamos mais de 45 minutos para conseguirmos chegar ao mausoléu da família, tamanha a quantidade de pessoas e de coroas de flores. Isso em homenagem a uma pessoa falecida há mais de 50 anos…

Desde então, a Argentina nada mais conseguiu realizar, em matéria de desenvolvimento, que curtos “vôos de galinha”. Assim como nós, nos últimos 20 a 30 anos, cresceu menos que a média mundial. É verdade que nos últimos anos a Argentina tem crescido em níveis mais elevados que o Brasil. Mas isso à custa de inflação crescente, e de um calote na dívida externa e interna de quase US$ 140 bilhões – que fechou parcialmente à Argentina o mercado financeiro mundial – e eliminou boa parte da poupança da classe média, ao renegar a paridade peso/dólar, prometida em contrato. Em ambos casos, a Argentina vai pagar um preço muito alto.

O mal do populismo irresponsável é que ele é ética e fiscalmente condenável, e insustentável a longo prazo. Qual um “incubo”, à guisa de proteger os mais fracos, na realidade exaure qualquer chance de um determinado país se desenvolver social, política e economicamente, já que só viceja e sobrevive à custa da discórdia e da desorganização institucional.

Este magnífico país que é a Argentina é o exemplo mais recorrente, pela sua proximidade ao Brasil. Mas há outros exemplos: em 1820, China e Índia representavam 49% do PIB mundial. Em 1980, haviam caído para meros 7% do PIB mundial. Em breve, porém, atingirão 37%, ou seja, quase a mesma proporção de sua população na Terra. Em grande parte, por mudanças radicais de políticas de governo. Mudanças essas, sintetizadas na famosa e pragmática frase de Deng Xiao Ping, quando tentava converter os chineses mais ortodoxos à necessidade de existência de alguma economia de mercado na China: “Tanto faz a cor do gato, contanto que ele cace o rato”.

Abandonemos Argentina, China e Índia, porém, e vamos focar no nosso próprio umbigo. Para não cansá-lo, dileto leitor, vou sintetizar, em um exemplo, o que más políticas de governo podem causar. Acredito que todos nós somos favoráveis a um salário mínimo mais elevado, já que, em boa parte do país, ele não é piso, e sim teto. Além de favorecer os mais pobres, injeta dinheiro no mercado interno, gera produção, cria empregos, e, em decorrência, aumenta a arrecadação de impostos – que possibilitaria aumento de investimentos governamentais na deteriorada infra-estrutura nacional.

Então, contínuo aumento do salário mínimo, é bom para o país, certo? Depende. Depende de que? De como é feito. Se ocorrer na proporção do aumento de produtividade, será justo, bom, e neutro sob o ponto de vista fiscal (benefícios coerentes com arrecadação). Caso não…

Há onze anos atrás, a arrecadação e dispêndios da Previdência Social giravam – de forma equilibrada – em torno de 5% do PIB. De lá para cá, o salário mínimo teve aumento real (acima da inflação) de quase 100%. Como o aumento de produtividade ficou muito abaixo disso, o resultado é que o rombo da Previdência de zero passou a R$ 38 bilhões (quase 8% do PIB), apenas em 2005. Quem cobre o rombo? O Tesouro Nacional. Como, e até quando?

Se você é jovem, e só vai se aposentar daqui há algumas décadas, há uma possibilidade, cada vez mais real: que as contribuições que você fez ao sistema estatal de previdência, ao longo de sua vida, não se revertam em benefício para você, quando a hora chegar. Ou, pelo menos, não de forma integral.

Aí, ao invés de ocorrer um círculo virtuoso, instala-se um círculo vicioso: Despesas maiores que receitas geram um déficit que, para ser coberto pelo Tesouro, leva a um de dois caminhos: imprimir papel-moeda, que reflete direta e linearmente na taxa de inflação; ou aumento da dívida pública, através de venda de títulos do governo à população, via intermediação dos bancos. O segundo caminho tem sido o trilhado pelos últimos governos.

