Bernardes1, L. A. H. & Prata2, L. F.
PRINCIPAIS MÉTODOS DE DETERMINAÇÃO DE QUALIDADE DA CARNE
pH
A determinação do pH é a forma mais comum e universalmente aceita como indicador da qualidade final da carne. Normalmente, dentro da primeira hora post-mortem, quando a temperatura da carcaça ainda está entre 37 e 40ºC, o pH declina de 7,2 a aproximadamente 6,2 (MURRAY, 1995). Se os níveis de glicogênio estão baixos no momento do abate, devido ao estresse sofrido pelo animal em períodos pré-abate (mas não imediatamente anterior à insensibilização), como no jejum prolongado, a queda total do pH é muito menor e o pH determinado às 24 horas post-mortem (pHu) permanece acima de 6,0, levando ao aparecimento da condição DFD. Se o pH declina numa taxa muito acima da normal, atingindo valores abaixo de 6,0 já na primeira hora (pH45 – geralmente medido aos 45 minutos pós-abate), provavelmente resultará na condição PSE (Figura 1).
Fig. 1 – Efeito do tempo pós-abate sobre a queda do valor de pH do músculo para diferentes padrões de qualidade
Comumente o pH45 é utilizado como indicador de PSE (pH45<6,0) e o pHu como indicador de DFD (pHu >6,0), mas o ideal é que essas medidas sejam acompanhadas por algum método de determinação de cor e de CRA no diagnóstico de alterações de qualidade, para que se obtenham resultados mais confiáveis.
O pH pode ser determinado inserindo-se, diretamente na carne, um eletrodo acoplado a um pH-metro ou, alternativamente, tomando-se uma amostra de carne e homogeneizando-a em solução de KCl (150mM)/iodoacetato de sódio (5mM), para posterior leitura. Geralmente as medidas são feitas sobre os músculos LD (Longissimus dorsi) ou SM (Semi-membranosus), que têm partes expostas quando a carcaça ainda está inteira, apenas serrada ao meio, e porque as análises nesses locais apresentam altas correlações com as características de outros músculos. No tempo 24 horas post-mortem, na determinação do pHu, as carcaças podem estar desossadas e a medida do pH torna-se mais fácil.
Vários fatores podem afetar a precisão e a eficiência da medida de pH. A manipulação do pH-metro deve ser criteriosa, realizando-se a calibração e a certificação em intervalos freqüentes, de acordo com a intensidade e velocidade de uso do aparelho, além da higienização e manutenção adequadas. A temperatura afeta os sistemas-tampão naturais do músculo. O pH é diminuído em 0,1 a 0,15 unidades para um aumento de 10ºC na temperatura da carne, e eleva-se na mesma proporção para uma queda de 10ºC. A medida em amostras com variação muito grande de temperatura (geralmente acima de 5ºC) pode induzir a erros. O local e profundidade de inserção do eletrodo devem ser padronizados. Usualmente o pH45 é determinado por inserção do eletrodo através de um corte feito entre duas costelas (geralmente entre a terceira e a quarta de cima para baixo, considerando-se a carcaça pendurada) ou na altura da última costela, regiões essas preconizadas devido à boa correlação das leituras com outros parâmetros. É comum encontrar-se variações de até 0,5 unidade de pH em um mesmo local no músculo, por essa razão, medidas em duplicatas ou triplicatas são recomendadas.
Vários são os métodos existentes para avaliação de qualidade de carne suína complementares ao pH, tanto objetivos quanto subjetivos, e muitos outros estão em aperfeiçoamento ou desenvolvimento, procurando sempre atender aos critérios de praticidade, confiabilidade e custo. Cada um tem suas aplicações e limitações.
CAPACIDADE DE RETENÇÃO DE ÁGUA (CRA)
Os métodos para determinação da CRA são divididos em três categorias: aqueles que aplicam somente a força da gravidade, aqueles nos quais uma força adicional é aplicada e os métodos indiretos. As principais técnicas dentro de cada categoria estão brevemente descritas a seguir.
Métodos que usam a força da gravidade:
Drip loss (HONIKEL, 1987): constitui medida objetiva da CRA, originalmente desenvolvida para o músculo LD. Uma fatia de carne de espessura de 2,5cm e aproximadamente 150g, livre de gordura e tecido conjuntivo adjacente, é pendurada por um fio de nylon dentro de um saco de polietileno, de forma que não haja contato da amostra com o plástico ou com o líquido que se deposita no fundo. O conjunto é armazenado a 0-4ºC por 48 ou 72 horas e então as amostras são levemente secadas e repesadas. A CRA é expressa como a porcentagem de perda de peso em relação ao peso inicial. Um método semelhante é realizar o cozimento de uma amostra de carne, obedecendo a alguns critérios (tamanho/temperatura), e determinar a perda de peso. Aplica-se, nesse caso, uma força termal, mas estudos indicam que esse método não se correlaciona bem com as perdas determinadas em amostras de carnes cruas. É importante lembrar que a CRA pode variar ao longo do eixo do músculo LD e avaliações pelo menos em duplicatas são recomendadas.
