O Brasil corre o risco de não obter acesso adicional aos mercados para seus principais produtos de exportação, a depender da proposta de corte tarifário em exame nas discussões agrícolas na Organização Mundial de Comércio (OMC). Simulações elaboradas pelo G-20, grupo liderado pelo Brasil, Índia e China, mostram que a fórmula “com boas probabilidades de ser aceita” implica redução das tarifas de países industrializados por volta de 36%.
Esse corte é altamente insuficiente para abrir mercados para produtos de interesse comercial do Brasil, como carnes, açúcar, tabaco, que são submetidos a tarifas variando de 50% a 300%, segundo negociadores. Na mesma linha, o Abare, instituto de pesquisa agrícola, que dá peso à posição da Austrália, como líder do Grupo de Cairns, mostra que, para que as exportações de carne bovina tenham maior acesso, é necessária uma redução de pelo menos 45% na tarifa consolidada da União Européia e de 77% nos EUA.
O texto Derbez, base das consultas agrícolas que prosseguem amanhã para tentar reativar a Rodada de Doha, tem “sérias deficiências” em toda a parte agrícola, mas o problema crucial está no acesso a mercado. O texto propõe uma fórmula “mista” com três enfoques de redução de tarifas, deixando ao país escolher qual produto coloca em cada categoria de corte.
O primeiro prevê aplicação de uma redução linear, mas exigindo corte mínimo para cada linha tarifária, repetindo o que aconteceu na Rodada Uruguai (1985-1994). Outro grupo de produtos seria submetido à “fórmula suíça”, com corte maior para as tarifas mais altas e menor para as mais baixas. E as tarifas sobre outros produtos seriam eliminadas. Pelas simulações do G-20, a fórmula “mista” é idêntica à estrutura tarifária dos países industrializados. Significa que os ricos cortariam menos que o exigido dos países em desenvolvimento, que têm pouca variação tarifária. O Brasil, por exemplo, tem só duas: de 35% e de 55% (esta para importação de produtos notoriamente subsidiados como trigo, arroz e lácteos).
Os países mais protecionistas têm muitas linhas tarifárias para produtos agrícolas, mas só uma pequena porcentagem é para produtos de substancial interesse comercial. Assim, é provável que justamente esses produtos sejam submetidos a cortes mínimos, enquanto o grosso das linhas tarifárias com pouco ou nenhum interesse comercial sofram reduções maiores.
Exemplo do Abare: a União Européia tem mais de 2 mil linhas tarifárias agrícolas e, os EUA, cerca de 1,4 mil, mas um pequeno número de linhas tarifárias cobre importações altamente sensíveis, como açúcar e lácteos. Na UE, apenas 10% das linhas tarifárias representam 80% do valor das importações agrícolas em 2001. Resultado: menos de 1% das linhas tarifárias da UE e dos EUA precisariam ser submetidos à fórmula da Rodada Uruguai.
As simulações do G-20 indicam que o Brasil só teria acesso adicional a seus produtos agrícolas mais importantes em outros países em desenvolvimento, onde já não tem problemas hoje, segundo negociadores. O que conduz países, como o Brasil, a tentar uma revisão significativa do texto Derbez, se quiserem garantir melhores oportunidades de exportação com a liberalização agrícola prevista no mandato que lançou a Rodada de Doha.
O grupo liderado pelo Brasil pediu para a OMC fazer outras simulações, que poderão ser utilizadas nas negociações. Para o Abare, não tem jeito: revisões no texto são necessárias nos pilares de subsídios à exportação e de apoio doméstico, mas o elemento chave será substituir a atual fórmula “mista” de redução tarifária por um enfoque onde os cortes seriam baseados na tarifa consolidada.
Fonte: Valor On Line (por Assis Moreira), adaptado por Equipe BeefPoint