Síntese Agropecuária BM&F – 13/02/03
13 de fevereiro de 2003
Rebanho rastreado soma apenas 0,7% do total
17 de fevereiro de 2003

Qual o melhor cruzamento?

Por Miguel da Rocha Cavalcanti1

Nas últimas semanas o BeefPoint tem se tornado um centro de discussão sobre utilização de raças em cruzamentos. Vários artigos na seção Espaço aberto, o comentário do Prof. Celso Boin da semana passada, além de inúmeras cartas de leitores comentando esses artigos e com opiniões diversas sobre o assunto, que levanta tanta discussão por ser polêmico e muitas vezes por incluir paixão por determinada raça.

Existe um grande esforço por parte dos criadores de todas as raças para difundir suas qualidades características. E como todos sabem, todas as raças tem qualidades e defeitos, que se exprimem de acordo com o ambiente. Muitas vezes essas raças foram utilizadas fora do sistema de produção mais adequado ao seu biótipo e seleção. Antes de se falar qual é melhor ou pior, é preciso saber em que condições e com qual objetivo. Existem trabalhos técnicos da década de 60 publicados nos EUA mostrando que animais diferentes podem ter desempenhos opostos em ambientes diferentes, isto é, o melhor pode se tornar o pior em situação adversa.

Parece que isso está relativamente bem esclarecido, principalmente por erros cometidos em diversas propriedades quando utilizaram animais de alta produtividade e alta exigência em ambientes de média/baixa disponibilidade nutricional. Por outro lado será muito improvável ter animais de menor exigência desempenhando melhor que animais de alto desempenho com todas suas exigências atendidas.

Acredito que esse tem sido o grande problema hoje ao se decidir pela utilização de determinada raça. Mas se acreditamos que o Brasil vai se tornar realmente importante no mercado internacional de carne bovina e além disso acreditamos ser possível produzir carne de qualidade para o mercado interno (será que agrada ver a picanha argentina ser vendida mais cara que a brasileira no supermercado, pelo fato de ser argentina?) é preciso pensar em outro ponto bastante importante: a carne a ser produzida deve ser adequada ao seu consumidor. E esse consumidor é diferente em cada local e em cada mercado.

Existe hoje no Brasil genética disponível das mais diversas raças. E os exemplares de cada raça são de alta qualidade, pois temos adquirido os melhores exemplares no exterior. O nosso Nelore não é inferior ao indiano, Limousin não perde em nada para o francês, o mesmo ocorrendo com Angus, Marchigiana, etc.

A saída é criar a demanda ou encontrar o mercado que deseja determinada carne. De nada adianta falar que determinada raça é isso ou aquilo, sem mercado diferenciado.

O Aberdeen Angus é uma raça de extremo sucesso hoje nos EUA porque conseguiu provar que carne de Angus tem mercado garantido. Hoje são abatidos mais de 1 milhão de animais por mês sendo 170 mil animais classificados dentro do padrão da marca Certified Angus Beef. E, além disso, a carne desses animais dá mais renda para supermercados, confinadores, produtores e criadores de gado registrado. É vendida nos melhores restaurantes americanos e exportada para mais de 50 países. A demanda de reprodutores Angus aumentou muito nos últimos anos devido à carne Angus e isso pode vir a acontecer no Brasil também.

Para isso é preciso ter um número grande de animais abatidos (quem sabe 1 milhão por ano?) dentro de rígidos padrões de controle que vão garantir carne uniforme, de acordo com as exigências do mercado consumidor. Que mercado? Pode ser a carne natural do Nelore criado em Rondônia para consumidores preocupados com o meio ambiente, pode ser a novilha Limousin confinada superprecoce, para quem busca maciez extra. Pode ser o Angus com marmoreio superior para o mercado japonês ou a carne de Marchigiana extra magra para o mercado italiano.

É preciso oferecer um programa completo, envolvendo manejo nutricional, sanitário, genética, treinamento de mão-de-obra, normas de qualidade e padrões de idade, peso, acabamento de gordura que sejam adequados ao mercado tido como meta.

Organizar a produção de um número grande de animais dentro do mesmo padrão e conseguir colocar esse produto no nicho de mercado que deseja e paga mais por ele é bem mais difícil do que apenas dizer que determinada raça é melhor ou pior. Mas com certeza será bem mais eficiente no médio e longo prazo. E, com certeza, iniciativas bem sucedidas nesse sentido trarão benefícios para os produtores e para a economia brasileira, exportando mais e criando mais empregos.

_________________________
1Miguel da Rocha Cavalcanti é engenheiro agrônomo pela ESALQ/USP, pecuarista e coordenador do BeefPoint.

0 Comments

  1. Carlos Arthur Ortenblad disse:

    Miguel,

    Em brevíssimo resumo em relação a seu artigo: ótimo.

    De forma simples, direta e abrangente, você normatizou o rumo do debate.

