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Pratini de Morais: Brasil tem que atacar questão tributária e logística

Ex-ministro da Agricultura no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) Marcus Vinicius Pratini de Morais diz que o Brasil perderá o volume conquistado pelo comércio exterior nos últimos dois anos se o governo não investir em logística. Ainda de acordo com ele, o investimento poderá ser direto ou através da iniciativa privada. Mas ressalta que, para isso, é inadmissível a existência do que chama de indústria de liberação de pareceres ambientais. “Virou uma indústria no Brasil segurar projetos com argumentos ambientais”, disse em entrevista ao Globo Online.

O ex-ministro diz também que é preciso haver uma reforma tributária, mas com viés pró-exportações e acabar com a mentalidade de que exportação é sinônimo de contrabando. Para Pratini, o Brasil tem que intensificar sua imagem no exterior. Mas, como primeira medida, deve reduzir ou acabar com o Imposto de Renda cobrado sobre recursos enviados para cobrir custos de feiras e eventos em países estrangeiros.

Provocador, Pratini sentencia contra a política externa do presidente Lula. “O que adianta o Brasil ser líder dos pobres? Tem é que ser membro da OCDE”, diz.

Mas com a experiência de quem começou a promover negociações internacionais no fim da década de 60 (quando ainda era assessor especial do presidente Costa e Silva), ele prevê que o mundo continuará crescendo pelo menos 5% ao ano nos próximos anos, o que garantirá demanda para os produtos nacionais, tanto básicos como industrializados. Mas adverte que, “se não houver um programa agressivo de redução de custos para as exportações já a partir desse ano, teremos conseqüências graves em 2005, quando será muito difícil repetir (os resultados de) 2004”.

GLOBO ONLINE: O aumento do volume do comércio exterior verificado nos últimos dois anos é sustentável ou está se aproveitando uma janela de oportunidade criada com problemas como a gripe do frango na Ásia ou o crescimento econômico de países do Sudeste asiático, principalmente a China?

PRATINI: Eu fico sempre surpreso quando me perguntam isso. É como se houvesse dúvida sobre a capacidade de o Brasil ter presença efetiva no mercado internacional. É claro que o crescimento das economias este ano afeta às nossas exportações tanto para produtos agrícolas quanto para produtos industriais. É claro que a taxa de câmbio, principalmente em relação ao euro, tem facilitado nossas exportações. Mas também estamos começando a enfrentar alguns problemas internos, que não são novos, e que, estes sim, poderão afetar negativamente as exportações. Na verdade, com o aumento das exportações, esses problemas tendem a se agravar.

O primeiro problema é o tributário. A legislação brasileira continua com viés pró-importação e antiexportações. Pela primeira vez em muitos anos a substituição do Cofins sobre as exportações mudou o viés, mas não facilitou a vida dos exportadores porque o grande de problema é o acúmulo de créditos de ICMS e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre os insumos exportados. Até hoje Congresso e a Receita (Federal) não conseguiram equacionar a questão e os exportadores gastam fortunas com advogados e assessores, além de tempo.

O segundo ponto é a logística. Com o crescimento da produção agrícola brasileira que, em quatro safras aumentou 50%, começamos a enfrentar gargalos sérios, não só na capacidade de movimentação da safra para os centros processadores e exportadores, como também nos próprios portos.

Além disso, há o fato de o Brasil continuar sem ter marinha mercante própria. O Brasil hoje está limitado a construir navios e operar a frota para as exportações de minérios e importações de derivados de petróleo.

Não podemos esquecer que o Brasil é um país distante. Perde até para a Austrália, que está relativamente perto do Japão, China e do Sudeste Asiático, mercados que mais crescem hoje no mundo. Estamos, inclusive, distantes da Costa Oeste americana, um espaço fantástico para matérias-primas e produtos manufaturados. Não temos um planejamento da infra-estrutura de transportes do Brasil, sem o que ela não vai andar.

