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Quais serviços uma associação de pecuaristas pode (deve) oferecer?

Associação de pecuaristas é um dos principais temas a serem discutidos em 2010. O cenário das forças que afetam a pecuária mudou muito rapidamente, aumentando (e muito) a necessidade de organização, aumento de escala, representação setorial e mais eficiência. O objetivo desse artigo é levantar e discutir os serviços que uma associação de pecuaristas pode (ou deve) oferecer a seus associados.

Associação de pecuaristas é um dos principais temas a serem discutidos em 2010. O cenário das forças que afetam a pecuária mudou muito rapidamente, aumentando (e muito) a necessidade de organização, aumento de escala, representação setorial e mais eficiência. O objetivo desse artigo é levantar e discutir os serviços que uma associação de pecuaristas pode (ou deve) oferecer a seus associados.

Esses serviços podem ser divididos em quatro áreas: 1-representação setorial, 2-gestão, 3-eficiência comercial e 4-agregação de valor. Também é de fundamental importância avaliar qual a métrica (medida) para o sucesso de uma associação e quais os princípios devem nortear uma entidade que traga resultados efetivos.

Acompanhe esse levantamento e participe, comentando quais os serviços você considera mais relevantes. Avalie também se você concorda com a métrica de sucesso e princípios apresentados.

Acredito que teremos cada vez mais associações, cada vez mais fortes. Por uma clara necessidade de mercado e melhor resultado de produtores que participem de associações eficientes. Será um processo de “seleção natural”. Essas entidades terão diversos formatos: representação política, associação de raças, de confinadores, de produtores certificados, associações regionais, produtores de determinada marca ou selo de carne.

Representação setorial

Essa é a atuação mais tradicional e continua muito importante. O impacto das políticas públicas na lucratividade do setor é grande. A legislação de rastreabilidade, reserva legal, índices de produtividade impactam fortemente como o negócio pecuária é tocado hoje e como será amanhã. Participar ativamente e influenciar esse processo é fundamental.

O que vai aumentar daqui em diante é a participação de mais gente nesse processo e também a transparência e atualização em quase tempo real dos acontecimentos. Buscar formas de se apresentar o que está sendo feito, qual o prazo que se pode esperar, data para próximas ações, pode ajudar e muito a dar velocidade.

Um dos pontos chave para um bom gerenciamento de projetos, em qualquer área, é ter definido as responsabilidades de cada um e se ter transparência sobre o andamento (ou não) de cada etapa. O setor público tem sido lento em responder a demandas dos produtores e o aumento de transparência ajuda a acelerar esse processo.

Essa influência política pode ser local, regional e nacional. Há trabalho em cada uma dessas frentes.

Gestão

A melhoria na gestão da produção pecuária é um dos maiores gargalos e fundamental para aumento da lucratividade. As associações podem ajudar e muito. Treinamentos e capacitação de mão-de-obra em manejo, bem-estar, boas práticas. Há muito o que fazer. A demanda é grande. Um percentual muito grande de fazendas ainda não oferece capacitação adequada e constante aos seus colaboradores.

Outro serviço importante é a avaliação genética, buscando oferecer a melhor genética para cada sistema de produção e região. Associações regionais podem contribuir muito nesse processo de avaliação, seleção e uso da melhor genética para determinada região. A escolha genética mais adequada a um determinado local e objetivo deveria ser a no Brasil.

Planejamento estratégico. Pouquíssimos produtores fazem um plano para o médio-longo prazo, se preparam para suas etapas, implementam e acompanham os resultados, calibrando seus projetos de um, cinco e dez anos. Associações podem trazer conhecimento, oferecendo cursos sobre o assunto e também conduzir um plano regional, levantando para uma determinada região e sistema de produção quais ameaças e oportunidades, pontos fortes e fracos.

Do ponto de vista mais prático e ligado ao dia a dia, associações podem realizar dias de campo, para difundir práticas de sucesso na região e começar a criar sistemas de comparação (benchmarks) locais e regionais. Esses sistemas de comparação são cada vez mais usados por empresas de grande sucesso, pois permitem que se avalie quem tem o melhor desempenho em cada uma das etapas. Permite que se estude o porque desse melhor resultado. E melhor ainda, ajuda e estimula que todos busquem alcançar (e até ultrapassar) o melhor resultado já obtido naquela etapa. Em muitos casos, é criada uma competição informal, onde cada um quer ser o melhor em cada indicador, acelerando ainda mais o aumento da eficiência.

Se isso for aplicado regionalmente, usando-se métricas certas, pode acelerar e muito o aumento da eficiência, boas práticas, qualidade do produto final e lucratividade.