Aumentando-se o déficit público, aumenta-se a dívida interna, o que gera aumento dos juros básicos (já que juro é o preço de “dinheiro”), e diminui a capacidade de governos realizarem investimentos úteis e inadiáveis. Aí, inexoravelmente, os governos aumentam impostos (a carga tributária brasileira é das mais altas do mundo) para cobrir o rombo, o que exaure a capacidade das empresas em investir e das pessoas em poupar, o que compromete o crescimento do país, e acentua a iniqüidade social, o que leva a novos aumentos sem lastro do salário mínimo, e por aí vai…

Quanto a Argentina, terei uma idéia atualizada de sua macroeconomia, pois lá estarei ainda em novembro de 2006. E em relação ao Brasil, só nos resta esperar que o presidente Lula, em seu segundo e derradeiro (espera-se) mandato, mantenha política fiscal responsável, que, para mim, foi o maior (e inesperado) mérito de seu governo.

O crescimento do PIB brasileiro não se dará apenas pela queda dos juros básicos, e sim pela desoneração fiscal (queda de impostos) cujo peso brutal inibe investimentos privados, e pelo retorno do governo a investimentos na infra-estrutura básica do país, sem que, para tal, tenha que abandonar políticas de cunho social. Apenas geri-las de forma mais eficiente.

Não desejo “demonizar” aumentos reais do salário mínimo, e sim e apenas dizer o óbvio: seja em relação a pessoas, empresas e governos, despesas sem lastro levam à insolvência, e acabam por prejudicar aqueles a quem pretensamente se pretendia beneficiar. Por razões simples como essas, países, assim como pessoas, acabam dando errado.

0 Comments

  1. Andrea Rodrigues Caselli disse:

    Prezado Carlos,

    Gostaria de parabenizá-lo pelo excelente artigo, o qual colaborou muito para o entendimento da política brasileira e quais serão as possíveis conseqüências se medidas não forem tomadas.

    Gostaria que o senhor continuasse colaborando com artigos tão bem escritos.

  2. Carlos Henrique Ribeiro Do Prado disse:

    Caro amigo Carlos Ortenblad, comungo com as suas palavras totalmente, porém vivemos num país em que só se fala em direitos da população mas é proibido falar em deveres, pois os políticos oferecem só direitos para camuflar a corrupção que praticam. E eu só acredito em uma mudança caso haja uma convulsão social (chame de revolta, guerra civil ou o quê quiser)

    Carlos Henrique Ribeiro do Prado,

    Goiânia, GO

  3. Leonardo Campos disse:

    Caro Ortenblad,

    Como sempre, muito bem escrito seu artigo. Mais importante ainda num momento pós-eleitoral como este, onde se espera que o governo reeleito atinja o “espetáculo do crescimento” e corrija as “desigualdades históricas”.

    Creio que no manual do bom político deveria estar sempre presente a referência às futuras gerações, não como motivo para obras elefantísticas a serem legadas, mas como objetivo de entrega de um país equilibrado e sustentável em suas contas. A pratica da despesa sem lastro revela boa parte de nosso atraso e de nossos vizinhos sul-americanos (exceções a parte, talvez o Chile), ainda q alguns valores e tradições ibéricas herdados possam colocá-la em segundo plano na lista de culpados pelo subdesenvolvimento da região.

    Acho muito bem colocada a questão da Argentina, um país que muito admiro e que me deixa impressionado quanto ao que era e o que poderia ser…

    A eterna contradição Argentina-Japão, ou “os que tudo tem para dar certo” e “os que realmente dão certo”, deveria ser pensada todos os dias por nós brasileiros como reflexão na tomada de decisões rumo ao progresso.

    Resposta do autor:

    Prezado Leonardo,

    Obrigado pelo amável “review” do meu artigo. Um dia ainda vou escrever um artigo sobre Quênia e Tanzânia, países em que estive em julho deste ano.

    O Quênia era a jóia do Império britânico na África Oriental. Já a Tanzânia, antiga Tanganica, era colônia alemã, até que os ingleses a tomaram durante a Primeira Guerra Mundial, e era uma prima pobre do Quênia.

    Ambos países obtiveram sua independência na década de 60, com um ou dois anos de diferença. O Quênia, liderado por Jomo Kenyatta, mais ou menos optou pela economia de mercado, e prosperou.

    Já a Tanzânia patinou nos primeiros anos de independência, tentando um “solicialismo à africana” através de seu primeiro presidente, Julius Nyerere, e empobreceu.

    Na década de 80, enquanto o Quênia mergulhava em corrupção, no empreguismo estatal, na intromissão do governo central em todas as atividades econômicas, e na deterioração de infra-estrutura, etc. – a Tanzânia “criou juízo”, adotando soluções simples e baratas, combateu o mal uso do dinheiro público, e, abrindo seu mercado à concorrência com boas regras regulatórias, enriqueceu.