Há ainda a questão do marketing. Os custos de fazer marketing no exterior são elevadíssimos e uma das razões é a taxação de Imposto de Renda sobre os recursos enviados para pagar custos de feiras. Isso não existe em outros países. É verdade que melhorou com a Apex (Agência de Promoção de Exportações do Brasil), mas isso é insuficiente perto do que outros países fazem.

No Brasil há o marketing negativo feito pelos concorrentes, dizendo, por exemplo, que o Brasil planta soja e cria boi na floresta Amazônica. Não é isso. Quem queima a floresta Amazônica é índio e por outras razões. Mas isso é dito no mundo inteiro e o Brasil não tem resposta. Pelo contrário, o que sai aqui dá força para essas idéias, sem clarear o que realmente ocorre.

GLOBO ONLINE: O senhor acha que esse problema na floresta Amazônica não existe?

PRATINI: Ninguém planta nada na floresta amazônica. Só nos povoados. Os índios queimam, mas ninguém tem coragem de dizer. Sabe como acontece? Eles dividem essas áreas como se fosse uma pizza e queimam um pedaço. No ano seguinte eles plantam nesse pedaço e queimam ao lado. É para subsistência. A floresta volta depois de 12, 15 anos e eles queimam novamente.

Também quem queima é quem corta árvores grandes, eles queimam para poder transportar. Mas não é boi nem soja, que não existem na Amazônia. Boi se produz no Sul do Pará. Ali é savana. Eles queimam savana e deixam 20, 30% que é o permitido.

GLOBO ONLINE: O senhor se referiu à logística como um problema a ser resolvido para o país manter os atuais níveis de exportação. Quais são os principais gargalos da logística brasileira?

PRATINI: Paranaguá tem problemas sérios, tanto na parte gerencial quanto de dragagem. Há também a questão das ferrovias, que deveriam chegar mais no Norte (do país). Tem também a (necessidade de) pavimentação da estrada Cuiabá-Santarem e (abertura do) acesso do Oeste (região Oeste) aos portos de Santos e Paranaguá.

GLOBO ONLINE: Qual a sua análise sobre a questão da vigilância sanitária? Há representantes da pecuária reclamando da morosidade das ações governamentais e da queda no repasse de recursos para o ministério executar esta função.

PRATINI: Essa é outra questão que começa a preocupar: a capacidade do país em ampliar as atividades na área de vigilância sanitária. Por falta de recursos de um lado e por falta de estrutura do ministério da agricultura para dar as informações solicitadas em velocidade recomendada.

GLOBO ONLINE: Com as dificuldades apontadas pelo senhor, qual a perspectiva das exportações para 2005?

PRATINI: Na medida em que o dólar se desvaloriza nos mercados internacionais vai ficando mais difícil competir. Se não houver um programa agressivo de redução de custos para as exportações já a partir desse ano, teremos conseqüências graves em 2005, quando será muito difícil repetir (os resultados de) 2004. Agora, os mercados mundiais continuarão crescendo. Pode crescer menos nos EUA e mais no Japão. Não há perspectiva de recessão de caráter mundial. A tendência do mundo é o comércio internacional continuar crescendo no mínimo 5% ao ano. E há espaço para o Brasil crescer, principalmente no campo do agronegócio porque o país é a última fronteira agrícola do mundo. Temos uma condição especial, dependente fundamentalmente de logística, marketing e vigilância sanitária.

GLOBO ONLINE: Há produtores reclamando que algumas ferrovias, cujos donos também são proprietários de empresas exportadoras, compram mais vagões para transportar as mercadorias próprias do que para o serviço a terceiros. É verdade?

PRATINI: Isso pode acontecer eventualmente. Mas não é o foco. Só procede para o pessoal do café (cuja rota sai de Minas Gerais e poderia escoar mais pelo porto de Vitória, no Espírito Santo). Seria uma alternativa interessante se pudéssemos exportar mais café. Mas o problema não é sentido nas outras regiões do país.

GLOBO ONLINE: O senhor falou há pouco sobre as obrigações do governo. E as empresas? Como elas estão se preparando para manter os mercados conquistados num ambiente de acirrada concorrência? Afinal, apesar dos problemas, há mercados a serem mantidos, pelo menos, não?