Como ainda não há um padrão brasileiro de toalete e até pesagem, outro serviço que há demanda é o acompanhamento técnico e profissional de abates. O importante é que esse acompanhamento seja técnico e feito por profissionais especializados. A presença física na planta frigorífica durante o abate não melhora ou garante nada. Só uma pessoa capacitada será capaz de avaliar e principalmente discutir os critérios a serem adotados. Esse acompanhamento também ajuda a medir os resultados do pecuarista: por exemplo, o rendimento de carcaça desse lote (ou desse ano) foi melhor ou pior que o anterior. O que influenciou nesse resultado? O que pode ser mudado/melhorado?

Eficiência comercial

A busca por uma maior eficiência comercial é outra área que muitas associações tentam atender. Uma associação é uma oportunidade de aumento de escala, aumento do poder de barganha. Pode representar melhor acesso dentro de um parceiro comercial (cliente ou fornecedor). Ainda há muitos desafios nessa área, pois é difícil passar do levantamento de preços para a negociação conjunta. E muitas vezes uma condição comercial identificada pela associação é usada para se iniciar uma outra negociação fora da entidade, o que enfraquece.

Pool de venda de gado gordo para frigoríficos é uma tentativa há muitos anos nessa área. Em geral a associação não comercializa os animais, mas atua no contato com a alta diretoria dos frigoríficos e participa das negociação. Esse meio termo parece estar funcionando bem para associações como a Aprova, de Goiás.

O pool de compras de insumos também é outra modalidade muito utilizada. Os problemas enfrentados são similares ao do pool de venda. É comum alguém “furar” o pool, usando a associação como ferramenta para conseguir uma condição individual melhor. Quando isso ocorre com frequencia, o pool perde força e credibilidade junto aos fornecedores.

Muitas associações buscam melhorar a compra de insumos e venda de seus produtos, mas há uma área que pode trazer excelentes resultados e ainda é muito pouco explorada. A contratação de serviços em grupo para uma determinada região é uma ideia que pode trazer excelentes resultados. Imagine um grupo de produtores negociando com uma empresa de consultoria um serviço para uma determinada região. Os valores individuais poderiam ser mais baixos, custos de deslocamentos divididos e o serviço prestado também seria de melhor qualidade. O resultado também deve chegar mais rápido.

Os serviços seriam de melhor qualidade pois seria viável para os técnicos investir mais tempo em aprender as particuliaridades daquela região, sugerindo soluções com ajuste fino, com precisão. Imagine ainda que esse grupo de pecuaristas inclua nessa consultoria em grupo um sistema de comparação de resultados entre as fazendas, usando métricas uniformes. Um acelerador de resultados.

Agregação de valor

A carne bovina tem uma característica especial. É o centro do prato. É utilizado em comemorações e festas. É mais do que um alimento saudável. Tem uma caracterítica de prazer, de satisfação, até de entretenimento. Logo, há muito espaço para agregação de valor desse produto e pouco ainda é feito no Brasil. Além disso, a agregação de valor do produto carne, passa pelo cuidado especial na produção do boi.

Há muito o que fazer. Veja algumas das possibilidades:

– Promoção de uma raça. Essa é a atuação mais tradicional de associações e o que mais tem tido resultado. Um dos motivos é que a raça se torna uma paixão, que une os associados e também facilita muito identificar o que precisa ser feito, quais os objetivos, onde se quer chegar.

– Denominação de origem. Uma associação pode diferenciar a produção de seus associados identificando, certificando e divulgando as características únicas da produção de uma determinada região. No sul do RS, em Dom Pedrito, a Apropampa realiza um trabalho nesse sentido, com sucesso. Em Goiás, a Aprova inicia um trabalho nessa mesma linha.

– Certificação em conjunto. Da mesma forma que se pode vender e comprar em conjunto, se pode fazer uma certificação em conjunto, diminuindo custos. Além disso, um grupo com maior volume de animais pode mais facilmente agregar valor para seus produtos certificados. A ABPO é um exemplo de sucesso nessa área. Um surpresa por exemplo é não haver uma associação de produtores exportadores de carne para Europa, ou seja, produtores que tenham fazendas na lista Traces da UE.

– Criação de selos de qualidade, marca e marketing de carne. Esse seria o último passo da agregação de valor. O produtor (associação) ser o dono da marca da carne que o consumidor final vê. Essa maior proximidade do produtor com o consumidor pode ajudar muito: maior velocidade em entender o que o mercado demanda, maior lucratividade, melhor imagem do setor produtivo junto a sociedade civil. Enfim, as vantagens são muitas, mas as barreiras são grandes. Os frigoríficos e o varejo também querem ser donos da marca e desfrutar desses benefícios. No Brasil, os maiores trabalhos nessa área são da associação de criadores de Nelore e de Angus, com número e histórico interessante. Nos EUA, os criadores de Angus têm uma marca desde 1978 (32 anos!) e conquistaram muito sucesso e lucro com isso. É um modelo para pecuaristas de todo o mundo.

