Nos últimos anos, o preço da carne bovina e suína aumentou consideravelmente. Segundo o relatório AgriMercati da Ismea, instituição pública italiana vinculada ao Ministério da Agricultura, as carnes de bovinos adultos registraram alta de 16%, enquanto a produção de carne suína na Europa está em recuperação após dois anos de retração, causada pela menor demanda chinesa.
No entanto, o preço nem sempre reflete a qualidade. “Observamos que a carne com o segundo menor preço está em primeiro lugar no ranking de qualidade. Em média, as carnes mais baratas apresentam um nível qualitativo superior às mais caras”, afirma Gian Paolo Braceschi, CEO da Good Senses, empresa especializada em análises sensoriais.
A qualidade da carne depende do sistema de criação, da alimentação e do movimento do animal, além de fatores relacionados ao corte, conservação e cozimento. A análise considera cor e textura, avaliação olfativa antes e depois do cozimento e degustação para medir suculência, sabor e consistência.
O consumo per capita está estável nos últimos cinco anos, girando em torno de 78 a 80 quilos por ano, dos quais 18 a 20 quilos são de carne bovina. “Em nossa unidade, processamos carne bovina e suína, mas não carne de frango por causa das normas sanitárias”, explica Giuseppe Rocchi, diretor comercial da Tönnies Fleisch Italia.
Nos últimos anos, a carne “barata” praticamente desapareceu: o custo da matéria-prima aumentou por causa das guerras no Oriente Médio, do crescimento da demanda e da abertura de novos mercados, como Argélia e Marrocos. “Esperamos ultrapassar os 120 milhões de euros (R$ 766,8 milhões na cotação atual) em faturamento em 2025, um aumento expressivo em relação a 2024 (89,2 milhões de euros ou R$ 570,2 milhões) e 2023 (R$ 407,4 milhões de euros ou R$ 355,8 milhões), sendo que nossa fatia de exportação representa cerca de 19%”, afirma Rocchi.
“Desde agosto, registramos aumentos de 20% a 25% na matéria-prima e estimamos um acréscimo adicional de 10% a 15% nos próximos quatro meses”, completa ele. A empresa atende o varejo alimentar, a indústria de transformação, o canal Horeca e o comércio tradicional, como açougues e pequenos atacadistas.
“Enquanto o mercado de carne de frango conta com marcas reconhecidas como Aia e Amadori, no setor bovino a única marca conhecida é a Simmenthal, criada para o mercado militar e com um processo específico de industrialização”, explica Rocchi.
A Itália é reconhecida pela criação e engorda de gado, mas isso não é suficiente para atender à demanda interna, o que torna necessária a importação de animais vivos, principalmente bovinos adultos. Uma dinâmica peculiar caracteriza o mercado: 70% da carne processada é reexportada, enquanto os hambúrgueres são adquiridos diretamente da Espanha e da França, gerando um duplo trânsito pela Itália.
A movimentação de animais por toda a Europa é um fenômeno comum. “Muitos animais nascem no exterior, são engordados na Itália e depois abatidos e processados fora do país, o que eleva os custos em cada etapa”, conta Rocchi. “Conquistamos participação de mercado ao evitar a exportação de carcaças. Compramos os animais inteiros, processamos e embalamos diretamente para o mercado final, eliminando etapas desnecessárias, inclusive alfandegárias.”
Essa mobilidade é ditada por demandas específicas dos mercados. “Alguns cortes, como a fraldinha, hoje procurados por steakhouses na Itália, eram anteriormente exportados para a França, onde tinham maior valorização”, explica Rocchi. “O contrafilé de novilha croata é vendido principalmente em Milão e Florença, cidades dispostas a pagar mais por ele. Até mesmo a carne de vaca passou a ter preço equiparado ao do boi jovem, especialmente na versão desossada.”
Os hábitos de consumo também estão mudando. “A fatia de carne que comíamos quando crianças praticamente desapareceu por questões de praticidade. Em restaurantes, opta-se por cortes nobres, enquanto em casa preferem-se soluções rápidas como hambúrgueres, muitas vezes ricos em aditivos.”
Outro fator que desequilibra os preços da carne é o alto custo do leite na Itália, um dos mais elevados da Europa. “Há uma tendência de abater os animais mais tarde, mesmo que isso reduza a produção de leite”, afirma Rocchi.
Giulia Cireddu, gerente de ESG e marketing do grupo Chiola, um dos principais players do mercado de carnes, fundada em 1975, em Piemonte, com faturamento de cerca de 500 milhões de euros (R$ 3 bilhões), destaca a evolução do setor.
A Ferrero Mangimi, adquirida pela empresa em 2019, contribui com 300 milhões de euros (R$ 1,9 bilhão), a Società Agricola Gruppo Ciemme, empresa que atua na criação de porcos para abate, com 200 milhões de euros (R$ 1,2 bilhão) e o segmento de maturação com cerca de 10 milhões de euros (R$ 63,9 milhões). Do total, 95% do faturamento vem do mercado B2B italiano, e os 5% restantes, das exportações.
Nos últimos anos, o consumo de carne bovina e suína passou por mudanças nos hábitos alimentares. Enquanto a carne vermelha apresentou uma leve retração, a demanda por produtos certificados e de alta qualidade aumentou. “A carne suína, por sua vez, mantém uma demanda estável graças à sua versatilidade e à ligação com a tradição gastronômica”, explica Cireddu.
