EUA: Burger King lança o “Grande Hambúrguer Americano” que promete ser o mais suculento dos hambúrgueres
3 de julho de 2003
Animais rastreados poderão ter valor diferenciado
7 de julho de 2003

Qual o “problema” do animal de cruzamento industrial para o frigorífico?

Por Marcelo de Queioz Manella1

Nos últimos tempos têm havido grandes discussões sobre a “rejeição” dos frigoríficos por animais generalizados como cruzamento industrial. Tal fato vem gerando grande confusão a respeito do cruzamento industrial entre alguns produtores, desencorajando muitos a aderir a esta técnica, como pode ser observado em artigo publicado na Gazeta Mercantil e reproduzido no giro do boi. (Gado europeu perde espaço para zebu 4/6/2003).

No ano passado, escrevemos 3 artigos relacionados a cruzamento industrial, sendo apresentados alguns conceitos e definições, bem como rápida caracterização dos diferentes tipos biológicos para crescimento, precocidade, etc., sendo interessante a leitura dos radares: Tipos biológicos de bovinos para produção de carne (19/4/2002) e Cruzamento industrial para produção de carne ( 8/5/2002).

Apesar da grande repercussão a respeito do assunto, a definição de cruzamento industrial ainda não está bem clara, pelo que tenho observado em conversa com alunos, produtores e até mesmo na imprensa. Para isto, gostaria de definir que o termo “cruzamento industrial”, em pecuária de corte, refere-se a cruzamento entre duas ou mais raças de bovinos de aptidão para corte, com o objetivo de incrementos da características desejáveis (otimização de material genético) para produção de carne. Ou, de forma mais clara, é o cruzamento de raças adaptadas para corte, para aumento da produção de carne! Portanto, neste ponto, gostaria de esclarecer, e enfatizar, que o cruzamento de Zebuínos com raças adaptadas para leite, não são e, portanto, não devem ser chamados de cruzamento industrial, por razões óbvias.

No artigo da Gazeta Mercantil há relatos sobre a rejeição e descontos impostos por frigoríficos a animais oriundos de cruzamentos da raça Holandesa, ou animais mal acabados (capa de gordura < 5 mm). Parte, se não a grande maioria, dos animais que recebem alguma forma de desconto são os animais de cruzas leiteiras ou os tucuras. Estes últimos são animais geralmente sem raça ou padrão definido, apresentando porte e carcaça inferior, geralmente bastante debilitados. Os animais de raças leiteiras são selecionados e adaptados para produção de leite, apresentando tamanho corporal maior, com estrutura óssea bastante avantajada, porém, com massa muscular mais delgada ou fina e maior peso das vísceras, conferindo a estes animais baixo rendimento de carcaça e de cortes.

Os animais de cruzas leiteiras são mais tardios em relação aos animais de corte para deposição de gordura. Na figura 1, ao comparar um exemplo de animais das raças puras Angus e Holandês, é possível observar os diferentes pesos para que a mesma categoria animal tenha quantidade de gordura na carcaça semelhantes. Os animais Angus, neste aspecto, são bastante precoces, enquanto os Holandeses são mais tardios. Porém, devemos salientar que a maior parte da gordura corporal de animais Holandeses é depositada nas vísceras, sendo que, invariavelmente para estes animais há a necessidade de serem abatidos ainda com peso maior para atingir o mínimo de cobertura de gordura na carcaça (5 mm).

Outro ponto que deve ser levado em consideração é que estes apresentam exigências energéticas elevadas em relação às raças adaptadas para corte. Almeida e Lanna (2003, radar Sistemas de Produção: Consumo Alimentar em Bovinos de Corte – 16/4/2003) revisaram que o consumo de matéria seca (CMS) para novilhos Holandeses foi, em média, 12% superior do que o CMS de novilhos de raças de corte com pesos vivos iniciais semelhantes. O maior CMS de novilhos Holandeses pode ser devido à maior demanda energética para manutenção e crescimento – animais Holandeses parecem ter uma maior proporção de vísceras e trato digestivo, os quais aumentam sua taxa metabólica.

E, com a alimentação deficiente encontrada na maioria das propriedades, torna-se mais difícil que estes animais atinjam um bom acabamento.

Figura 1: Relação entre a % de gordura corporal e peso vazio de animais das raças Angus e Holandeza (1-novilhas angus; 2-novilhas holandezas, 3 -novilhos angus; 4- novilhos holandezes; 5-machos Angus; 6-machos Holadezes).

Fonte: NRC (1996).

As características dos animais de cruzas leiteiras acima descritas, são as principais causas do deságio para animais mestiços. Porém, em relação aos animais de cruzamento industrial, qual seria o real motivo da desvalorização destes animais ao abate?