Métrica para sucesso

A principal métrica para uma associação deveria ser: agregação de valor para seus associados. Ou seja, levantar de forma mais clara possível, quanto custou e quanto a associação trouxe de retorno. Essa quantificação é muitas vezes difícil, mas fundamental para que a associação se fortaleça. Minha sugestão é que cada associação busque quantificar o valor que está gerando para cada associado e passe essa informação abertamente.

Essa métrica para o sucesso leva a outro ponto fundamental para o sucesso de uma entidade: comunicação. É imprescindível que a associação esteja sempre em contato, reportando o que vem sendo feito, o que deu certo, o que deu errado, planos futuros, eventos, ações, etc. A vantagem é que as possibilidades de comunicação, com associados e potenciais novos associados é cada vez mais acessível.

Além disso, essa métrica única deve ser utilizada para se avaliar e escolher novos projetos. Vale a pena criar um selo de qualidade? Vale a pena construir uma nova sede? Vale a pena contratar uma consultoria em grupo para nossos associados? Ao se avaliar cada decisão com base nessa métrica, as discussões se tornam mais focadas e chegar a um acordo é mais fácil.

Princípios

Para finalizar, aproveito para uma reflexão sobre os princípios para uma associação de sucesso. Preparei uma pequena lista e peço sua contribuição. Por favor reflita, sobre o que é realmente importante. Pense sobre o que não pode ficar de fora.

– Transparência. Muito importante para fortalecer a confiança entre os associados, estimular a entrada de novos membros e também garantir uma boa imagem com a sociedade em geral. Transparência é o primeiro passo para a confiança.

– Meritocracia. A definição da palavra já diz muito: forma de governo baseada no mérito. Quando aplicada, proporciona maior justiça e também melhores resultados. Muito difícil conseguir imaginar grande sucesso, de longo prazo, sem meritocracia.

– Foco em resultados. Em especial no resultado certo. Escolher qual a meta certa a ser buscada é tão importante quanto atingir a meta. Apresentar e divulgar quais as metas específicas de uma associação ajuda e muito a alinhar interesses, identificar novos membros com o perfil desejado. Além de alcançar mais rapidamente os objetivos.

– Projeto de poder X projeto econômico. As quatro maiores cooperativas leiteiras do Brasil estão em processo avançado de fusão. Ao invés de quatro presidentes, será apenas um. Tradicionalmente isso é muito dificil de ocorrer no Brasil e é um dos pontos mais importantes para que uma associação e até mesmo empresa tenha um grande sucesso. Em alguns casos, será melhor participar de algo muito maior, do que ser o “dono” de algo bem pequeno. O impacto tende a ser muito maior.

Te convido a refletir sobre os serviços que uma associação pode (e deve) prestar a seus associados. E sobre quais os princípios e métricas de sucesso devem ser utilizados.

10 Comments

  1. Martinho Mello de Oliveira disse:

    Excelente a reflexão, parabéns Miguel Cavalcante, este arcabouso abre um leque enorme de possibilidades para as associações atuarem de forma efetiva na busca do bem comum, na defesa dos direitos e prerrogativas dos sócios e no fortalecimento da instituição. A entidade que tem como parâmetro e norte, pelo menos parte desse formato, sem sombra de dúvidas, será coroada de êxito.

  2. Ricardo de Castro Merola disse:

    Miguel muito bom seu artigo, se algumas associações praticassem parte do que você disse seria ótimo.

    Parabéns

  3. Marcio Trajano Borges Telles disse:

    Em primeiro lugar gostaria de parabeniza-lo pela idéia, que não é só sua mas voce teve o despreendimento , o interesse, o trabalho de nos colocar de forma clara os ideais desta associação. A muito penso nesta idéia , logico que não tão clara como voce colocou. Acho que diante de tantas fusões estamos até atrazados neste processo e temos que tirar o atrazo e estruturar radidamente a nossa associação antes que nos coloquem numa berlinda sem saída. Não é o momento mas sugiro até a cobrança de valor na razão de 1% de toda e qualquer movimentação na propriedade . Este valor tem que ser algo expressivo pra que tenhamos poder e valores pra investir pesado na midia principalmente televisiva e revertermos a imagem de bandido que nos atribuiram e principalmente explicar da grandeza de nosso negocio para o pais e principalmente pra valorizar este alimento tão importante.
    Parabéns pela iniciativa .