    Neste andar da carruagem, em poucos anos a Tanzânia ultrapassará o Quênia, em todos os índices sócio-econômicos que se quiser analisar.

    Qual é o mistério? Nenhum. Enquanto no Quênia, o povo existe para servir o governo, na Tanzânia o governo existe para servir o povo.

    Alguma semelhança entre o Quênia e um imenso país da América do Sul?
    Abraço,

    Carlos Arthur Ortenblad

  4. Carlos Arthur Ortenblad disse:

    Prezado Carlos Henrique,

    Agradeço suas palavras gentis, e espero que não seja necessária uma convulsão social para que este país entre nos trilhos.

    Aliás, o atual ministro do Desenvolvimento Agrário Guilherme Cassel, prega exatamente isto na página B14 do jornal Valor Econômico de hoje. Só que a convulsão social sonhada por Sua Excelência é outra. Ele prega a necessidade de um “tranco” para que a Reforma Agrária seja realmente implementada neste país, e também que os “índices de produtividade” sejam revistos ANUALMENTE, seguindo um “modelo matemático”, e outras besteiras mais.

    Pobre Brasil…

    Abraço,
    Carlos Arthur Ortenblad

  5. Andre Pinto Correia Gomes disse:

    Deveriam ser escritos mais artigos explicando por que o Brasil não investe em ferrovias e hidrovias para escoar seus produtos de maneira mais barata ganhando cada vez mais em competitividade. Será que é só falta de dinheiro, incompetência administrativa, ou há interesses de indústrias automobilísticas e indústrias correlatas?

    Resposta do autor:

    Prezado sr. André Pinto Correia Gomes,

    O senhor colocou o dedo na ferida. Veja, em 1967 (há quase 40 anos atrás!!!!), enquanto fazia faculdade, estagiei em uma empresa de projetos.

    Um dos projetos em que participei como “trainee”, era exatamente a utilização da fantástica malha hidrográfica brasileira, com mais de 12.000 km de rios navegáveis, necessitando de investimentos muito pequenos.

    Passados estes quase 40 anos, com a exceção de partes do rio Tietê, partes do rio do Paraná, dos rios amazônicos, e do São Francisco, pouco temos em matéria de transporte hidroviário, que é o mais “limpo” e barato.

    E pobre do Velho Chico: querem fazer transposição de um rio moribundo, antes de revitalizá-lo.

    Abraço,
    Carlos Arthur Ortenblad

  6. Luiz Carlos Dias disse:

    Caro Ortenblad,

    Desejo que se faça mais presente, dada a sua capacidade de brindar seus leitores com análises e informações concisas e precisas. Vivemos um momento que se premia, infelizmente, a ausência de trabalho e competência. Vive-se demagogicamente um momento de políticos populistas em alta. Pelo visto, continuaremos sendo ótimos no futebol (nem tanto) e volei.

    Bem, quanto ao País, continuaremos fortes na 3ª divisão, à frente da Bolívia, Paraguai, Haiti e outros desse porte. Tomara que eu esteja errado, torço contra mim mesmo.

    Abraços,
    Luiz Carlos Dias

    Resposta do autor:

    Prezado sr. Luiz Carlos Dias,

    Enquanto os leitores me privilegiarem com seu tempo, e o BeefPoint com seu espaço – continuarei a escrever, o que me dá muito prazer.

    O que não me dá prazer algum, é raramente ter algo de bom para falar da gestão pública neste país.

    Por exemplo, mesmo torcendo contra si mesmo, o senhor ainda foi otimista em seu e-mail. Dos países mencionados pelo senhor como paradigmas de atraso, o Brasil só teve crescimento maior nos últimos 2 anos que…o Haiti.

    Francamente, o Brasil e os brasileiros merecem isso?

    Abraço,
    Carlos Arthur Ortenblad

  7. Wanly Pereira Arantes disse:

    Parabéns pelo artigo,mostra muito bem o resultado de uma política assistencialista e irresponsável na Argentina.

    E que nos manterá para sempre na culatra dos países em desenvolvimento.

    E andando coché…
    Um abraço,
    Wanly.

    Resposta do autor:

    Olah Wanly,

    Acabei de ver na internet que o senado brasileiro – em total falta de responsabilidade – aprovou o décimo terceiro para Bolsa Família.

    Daqui há pouco os recipientes da Bolsa Família terão direito a férias, FGTS, e, por que não, licença maternidade. É de doer.

    Abs.
    Carlos Arthur Ortenblad