Valor Nutritivo de silagens produzidas com milho fisiologicamente imaturo para gado de corte
1 de agosto de 2003
CPI das Carnes ouve primeiros depoimentos no RS
5 de agosto de 2003

Prof Dr Cláudio Haddad: Produção ecológica contra barreiras não tarifárias

Cláudio Haddad é professor da ESALQ/USP da discuplina Bovinocultura de corte e especialista na produção orgânica de gado de corte. Nessa entrevista ao BeefPoint, fala da produção, mercado e perspectivas da carne orgânica produzida no Brasil.

BeefPoint: Como estão os projetos orgânicos de cria, recria e engorda hoje no Brasil?

Prof Cláudio Haddad: Os projetos de cria, recria e engorda orgânicos estão sendo tocados normalmente. Quem está na atividade já tem seu nicho próprio de mercado, mas a Pecuária Orgânica ressente-se da ausência de legislação brasileira que permita sua rotulagem no mercado interno.

BeefPoint: Quais são as perspectivas de comercialização de carne bovina orgância?

CH: As perspectivas são, para o mercado interno, o fornecimento de carne orgânico tão logo haja amparo legal de rotulagem. O mercado potencial existe, e deve ser explorado. Já para o mercado externo, a produção está ajustada para a exportação, não havendo procura por mais mercado por não haver aumento de produção. Observa-se que, para exportar, é preciso identificar um mercado específico, com exigências próprias que seguem a linha IFOAM, mas não necessariamente aceita todos os requisitos IFOAM, isto é, apresentam requisitos adicionais. É preciso então, identificar o mercado e suas características, e depois ajustar a produção.

BeefPoint: Quais são as perspectivas mais a médio-longo prazo?

CH: As perspectivas a médio prazo são muito boas. Se pensarmos em um bovino para abate, como linha de desmontagem do animal, há certas “peças” fáceis de serem comercializadas (traseiro nobre) no mercado externo convencional, e outras de colocação mais difícil.

No caso da pecuária orgânica, as “peças” constituintes do boi orgânico são melhor aceitas no mercado externo, incluindo o dianteiro, couro, sangue (albumina), verga (para a China) e retalhos (destino pet-food).

É importante ressaltar que os países europeus mais desenvolvidos já têm lei aprovada garantindo fornecimento exclusivo de alimentos orgânicos no “baby food” e na merenda escolar. Isto tudo vai gerar uma grande demanda, onde somente poucos países têm reais condições de fornecimento a preços competitivos.

Portanto, as perspectivas são excelentes, mas a produção orgânica de carne bovina não pode virar “oba-oba” de aventureiros e oportunistas, daí a grande cautela que o tema exige.

Profissionalismo, agressividade, seriedade e cumprimento de prazos e de remessas são condições básicas para a colocação de carne orgânica no exigente mercado externo.

BeefPoint: Existe mercado no Brasil para esse produto?

CH: Sim. Pesquisa realizada em supermercados para as classes A e B na cidade de São Paulo, identificou um bom mercado potencial para a carne orgânica.

BeefPoint: E o vitelo do Pantanal, quais são as perspectivas? Seria voltado para o mercado interno ou externo? Como passar a barreira de que o Pantanal não pode exportar por ter doenças como a aftosa?

CH: O vitelo do Pantanal insere-se dentro da Pecuária Orgânica como mais um produto, com nicho mercadológico bem específico. Não há tradição no consumo de carne de vitelo no Brasil, e como a produção é concebida, trata-se de um produto qualificado no mercado externo como vitellone, isto é, um animal que não teve dieta exclusiva de leite, mas de pasto também.

Basicamente é um produto de exportação. Quanto às barreiras sanitárias, o Pantanal como área tampão deve produzir seus animais orgânicos, os quais deverão ser terminados na região peri-pantaneira, ou seja, na bordadura do Pantanal onde não há barreiras para a exportação.

Acreditamos que a médio prazo, com o esforço brasileiro para a erradicação da febre aftosa no Paraguai e Bolívia, toda área do Chaco e Pantanal estarão aptas para terminação e venda de animais orgânicos.

BeefPoint: Quais são as áreas que o senhor considera mais adequadas a produção de bovinos de corte, no sistema orgânico, no Brasil, para cria, recria e engorda?