  4. marcio glayton araújo grangeiro disse:

    Prezado Miguel,

    Parabenizo pelo excelente artigo, sem dúvida alguma as formas associativas de produção devem ser priorizadas em nossa atualidade porém, é muito importante que toda e qualquer forma de associativisto tenha esse princípios dentro do coração de cada participante, até porque, só assim poderemos fazer um setor forte, competitivo e respeitável, pois afinal de contas somos os responsáveis pela a alimentação diária de milhões de brasileiros.
    Parabéns.

  5. Paulo Varela Sendin disse:

    Parabéns pelo enfoque dado ao artigo.
    Estou dando consultoria a um outro setor econômico, ajudando a definir objetivos e forma de atuação integrada de um grupo de pequenos empresários.
    Embora seja um setor econômico urbano, sem nenhuma conexão com a pecuária, a maior parte das ideias básicas do artigo são adaptáveis ao grupo com que estou trabalhando…
    Obrigado!

    Paulo Varela Sendin
    Engenheiro Agrônomo
    Londrina PR

  6. Mario Wolf Filho disse:

    Exelente é oque nos agropecuaristas estamos precisando, temos que sacudir os pecuaristas para acordarem para estas nescessidades pois se não acordarmos vamos virar, prestadores de seviços, mau remunerados dos grandes grupos que explorão o nosso setor.

    um abraço Miguel

  7. Lincoln Correia disse:

    Muito bem colocados os objetivos da associação.
    a parte de gestão é a meu ver o principal foco que uma entidade pode transferir aos associados,principalmente em tecnologia,genética e na avaliação dos animais acabados e outros mais.

  8. Eduardo da Rocha Leão disse:

    Caro Miguel,
    Estou presidente da Associação Brasileira de BLONEL, difusora da mais nova e promissora raça do mundo, que para orgulho de nosso povo é genuinamente brasileira, sintetizada especialmente para países de clima tropical, pelos graus de sangue 5/8 Blonde e 3/8 Nelore, conforme detalhes encontrados no site: http://www.blonel.org.br e gostaria aqui de parabeniza-lo por seu excelente artigo.
    Suas abordagens estão perfeitas, fazendo-me recomenda-las à todos os nossos associados e amigos pecuaristas.

  9. Marco Fernando Michelotti disse:

    Prezado Miguel,

    Parabéns pelo artigo, que no cenário atual vem a ser muito oportuno. A pecuária brasileira apesar de ser a mais competitiva internacionalmente deixa a desejar em muitos quesitos internos. Tenho um desejo de formar uma associação local entre os criadores, porém queria um grupo mais homogêneo onde os pecuaristas se preocupem mais com o aumento de produção e renda do que discutirem que tem o touro mais pesado na fazenda. A luta vai ser grande.

    Abraço

  10. Jean-Yves Carfantan disse:

    As associações regionais de pecuaristas deveriam se preocupar cada vez mais pela comercialização da carne para conseguir agregar valor ao produto. Uma longa experiência de contatos e conversas com os operadores do mercado europeu (tradings especializadas, varejistas, redes de restaurantes) mostra que esse mercado fica cada vez mais segmentado. Em um mercado cada vez mais segmentado e diversificado, estudar as melhores estratégias utilizadas por empresas semelhantes torna-se um caminho eficaz para o bom desempenho de qualquer negócio. Nos países mais ricos do bloco europeu, as cadeias de carne onde a remuneração do pecuarista melhorou nos últimos anos são as cadeias que valorizam a identidade regional. Na maioria dos casos, o bom posicionamento das carnes no mercado é ligado ao trabalho de uma associação local de pecuaristas que tem negociado com o varejo e um frigorifico um dispositivo novo de cooperação. Nesse dispositivo, a associação de pecuaristas sempre tem um papel de destaque no marketing do produto final. O que leva o consumidor europeu a privilegiar esses produtos regionais é a possibilidade que ele tem de conhecer as condições de produção, desde o nascimento do bezerro até os tratos veterinários e as medidas de preservação ambiental. O consumidor tem acesso a essas informações quando existe uma associação de pecuarista mobilizada para comunicar com o mercado. Talvez a consolidação e a diversificação dos objetivos das associações de pecuaristas brasileiros seja o caminho para a carne nacional reconquistar o espaço perdido no mercado que mais remunera a carne bovina. Recentemente, numa reunião com tradings de carne em Londres, um importador experimentado salientou esse ponto de uma maneira bem clara ao frisar que para reconquistar esse mercado, não basta a pecuária brasileira se adequar com as normas européias e oferecer produtos de qualidade. Falou que para seduzir os compradores europeus é preciso contar uma historia, montar um marketing valorizando a identidade regional, os objetivos ambientais, as condições de vida dos animais. Quem pode contar essa historia, se não for uma associação local de pecuaristas ?