    Parabéns,

  2. Alexandre Zadra disse:

    Trabalho há 13 anos assessorando produtores em todo território nacional e é indiscutível a necessidade do cruzamento para o aumento de produção em 20%.

    Para se definir a raça à ser utilizada, deve-se primeiramente saber o sistema de cruzamento ideal para a realidade do produtor em questão. E essa decisão depende de alguns fatores, tais como;

    1.Matrizes – Tipo racial e Quantidade
    2.Facilidade de reposição de novilhas.
    3.Mercado à ser atingido
    4.Alimentação para acabamento da carcaça (Confinamento ou à pasto).
    5.Nível de Mão de obra.

    Mas, de um modo geral, as melhores matrizes são as cruzadas de tamanho médio(até 520 Kg), desmamando bezerros com 50% de seu peso vivo. E para fazê-las, deve-se usar raças britânicas (Angus ou Hereford) e sobre essa 1/2 sangue, se o produtor comprar suas novilhas zebuínas pelo preço das vacas descarte, poderá usar sêmen de touros Canchim, Santa Gertrudis, Simbrasil, como raça terminal(abatendo ou vendendo todos produtos) ou mesmo uma raça Taurina adaptada como o Senepol, Bonsmara ou Caracu, essas podendo aproveitá-las como matrizes.

    Caso o produtor queira fazer o superprecoce, confinando os animais à partir da desmama, deve usar sobre as 1/2 sangue uma raça européia Continental, como o Simental, Braunvieh, Charoles, Limousin, Blonde, Marchigiana ou Piemontês.

  3. Maurício cesar lopes do Nascimento disse:

    Prezados Srs.

    Gostaria de perguntar se ao invés de Marchigiana não seria a carne de Piemontês preferida pelos italianos, em termos de pouca gordura.

    Também é de se considerar que atualmente o consumo de carne sem marmoreio e com menos gordura, na linha de produtos Fat free, vem crescendo em muito nos EUA.

    Atenciosamente

  4. William Koury Filho disse:

    Parabéns Miguel,

    Habilmente você coloca o fato de que: não existe “receita de bolo” quando o assunto é pecuária bovina de corte.

  5. Filelfo de Carvalho Magliocca disse:

    A diversidade genetica é a grande ferramenta no setor de produção.

    Não somente na agricultura, onde os avanços na produção de novas variedades e cultivares, assim como na pecuária, principalmente em aves e suínos, a combinação de raças se faz presente e com grande sucesso, pois ela propicia índices valorosos tanto em produtividade como em comercialização. Hoje no Brasil encontramos grandes selecionadores do mais alto nível em praticamente em todas as raças.

    É inconcebível pensar, hoje, com tantos trabalhos publicados pelas entidades de mais alto nível deste país, que o real ganho destas combinações não tenha valor.

    Todos sabem e os números comprovam, que nosso país evoluiu e muito nestes últimos anos, principalmente em fertilidade, números de bezerros nascidos, precocidade na idade de abate, qualidade de carne etc; podemos e devemos melhorar ainda mais, mas parece que alguns esquecem da grande parcela de contribuição do cruzamento industrial. Não somente através da heterose mas também em técnicas de manejo (pastagens, mineralização, reprodução, etc) e agora vamos esqueçer tudo isso? Ignorar nossos feitos?

    Nosso zebu é e tem tudo para ser o melhor, é o nosso carro chefe, por isso temos que ter o maior critério de seleção possível, não pensando somente em show, mais sim principalmente em fertilidade, habilidade maternal e nutrição, pois o que for de exigência do mercado de carne, este será atendido. Em outras palavras nossas fêmeas tem como obrigação serem boas mães; “não se faz carne sem leite”.

    Outra ótica, com aumento demográfico acelerado, com advento da tecnologia no plantio de grãos, por especial o soja, onde praticamente não há mais restrição de regiões de plantio e escoamento de safra, e ainda programas vultuosos de preservação ambiental, fazem com que grandes áreas que antes era reservadas para a pecuária tradicional tornem-se inviáveis ao longo do tempo.

    Por tudo isto nós temos que estar preparados, temos que ser eficientes, rapidos controlando e mantendo a qualidade; e ao meu ver não menos importante manter a produção em escala; garantindo assim, aos nossos clientes o produto certo no prazo correto.

    O nosso produtor garantirá o número de bezerros nascidos assim como o peso adequado na desmama, as alianças garantirão a compra efetiva dos bezerros valorizando o melhor produto, esta garantirá ao cliente qualidade dos animais e da carne, assim como escala de abate e este cliente garante ao consumidor final a qualidade do produto e frequencia de oferta o ano todo sem grandes variações de preço.

    Tudo isso pode ser utopia, mas se quisermos ser não só o maior produtor de carne mas o melhor, atendendo todas as exigências do mercado, temos que nos preparar desde já e sermos mais profissionais deixando os modismos para outros setores da economia.