PRATINI: As empresas estão se preparando, se internacionalizando, abrindo escritórios no exterior e atuando mais agressivamente. Mas ainda dependemos muito de gente que vem aqui comprar. O Brasil é um país “comprado”. Não vende. Além disso, em função de uma legislação tributária anacrônica, o grosso das operações de comércio exterior sai de paraísos fiscais e por traders. É muito difícil operar aqui. Pela legislação, se vendermos ou comprarmos alguma coisa fora, isso é ilegal, mau feito ou contrabando. É um viés anticomércio exterior que vem da nossa origem colonial. O Brasil é até hoje, do ponto de vista cultural, uma colônia econômica. Durante a revolução industrial quando se faziam máquinas a vapor e teares automáticos em todo o resto do mundo, no Brasil, a única coisa que se podia produzir era tecido para escravos. Só com a vinda dos imigrantes o país começou a pensar em produzir alguma coisa. Além disso, é um país cuja mentalidade é para adquirir patrimônio e não trabalhar.

Nós ainda não conseguimos superar a cultura nacional. Tanto que a esquerda brasileira é reacionária, não gosta de mudanças. A Marina Silva é contra tecnologia. É contra os trangênicos. Mas é contra até pesquisar. E é por isso que o mundo está deixando o Brasil de lado. Precisamos enfrentar as questões colocadas no mundo e não deixa-las de lado, como se não existissem.

GLOBO ONLINE: O presidente do BNDES, Carlos Lessa, declarou haver recursos para financiamentos, mas não haver procura por parte das empresas para financiamentos. As companhias do agronegócio estão procurando os recursos disponíveis para aumentar suas produções?

PRATINI: O agronegócio foi quem mais procurou o banco. Mas as empresas procurarão empréstimos e investirão quando tiverem condições macroeconômicas de exportar. A nossa exportação está começando a ficar limitada por logística, tributos e marketing. Enquanto não existir horizonte claro sobre as saídas para os portos, a questão da Amazônia e incentivo para fazermos propaganda do país, ninguém investirá.

GLOBO ONLINE: Pela sua análise, as medidas a serem tomadas estão mais na mão do governo do que das empresas.

PRATINI: Exatamente. E não podemos pensar que o câmbio compensa esses custos extras que as empresas têm. O câmbio está mudando porque o dólar está caindo no mundo inteiro. Não porque o real está se valorizando.

GLOBO ONLINE: Novas empresas estão surgindo no agronegócio e aproveitando este boom das exportações ou apenas as grandes aproveitam a oportunidade?

PRATINI: Sim. Há pólos sendo criados. Vá a Lucas do Rio Verde e Rondonópolis, ambos no Mato Grosso, a Luis Eduardo Magalhães, no Oeste da Bahia. É produção de soja, algodão e café irrigado. Nova Andradina, no Mato Grosso do Sul, o Oeste e Noroeste de São Paulo, são outros exemplos. Você não acredita no que vê. Não há pobreza, falta mão-de-obra. Na região de Bagé (Sul) onde só havia boi, hoje se planta 1,7 mil hectares de uva.

GLOBO ONLINE: Quais na sua opinião são as medidas práticas a serem tomadas pelo governo para resolver os problemas do comércio exterior?

PRATINI: Fazer reforma tributária sem viés antiexportação. Porque o que se faz acaba esbarrando na questão dos Estados.

Na infra-estrutura é preciso dar celeridade às concessões para que o setor privado faça. Mas tem que simplificar. Não é possível que uma estrada leve 10 anos para ser construída. Virou uma indústria no Brasil segurar projetos com argumentos ambientais.

E também, se quisermos crescer, principalmente na área do comércio internacional, o governo precisa de duas coisas: garantir a propriedade privada e governo e justiça devem assegurar o cumprimento de contratos. Senão, não haverá investimento no país ou será insuficiente para as nossas ambições. Mas isso é questão de política. Na minha opinião, o que adianta o Brasil ser líder dos pobres? Tem é que ser membro da OCDE.

Fonte: Globo Online (por Claudia Lobo), adaptado por Equipe BeefPoint

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