Métodos que utilizam uma força adicional:
Pressão em papel de filtro (GRAU e HAMM, 1953): fornece resultado relacionado à CRA. Uma amostra de 300 mg aproximadamente é prensada sobre papel de filtro, entre duas placas de acrílico, durante um tempo determinado (geralmente 5 minutos). A água liberada impregna o papel de filtro formando um anel ao redor do delgado filme de carne. A CRA é expressa através de um índice correspondente à diferença de peso do papel de filtro ou à relação da área manchada por líquido sobre a área da amostra prensada. A pressão exercida pode ser controlada por uma prensa hidráulica ou outros equipamentos, empregados mais em nível de pesquisa, mas há pouco acréscimo de precisão sobre a pressão aplicada manualmente, apertando-se as placas através de parafusos ou utilizando-se um peso fixo sobre elas. Além da destruição da microestrutura das amostras, esse método apresenta outras desvantagens que exigem certos cuidados, como a necessidade de padronização extrema das amostras em função do tamanho delas e a perda por evaporação, especialmente em ambientes de baixa umidade. Porém, é rápido e tem sido efetivo em predizer a exsudação durante a estocagem refrigerada.
Centrifugação em alta velocidade (BOUTON et al., 1971): constitui-se em medida relacionada à CRA. Uma centrifugação em alta velocidade é usada para remover a água fracamente ligada. Amostras de 1 a 20g são centrifugadas com forças variando de 5.000 a 40.000g. A quantidade de água liberada é determinada diretamente por pesagem do líquido ou, indiretamente, por pesagem da amostra após a centrifugação. É um método complicado porque as amostras variam em compressibilidade e elasticidade. Produtos elásticos deformam durante a centrifugação, mas, ao cessar a força centrífuga, eles recuperam a forma e podem até absorver certa quantidade da água antes liberada. Entretanto, esse método mostrou-se efetivo em estimar a perda de líquido de amostras de carne crua durante a estocagem.
Centrifugação em baixa velocidade: também utiliza uma força centrífuga, porém aplica um aparato que impede a reabsorção de qualquer quantidade de água liberada. Amostras de 3-15g são centrifugadas entre 200 e 800g em tubos especialmente desenhados. Estes tubos contêm um disco perfurado, colocado na metade inferior do tubo, que mantém a amostra separada do líqüido. Como resultado calcula-se a perda de peso da amostra após a centrifugação ou a quantidade de líquido perdido. É um método demorado e destrutivo, porém provoca menos alterações do que a centrifugação em alta velocidade, além de não possibilitar reabsorção da água liberada. Uma aplicação específica para esse método é a estimativa da exsudação para amostras que tenham sido previamente congeladas. No entanto, os resultados conseguidos com ambos os métodos de centrifugação devem ser comparados somente aos dados obtidos através da mesma metodologia.
Absorção rápida por papel de filtro (KAUFFMAN et al., 1986): um disco de papel de filtro de 45mm de diâmetro é colocado por 2 segundos sobre a superfície de um corte cárneo fresco, após sua exposição a ambiente a 0ºC durante 15 minutos. O papel absorve líquido por sucção e a quantidade é determinada subjetivamente (através de uma escala para comparação da aparência do papel de filtro) ou por repesagem do papel. É um método rápido e fácil, mas não muito preciso.
Métodos indiretos:
Determinação da solubilidade das proteínas: método utilizado para distinguir carnes de qualidade normal das classificadas como PSE ou DFD, uma vez que mede indiretamente a CRA, através da extração das proteínas ainda solúveis após a conclusão do processo de rigor-mortis. As proteínas estruturais (miofibrilares) e as não-estruturais (sarcoplasmáticas) desnaturam em diferentes graus de acordo com as condições (pH/temperatura) em que ocorrem as transformações bioquímicas no post-mortem. Amostras de músculos pós-rigor são obtidas (cerca de 20 horas pós-abate), trituradas e armazenadas a -20ºC. Posteriormente são deixadas dia-e-noite a 4ºC e homogeneizadas em tampão fosfato 0,025M e pH 7,4, para extração das proteínas sarcoplasmáticas ainda solúveis, e em tampão KI 1,1M, fosfato 0,1M e pH 7,4, para extração das proteínas totais. As concentrações das proteínas são determinadas pelo método de Biureto (BAILEY, 1967), sendo a concentração das miofibrilares determinada por diferença. Sabe-se que em carnes normais e DFD há alguma desnaturação das proteínas não-estruturais, e pouca ou nenhuma desnaturação das estruturais, enquanto que nas carnes PSE ocorre desnaturação dos dois tipos de proteínas e deposição de uma sobre a outra, respectivamente. Dessa forma, a concentração de proteínas sarcoplasmáticas solúveis serve para diferenciar carnes normais, tanto das PSE quanto das DFD, mas a determinação das proteínas miofibrilares permite distinguir apenas as normais da PSE.
