Por Angélica Simone Cravo Pereira1
Definição de carne, classificação dos produtos cárneos e autenticidade alimentar
Na indústria de alimentos, o processamento deve ser definido como qualquer alteração nas propriedades intencionalmente induzida por meios físicos, químicos ou biológicos. Com respeito à carne, variam os tratamentos, com efeito na natureza do produto cárneo, como nos cortes, na embalagem, etc.
Devido ao fato da carne ser predisposta à descoloração, putrefação e outros fatores de decomposição, qualquer operação que previna ou retarde essas mudanças naturais deve ser preservada. O princípio da preservação dos alimentos pode ser dividido em três grupos: 1) Métodos pelos quais a natureza do alimento é levemente modificada e os alimentos permanecem desfavoráveis à multiplicação de microrganismos. 2) Métodos pelos quais microrganismos não são inativados, mas o ambiente é modificado, de tal forma que a taxa de crescimento é reduzida, ou inibida. 3) Combinações de métodos descritos em ambos grupos.
A Tabela 1 apresenta uma revisão da existência de técnicas aplicadas à preservação de alimentos.
Definição de carne
No Dutch Food e Comodities Act (1998) carne é definida como: “todas as partes de um animal abatido, mantidas como alimento, que são favoráveis ao consumo humano”. De acordo com o regulamento Nacional de Inspeção da Carne, podem ser excluídos os seguintes itens para o consumo humano: chifres, cascos, unhas, pêlos, pele (exceto pele de suínos). Certas partes de outros animais são destinadas com o propósito farmacêutico ou técnico (como ex: partes dos aparatos genital e urinário, cartilagens de laringe, olhos, ductos auditivos externos, tecido de chifres e glândulas tireóide), ou ainda para alimentação animal.
Convém ressaltar que, o que é considerado adulteração em um país, pode ser aceitável em outro. Sempre há diferenças entre os países, no que pode ser considerado “carne”. Componentes que podem ser inseridos nesta categoria, por exemplo, plasma sangüíneo e carnes mecanicamente separadas, contudo, podem causar confusão para os consumidores. Portanto, são essenciais as definições classificadas nas Tabelas 2 e 3.
Processamento de carnes em condições inalteradas
A carne pode ser processada em condições inalteradas em duas formas: i) cortes, fatias, quartos e ii) moída. Ainda, carnes de diferentes espécies de animais podem ser combinadas a outras formas de mistura.
Carnes processadas comumente são oferecidas à venda embaladas. A carne vendida no varejo para o consumidor é freqüentemente apresentada em embalagens de oxigênio permeável (para melhor manutenção da cor). Embalagens à venda nas cadeias comerciais são comumente apresentadas à vácuo (aplicadas principalmente em carnes) ou em atmosfera modificada (20 a 30% CO2, 70-80% O2). Ambas embalagens melhoram a “vida de prateleira” das carnes. Todas as carnes frescas (embaladas) devem ser armazenadas e transportadas sob condições de constante refrigeração (< 7oC).
A “vida de prateleira” deve ser amplamente melhorada em carnes, que são rapidamente congeladas e mantidas sob condição de refrigeração (< -18oC). O crescimento de microrganismos é completamente inibido, aproximadamente a -10oC. Entretanto, processos físicos (sublimação de cristais de gelo) e processos químicos (rancificação) ainda podem ocorrer, em taxas menores.
Carnes moídas podem ser vendidas como tais, embaladas, além de ser processadas, ex: as lingüiças frescas. Ainda, sal e condimentos podem ser misturados à carne moída e são geralmente adicionados à carne suína.
As carnes reestruturadas são produzidas pela composição de partículas, ou pedaços, a fim de aderir, para formar uma unidade vinda desses fragmentos. Isso pode ser realizado através de aquecimento (geralmente sal e oligofosfatos são adicionados), ou sem a aplicação de calor (conjunto de frio misturado a uma temperatura entre 0 e 7oC). A aparência final da carne reestruturada deve ser semelhante a cortes frescos. Sem a adição de sal e fosfatos, sistemas de formação de gel e similares devem ser aplicados, como a caseína/transglutaminase. A caseína é derivada do leite bovino, enquanto a transglutaminase é obtida comercialmente de origem microbiana.
Produtos cárneos
Produtos cárneos podem ser classificados, baseados nos princípios de preservação, em:
1 – Produtos cárneos apertizados/esterilizados com considerável “vida de prateleira”. A “vida de prateleira” desses produtos é primariamente baseada na intensidade de seus tratamentos de calor.
Devido à variação observada na intensidade de aquecimento, pode haver variação na qualidade dos produtos.
HTST (processos de altas temperaturas em curto tempo) geralmente produzem aquecimento dos alimentos de melhor qualidade, sem prejudicar sua segurança.
