A acidose lática é um distúrbio metabólico, causado pela ingestão de grande quantidade de grãos ou outros alimentos altamente fermentáveis no rúmen. Todas as categorias animais podem ser afetadas por essa enfermidade, sendo mais comum nos períodos iniciais do processo de engorda, quando ocorre rápida mudança para a dieta de terminação (alta densidade energética). Os animais de origem zebuína são mais sensíveis à acidose quando comparados com animais taurinos ou cruzados.
A ingestão de grandes quantidades de grãos vai promover alterações na microflora ruminal, resultando na predominância de bactérias gram-positivas. Também ocorre queda do pH ruminal, levando à diminuição dos movimentos ruminais e ao aumento da pressão osmótica do líquido ruminal. Com o aumento da pressão osmótica, vai ocorrer afluxo de líquidos vasculares, resultando em desidratação, diarréia e acidose sanguínea decorrentes da grande quantidade de ácido lático absorvido, excedendo a capacidade tamponante do bicarbonato plasmático.
O fornecimento de microorganismos para animais de produção, principalmente monogástricos, é uma atividade bastante desenvolvida. Basicamente o fornecimento de probióticos visa o fornecimento de microorganismos (principalmente do gênero Lactobacillus) com estabelecimento, proliferação e atuação nos intestinos. Porém, há alguns indícios de que o fornecimento de microorganismos via dieta para ruminantes, pode ter efeito benéfico ao equilíbrio ruminal, prevenindo doenças metabólicas como a acidose lática.
Ghorbani et al. (2002) avaliou os efeitos do fornecimento diário de diferentes microorganismos para bovinos confinados recebendo grandes quantidades de concentrado. Foram utilizados bovinos adultos, divididos em três tratamentos: 1) controle; 2) Propionibacterium P15 (P15 consumidor de lactato); 3) Propionibacterium P15 + Enterococcus faecium (PE produtor de lactato). Foi utilizado leite em pó como veículo para a inclusão das bactérias na dieta dos animais. As quantidades preparadas foram de 1 x 109 ufc/g (unidades formadoras de colônia por grama), num total de 10 g/animal/dia.
As medidas de pH foram feitas através de eletrodo fixado nas cânulas ruminais, obtendo-se valores a cada 5 segundos e médias registradas para análise a cada 15 minutos. Amostras de líquido ruminal foram coletadas para medidas de ácidos graxos voláteis (AGVs), N-NH3 e protozoários. No final de cada período foi feita coleta de sangue para determinação de pH, CO2, células totais e desidrogenase lática.
Não foram observadas diferenças entre os tratamentos na ingestão de matéria seca, bem como o pH ruminal, que apresentou valores médios de 5,71. Os valores máximos e mínimos de pH também não foram afetados, apresentando flutuação semelhante durante os períodos observados. A queda do pH ruminal ocorre devido ao acúmulo de AGVs no rúmen, principalmente o lactato. Em casos de acidose aguda, as concentrações de lactato são de aproximadamente 50 mM. Já nos casos de acidose subclínica, esse aumento é bem menor estando ao redor de 10 mM apenas (Burrin e Britton, 1986).
As concentrações de acetato foram maiores, e as de valerato menores para os animais do grupo PE, não havendo diferenças entre os demais AGV (tabela 2). As concentrações de lactato apresentaram valores abaixo do mínimo para detecção (< 1 mM) em todos os tratamentos. O tratamento P15 apresentou maiores concentrações de butirato em relação ao controle. As conseqüências do aumento das concentrações de butirato no rúmen ainda não são conhecidas. A concentração de N-NH3 tendeu ser maior para o tratamento P15 em relação aos demais.
O aumento nas quantidades de protozoários para os tratamentos P15 e PE, em relação ao grupo controle, foi o maior efeito observado para o fornecimento de microorganismos via dieta. Houve um maior número de protozoários P15 em relação ao PE, sendo ambos maior que o controle. A maior quantidade de protozoários observada no tratamento P15, provavelmente aumentou a reciclagem de N bacteriano, demonstrada pela maior concentração de N-NH3 O aumento do número de protozoários também pode ter sido o responsável pelo aumento da concentração de butirato no líquido ruminal.
O mecanismo pelo qual os tratamentos levaram aos aumentos no número de protozoários não foi explicado pelos autores. Segundo Newbold et al., (1987) citados por Ghorbani et al., (2002) os protozoários são responsáveis por grande parte da utilização do ácido lático presente no líquido ruminal, podendo prevenir acidose. Foi observada diminuição na quantidade de bactérias amilolíticas no tratamento P15, provavelmente devido à ação predatória dos protozoários. Os protozoários englobam partículas de amido, e junto, bactérias aderidas a essa partícula.
Em relação aos parâmetros sanguíneos, foi observada tendência de diminuição da concentração de CO2 (P<0,10), e aumento significativo (P<0,05) da desidrogenase lática (DL) para o tratamento P15 (tabela 3). A queda da concentração do CO2 sanguíneo, provavelmente está relacionado à manutenção do poder tamponante do bicarbonato, considerado como preventivo no desenvolvimento de acidose lática. O aumento nas concentrações da DL está relacionado ao aumento da necessidade de metabolização do lactato sanguíneo.
O estudo da flora ruminal é de extrema importância para o avanço na nutrição de ruminantes. Porém, muitas interações estão envolvidas no estabelecimento de equilíbrio entre microorganismos, sendo que o crescimento de uma determinada população pode inibir outra, e vice-versa.
Os resultados mais importantes do presente trabalho estão relacionados ao aumento dos protozoários nos tratamentos com adição de bactérias (P15 e P15+PE), e à diminuição da concentração de CO2 e ao aumento da concentração da DL para o tratamento com bactérias consumidoras de lactato (P15).
A inclusão de microorganismos consumidores de lactato na dieta de bovinos de corte poderá se tornar uma eficiente ferramenta no controle do ambiente ruminal, inclusive como possível aditivo para o aumento das quantidades de concentrado em dietas de zebuínos.
Rerências bibliográficas
BURRIN, D.G.; BRITTON, R.A. Response to monensin in cattle during subacute acidosis. J. Anim. Sci., v. 63, p. 888-893, 1986.
GHORBANI, G.R.; MORGAVI, D.P.; BEAUCHEMIN, K.A.; LEEDLE, J.A.Z. Effects of bacterial direct-fed microbials on ruminal fermentation, blood variables, and the microbial populations of feedlot cattle. J. Anim. Sci., v. 80, p. 1977-1986, 2002.