Estudos sobre esse método e sobre as transformações na solubilidade das proteínas musculares têm concluído que as diferenças na exsudação entre carnes normais e DFD ocorrem principalmente pelas alterações na estrutura e dimensões miofibrilares, dependentes das variações no pH final da carne. Ao contrário, as diferenças nas perdas de líquido ou CRA de carnes normais e PSE são determinadas principalmente pelas diferenças na taxa de desnaturação protéica.
COR
Cor pode ser descrita segundo o conceito psicológico de tonalidade (vermelho, verde, azul, etc.), saturação (intensidade de cor) e “brilho” (posição entre totalmente clara e totalmente escura). Qualquer cor, sob determinada iluminação, é definida conforme essas três características. Medidas instrumentais de cor são realizadas comumente através de colorímetros e espectrofotômetros, em equipamentos como Minolta e Hunter MiniScan. Esses equipamentos iluminam a amostra de carne com uma fonte controlada e medem a quantidade de luz refletida em diferentes comprimentos de onda (400-700nm). A partir dos dados de luz refletida por comprimento de onda, os valores da cor da amostra de carne são calculados de acordo com escalas tridimensionais de cor. O sistema CIELAB (1976) é o mais empregado e utiliza a representação de três coordenadas L*, a* e b*, para definir a posição da cor em um espaço tridimensional esférico. É a escala recomendada pela “Comission Internationale de I`Eclairage”. Esse sistema tem a vantagem de apresentar similaridade à uniformidade visual humana, além de representar medida quantitativa e objetiva da cor superficial e medir a variação da cor na amostra. No entanto, sua utilização implica na necessidade de exposição do músculo e em cuidados especiais com a calibração e operação dos instrumentos, que são de elevado custo, bem como com a comparação de resultados obtidos de aparelhos diferentes.
Fatores que interferem na determinação instrumental da cor:
Momento de medida: aos 45 minutos post-mortem o pH ainda varia muito conforme o potencial padrão de qualidade da carne. Em função disso, as transformações bioquímicas que determinam a qualidade final, incluindo a cor, ainda não cessaram. Recomenda-se, portanto, que as análises de cor sejam feitas às 24 horas pós-abate, quando as características finais já se definiram.
Seleção e preparação das amostras: os diferentes músculos da carcaça apresentam variações de cor; portanto, os músculos a serem avaliados devem ser selecionados conforme o objetivo da análise (identificação de PSE ou DFD). A superfície a ser exposta em análises de rotina precisa ser obtida sempre no mesmo local do músculo escolhido para avaliação e com as fibras sempre na mesma direção. Amostras em fatias devem apresentar espessura mínima de 1,5cm, de forma que sejam opacas. O mesmo músculo pode mostrar variações sistemáticas ou aparentemente aleatórias de cor e, por esse motivo, é importante a realização de medidas repetidas em lugares distintos, o que possibilita não somente a determinação dos valores médios de cor, mas também a variação dentro da amostra.
Iluminação: nas determinações instrumentais devem ser obedecidos os critérios estabelecidos por Associações ligadas à Ciência da Carne.
Intensidade de marmoreio e outras anomalias de superfície: o marmoreio afeta tanto a avaliação visual quanto a instrumental. A gordura intramuscular também varia muito entre os músculos e dentro de um mesmo músculo, interferindo na reflectância total da amostra. Anormalidades de superfície, como pequenas hemorragias ou “blood splash” e mesmo junções muito grandes de tecido conjuntivo, também interferem nos graus de reflexão e dispersão de luz e, portanto, devem ser evitadas.
Final da Parte 2, continua na próxima semana
___________________________________________________
1 Médico Veterinário, bolsista da FAPESP e mestrando na área de Medicina Veterinária Preventiva da FCAVJ/UNESP
2 Professor Doutor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Reprodução Animal da FCAVJ/UNESP e orientador