Barbosa (2002) realizou uma extenso levantamento de dados em diversos trabalhos onde se comparavam as características produtivas de diferentes grupamentos genéticos de raças de corte em relação aos zebuínos puros. Os componentes produtivos considerados no trabalho são peso de carcaça, idade e acabamento (Espessura de gordura, mm) para animais terminados em confinamento ou pasto (tabela 1 e 2).

Tabela 1: Número de estimativas (N) e médias do desempenho relativo (%) para peso de carcaça (kg), idade de abate (meses) e espessura de gordura (mm), de acordo com o grupo genético, para animais terminados em confinamento


Tabela 2: Número de estimativas (N) e médias do desempenho relativo (%) para peso de carcaça (kg), idade de abate (meses) e espessura de gordura (mm), de acordo com o grupo genético, para animais terminados em regime de pastagens.

Segundo Barbosa (2002), e como pode ser observado nas tabelas acima, os animais cruzados foram abatidos com idade inferior aos zebuínos, para um mesmo peso de carcaça. Porém, é possível notar o menor grau de acabamento em praticamente todas as situações de cruzamento, independente de animais terminados a pasto ou em confinamento. Segundo o autor, os resultados indicariam que os animais de cruzamento industrial estariam sendo abatidos com o peso abaixo do ideal para que apresentem a espessura ideal de gordura subcutânea (5 mm).

Entretanto, devemos chamar a atenção de que a principal causa dos animais de cruzamento não estarem atingindo o grau de acabamento ideal, é simplesmente a nutrição inadequada. As raças européias, por terem maiores taxas de crescimento, e maior peso adulto em relação aos zebuínos, consequentemente apresentam maiores exigências energéticas para que todo o seu potencial genético seja explorado. Com base no artigo de Almeida e Lanna, citados anteriormente, foi possível observar que o consumo de MS de animais europeus puros (Angus) e cruzados (Brangus) foram 12 e 10% superiores em relação aos animais Nelore, respectivamente. Com base nestes dados pode-se concluir que as diferenças de consumo estão relacionadas às diferentes exigências energéticas.

Um dos fatores limitantes na produção de carne do país é a ineficiência em suprir alimentação adequada para o rebanho, ou melhor “o problema é a falta de comida”. Neste cenário, animais de maior exigência, como os cruzados criados de maneira “tradicional”, têm o seu desenvolvimento prejudicado, sendo abatidos com peso e acabamento de carcaça inadequados. Enquanto o animal Zebu, que tem menor exigência, é o meno prejudicado.

Recentemente, lendo alguns depoimentos dos maiores frigoríficos do país, todos foram bem claros que as restrições são apenas aos animais de cruza leiteiras, sendo que existe uma certa preferência por animais de cruzamento industrial, pois o mercado de restaurantes e Europeu exige carne mais macia, saborosa e cortes padronizados, e que não há diferença entre o preço pago ao Nelore. Porém, todos afirmaram que o animal ideal para abate de cruzamento industrial é aquele com carcaça entre 255 a 270 kg, castrados e, principalmente, com bom acabamento, ou seja no mínimo 5 mm de gordura.

“O preço pago para animais anelorados ou cruzados é o mesmo, desde que castrados e com bom acabamento” (depoimento do Frigorífico Independência – Revista Tecnologia de Gestão Pecuária- Agosto de 2002).

Resultados de pesquisa e simulações econômicas de Instituições como a Embrapa, demostram que o cruzamento industrial permite incrementos na produtividade de até 25%. Mas o cruzamento por si só não faz milagre, se não for feito o “arroz com feijão” na fazenda.

Cundiff et al. (1993) ao concluir um trabalho de mais de 30 anos com cruzamentos de diferentes raças resume o cruzamento industrial com a seguinte frase: “Nenhuma raça foi superior em todas as características para produção de carne bovina. Sistemas de cruzamento que exploram a heterose e a complementariedade e compatibilizam o potencial genético com restrições de mercado, alimentares e de clima fornecem o meio mais efetivo de melhorar geneticamente a eficiência da produção”.

E, por fim, para responder a pergunta colocada no início deste radar, o real problema do cruzamento industrial é a falta de comida, fruto da falta de profissionalismo.

Literatura Consultada:

ALMEIDA, R. & D.P.D. LANNA. 2003. Influence of breed on performance and dry matter intake by feedlot bull calves in Brazil. J. Anim. Sci. 81, Suppl. 1.

BARBOSA, P. F. Crzamento Industrial: Onde Quando e Porque? Encontro Nacional do Novilho Precoce. Cuiabá -MT. 2002.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL. 1996. Nutrient Requirements of Beef Cattle, Seventh Ed. Washington, D.C.: National Academy Press.
______________________________________
1Médico veterinário, doutorando em Ciência Animal e Pastagens, ESALQ/USP

0 Comments

  1. Rubens Mendes Veloso Júnior disse:

    Muito esclarecedor este artigo. Agora sei que, como tudo, o cruzamento industrial tem seus prós e seus contras.