Podem ser encontrados dois grupos: produtos provenientes de carne moída (como carne enlatada e pasta de fígado), ou, ainda, de partes diferenciadas do animal (como coxa, língua, etc).
2 – Produtos cárneos pasteurizados com “vida de prateleira” limitada, em conseqüência do tratamento mais brando de aquecimento.
Para melhorar a “vida de prateleira”, medidas adicionais são necessárias, como manter tais produtos em temperaturas inferiores à refrigeração, ou diminuindo a atividade de água, ou o pH.
Durante a pasteurização, o centro dos produtos cárneos atinge temperaturas ao redor de 65-80oC, dependendo do tipo de produto. Aquecendo músculos intactos, como coxas, pode levar ao encolhimento e expulsão da mistura. Consequentemente, processos moderados, incluindo aquecimento em ambiente a 80oC e o centro da temperatura atingindo 65-70oC, são comumente aplicados. Alguns tipos de produtos cárneos moídos são aquecidos mais intensamente e o centro da temperatura chega a 80oC, maior do que pode ser aplicado.
Produtos pasteurizados podem ser comparados a produtos esterilizados. Exemplos de ambas categorias, carnes moídas e partes do conjunto do animal, são:
– Lingüiças defumadas, lingüiças de fígado.
– Presunto cozido e fígado cozido.
3 – Produtos cárneos crus com longa “vida de prateleira”, primariamente obtidos pela redução da atividade de água, às vezes em combinação com baixo pH.
Produtos com baixo pH são, de maneira geral, fermentados e derivados da carne moída e podem ser classificados em algumas categorias mencionadas, como o salame e as carnes curadas.
4 – Produtos crus com limitada “vida de prateleira”
Essencialmente produtos levemente desidratados, não necessariamente fermentados e/o salgados estão nesta categoria, como as lingüiças e carnes defumadas.
Envoltórios derivados de animal
Para o preparo de lingüiças cruas (fermentados), tradicionalmente a carne moída é envolvida em pele, ou em envoltórios derivados de animais, como estômagos, intestinos, bexiga, etc., provenientes principalmente de suínos, ovinos e bovinos. Ainda, são utilizados com o mesmo propósito, envoltórios manufaturados de colágeno, ou alternativamente a celulose, materiais com uso crescente na indústria ultimamente.
Ingredientes derivados de animais e aditivos
Em produtos cárneos, vários tipos de ingredientes provenientes de animais podem ser aplicados. Em muitos casos, o produto atual, ou o maior princípio ativo funcionalmente é uma proteína, ou um composto de proteínas. Outros produtos a ser discutidos são os aromas e extratos de carne.
A razão para a adição de proteínas “extra” é a incorporação da mistura e da gordura, durante o aquecimento, auxiliando, assim, na formação da estrutura, no aumento do conteúdo de proteína e na redução do custo através da substituição da carne pela proteína. Exemplos típicos deste grupo de ingredientes são:
– Produtos derivados de pele de suínos e couro de bovinos, músculos e intestinos: couro em pó; emulsão de colágeno e gelatina.
– Produtos derivados do sangue,
– Produtos derivados do leite bovino,
– Produtos derivados de ovos.
Aromas e extratos de carne podem ser aplicados em produtos cárneos, a fim de elevar o sabor e paladar desses produtos. Os primeiros são obtidos pela hidrólise das proteínas, que podem ser provenientes de origem animal, ou vegetal.
Extratos de carne são obtidos pela extração da carne, com água quente e, subseqüentemente, pela concentração do extrato. Deve-se observar que aromas e extratos de carne podem ser derivados de várias espécies de animais.
Conclusões
Os princípios do processamento de carnes foram discutidos com ênfase nos efeitos graduais de vários tipos de produtos cárneos processados, e, em segundo plano, de materiais originários de animais, adicionados, ou aplicados em envoltórios de produtos cárneos.
Produzir informações necessárias nas rotulagens dos produtos, como habilitar decisões informadas e assegurar que o produto é realmente aquilo que foi proposto inicialmente, deve ser reconhecido pelo comércio, indústria e autoridades, como um produto de valor superior que vai de encontro aos anseios do consumidor.
Tabela 1: Técnicas antimicrobianas existentes empregadas na preservação de alimentos.
Tabela 2 – Definição de carne
Tabela 3 – Máximo do conteúdo de gordura e tecido conectivo para a categoria “carne”
Trabalho adaptado de Fleischwirstchaft International, vol. 2, 2002
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1 Angélica Simone Cravo Pereira, Médica Veterinária, pós graduanda em Qualidade e Produtividade Animal, FZEA – USP, Pirassununga, SP
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O artigo da Angélica Simone Cravo Pereira sobre “Princípios do processamento de carnes” está excelente, enriqueceu bastante à revisão que estava realizando.
Parabéns pela qualidade do artigo.