Os preços da carne são influenciados por diversos fatores: aumento dos custos de produção, rações, energia e logística, além das oscilações de oferta e demanda. Eventos globais, como pandemias e tensões nos mercados de commodities, também impactaram o setor, que conseguiu se adaptar mantendo o equilíbrio entre competitividade e qualidade.
A crescente atenção à sustentabilidade e à rastreabilidade levou as empresas a investir em certificações e no bem-estar animal. No entanto, a ausência de um padrão único para a cadeia produtiva gera incertezas, o que torna necessária uma simplificação no sistema de certificação. “O mercado italiano e europeu dá preferência a cortes nobres e carnes voltadas para a transformação, enquanto outras regiões geográficas apresentam preferências distintas”, afirma Cireddu.
Apesar dos desafios, o setor continua evoluindo, e a demanda por produtos certificados e sustentáveis representa uma oportunidade de crescimento, fortalecendo o papel das empresas no cenário nacional e internacional.
“Nos últimos anos, o consumo de carne suína apresentou leve queda, principalmente em função do aumento nos preços dos animais, que impactou também o custo da carne”, afirma Marco Annoni, diretor de vendas e marketing da Annoni. “Entre 2023 e 2024, houve uma escassez significativa de suínos vivos, com aumentos de preços acima de 30%. A isso se somaram os altos custos de produção, levando alguns cortes a valores recordes”, afima Annoni.
“O presunto fresco de parma é um exemplo emblemático disso, que em 2024 atingiu níveis de preço inéditos, provocando uma queda na produção”, disse. No entanto, ele prevê que esses aumentos podem ter efeito positivo nas vendas em 2025, com uma retomada da demanda.
O grupo Annoni é um dos principais players do setor de carnes, com faturamento de 250 milhões de euros (R$ 1,6 bilhão) pela Annoni Spa e 30 milhões de euros (R$ 191,7 milhões) pela Ugo Annoni, empresa de produção e cura de presunto que faz parte do grupo. Apesar de a fatia de exportações ser baixa (cerca de 5%), o grupo mantém forte presença no mercado nacional.
“Com consumidores cada vez mais atentos às suas escolhas, a Annoni intensificou os investimentos em rastreabilidade e cadeias certificadas para garantir que eles saibam de onde vem a carne que compram”, conta. “Esse compromisso também envolve o bem-estar animal, um tema central na indústria. A Annoni tem direcionado suas compras para criadores que investem na melhoria das condições de criação dos animais”, completa Annoni.
Ele destaca que muitas empresas, como a sua, operam seguindo regulamentos rigorosos para a produção de carnes com denominações de origem protegida (DOP) e indicação geográfica protegida (IGP). Esses regulamentos determinam características específicas para a carne e os suínos, garantindo altos padrões de qualidade.
Embora haja espaço para melhorias normativas, Annoni acredita que já existem regras claras para assegurar a qualidade do produto. “Mesmo com os preços historicamente altos, nos últimos meses houve uma estabilização, com expectativa positiva para 2025/2026, quando o consumo poderá se recuperar plenamente, beneficiando toda a cadeia produtiva.”
“A Cooperativa Produtores Arborea está em crescimento, com faturamento de cerca de 90 milhões de euros (R$ 575 milhões), dos quais 20 milhões (R$ 127,8 milhões) vêm do setor de carnes”, afirma Marco Peterle, administrador da cooperativa, uma das poucas na Itália certificadas com selo territorial e de qualidade. “Os demais rendimentos vêm de áreas como a fábrica de rações, hortifrúti e outros serviços, pois o mercado de carne ovina, isoladamente, não é amplo o suficiente, e precisamos controlar toda a cadeia.” A entidade é composta por mais de 200 associados e se dedica à produção de carne bovina, suína e ovina.
No cenário global, o consumo de carne ovina está em alta, especialmente em países em desenvolvimento. No entanto, na Itália e em outros países mais desenvolvidos, observa-se uma tendência contrária, causada por desinformação e campanhas que desvalorizam o consumo de carne.
Apesar disso, o interesse por produtos de qualidade, rastreáveis e sustentáveis manteve a demanda estável. Os consumidores estão cada vez mais conscientes dos benefícios de uma carne que integra uma dieta equilibrada, como a mediterrânea, e valorizam a possibilidade de escolher produtos de criadores que apostam em sustentabilidade e qualidade, como os da Cooperativa Arborea.
A entidade adota uma abordagem que une tradição, saúde, bem-estar animal e sustentabilidade em toda a cadeia. Os animais nascem e são criados na Sardenha, garantindo uma carne de alta qualidade, produzida com respeito ao meio ambiente e aos animais. A parceria com produtores locais é essencial para desenvolver uma cadeia virtuosa, atendendo às demandas do mercado e às expectativas de transparência e confiança dos consumidores.
Peterle destaca que a cooperativa aposta na sinergia entre empresa e pesquisa, com constante inovação e valorização dos recursos locais. O bem-estar animal está no centro de sua atuação. “Acreditamos que essa abordagem melhora a qualidade da carne e aumenta a confiança dos consumidores”, disse.
Fonte: Forbes.