CH: O sistema orgânico deve ser encarado como uma atividade de “dentro para fora”, ou seja, característico de áreas que sofreram pouca ou nenhuma influência de insumos externos. Também sua competitividade econômica é maior em áreas que não admitam crescimento vertical intenso (aumento de produção/ área) sob pena de intensa degradação ambiental.

Nessa linha de raciocínio, os melhores lugares para se fazer pecuária orgânica seriam o Pantanal, Ilha de Marajó e Pampas (cria e recria) e a engorda realizada no entorno periférico dessas regiões. A certificação orgânica é mais rápida nas regiões citadas do que nas demais, embora a pecuária orgânica possa ser praticada em qualquer área do País.

BeefPoint: Quais as diferenças na comercialização de animais produzidos num sistema orgânico, de animais criados sem certificação, no sistema tradicional? É mais complexo?

CH: O sistema orgânico é tradicionalmente rastreado e certificado, muito antes da obrigatoriedade de rastreamento recentemente implementado pelo Ministério da Agricultura. Isso se deu devido ao fato de não se comercializar orgânicos sem o respectivo selo, e esse é produto de rastreabilidade séria desenvolvida e monitorada pelas certificadoras.

A rigor, os métodos são muito semelhantes, mas a fiscalização no ambiente orgânico é mais efetiva.

BeefPoint: No ano de 2001 houve um “boom” de interesse pelo assunto. Alguns frigoríficos começaram a produzir e a exportar. No momento parece que esses projetos não foram adiante, ou não tiveram o grande sucesso esperado. Qual a opinião do senhor sobre isso?

CH: Praticamente todos os frigoríficos exportadores estão certificados para manipular e exportar carne e produtos orgânicos. Ocorre que a produção interna ainda é incipiente, e o mercado externo se faz com volume e regularidade de embarque. Na minha opinião, é preciso quebrar o clima de desconfiança entre produtores e frigoríficos que rege o mercado tradicional, para um sistema sério de parceria.

Essa parceria não pode ter cunho imediatista de resultados, com evidente benefício para ambas as partes. Acredito que as alianças entre pecuaristas e frigoríficos seriam o melhor método para se atingir os objetivos propostos.

BeefPoint: Qual a recomendação para alguém que está interessado em iniciar a produção de carne orgânica?

CH: O interessado em iniciar a produção orgânica deve recorrer a uma orientação técnica no sentido de avaliar o potencial produtivo da propriedade, recomendar modificações necessárias e estimar o tempo real de conversão para a obtenção do selo orgânico. Posteriormente, elaborar um Projeto de Conversão e submetê-lo às certificadoras, para fundamental aprovação.

BeefPoint: Qual a perspectiva do senhor do Brasil se tornar um produtor conhecido de carne orgânica de qualidade? Quais são os desafios para isso?

CH: O Brasil é o país que reúne as mais fantásticas condições de produção de carne orgânica de qualidade. Os principais desafios não são técnicos, mas basicamente operacionais. Importante ressaltar que o consumo e a produção de orgânicos no mundo cresce a um ritmo alucinante, e cada vez mais há consciência de consumo de alimentos seguros por parte da população do 1o mundo.

Da mesma forma que as perspectivas de produção e exportação da carne não orgânica são excepcionais, o produto orgânico acompanha essa tendência, lembrando que o binômio ecologicamente correto e socialmente justo concorre para derrubar possíveis barreiras não tarifárias.

0 Comments

  1. Carlos Arthur Ortenblad disse:

    BeefPoint e/ou Prof. Haddad,

    Como adepto de produção direcionada para mercados e/ou nichos específicos, gostaria de saber:

    (1) Custo médio de @ de novilho orgânico?

    (2) Qual o acréscimo de valor para o novilho orgânico, em relação ao “tradicional”?

    (3) Como solucionar, contornar ou amenizar o que o próprio Prof. Haddad menciona: “Se pensarmos em um bovino para abate, como linha de desmontagem do animal, há certas “peças” fáceis de serem comercializadas (traseiro nobre) no mercado externo convencional, e outras de colocação mais difícil.” ?

    Obrigado,

  2. Miguel G. Russo disse:

    Parabéns ao Prof Cláudio Haddad pela sua visão quanto a produção e mercado de gado e carne orgânica no Brasil.

  3. walterson rabelo disse:

    Parabéns, isso que é uma reportagem.