
O navio com quase 3 mil bovinos que partiu do Uruguai em setembro com destino à Turquia e está retornando à origem por descumprimento de regras não é o primeiro caso de exportação de gado vivo com irregularidades. A embarcação Spiridon II, especificamente, não recebeu autorização de autoridades turcas para desembarque por falta de brincos ou chips eletrônicos em parte dos animais.
Mas entidades de exportadores brasileiros argumentam que, além destes casos serem raros, cada país – importador e exportador – segue processos distintos. No Brasil, empresas que embarcam gado vivo para o exterior precisam cumprir regras estabelecidas pelo Ministério da Agricultura e por autoridades do país de destino, segundo normas da pasta.
Uma das exigências para o exportador é ter o chamado estabelecimento de pré-embarque, ou seja, uma área da fazenda onde os animais a serem exportados devem permanecer em quarentena visando à prevenção, controle e erradicação de doenças e pragas. Esse estabelecimento precisa ser aprovado por fiscais brasileiros e a quarentena dos animais também é feita sob vigilância, tanto no início quanto no fim do período de isolamento.
“O Brasil tem regras muito rígidas”, disse o presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Gado (Abeg), Lincoln Silveira Bueno. “Quantos milhares de navios de cruzeiro navegam e o que acontece (de ruim) é muito pouco. É o mesmo com os bois, pode haver alguma coisa muito pontual, mas 99,9% do que sai daqui chega em segurança, cumprindo todas as normas”.
O primeiro passo é verificar se o país de destino possui um modelo de certificado zoossanitário internacional a ser seguido, o que pode influenciar, entre outros fatores, no prazo da quarentena – nunca menos de sete dias, segundo o Ministério da Agricultura. Todos os animais quarentenados devem ser submetidos a exames laboratoriais, procedimentos e tratamentos conforme as exigências do certificado zoossanitário do país importador.
Outro requisito é que todos os animais a serem exportados tenham identificação eletrônica individual. Nas vistorias, também são conferidas informações no serviço oficial de guias de trânsito animal, por meio das quais se verifica a origem dos animais que estão na área de pré-embarque, em virtude de alguns países importadores restringirem a compra de animais oriundos de alguns Estados brasileiros.
O Ministério também prevê orientações sobre o transporte marítimo e aéreo dos animais. O marítimo, por exemplo, deve ser realizado em navios aprovados pela Capitania dos Portos, com condutores treinados para a atividade. A travessia também deve ser feita respeitando normas voltadas ao bem-estar animal.
As embarcações devem ser suficientemente abastecidas com alimento, água potável e medicação para a viagem, estar limpas e desinfectadas antes do embarque dos animais, diz a Agricultura. Todos os locais do navio por onde os animais transitarão não poderão gerar danos físico ou adoecimento. Um médico veterinário do Ministério deve inspecionar a embarcação e demandar ajustes antes do embarque, se necessário.
Segundo dados da Associação Brasileira de Exportadores de Animais Vivos (Abreav), os embarques nacionais de gado vivo bateram recorde no ano passado, com pouco mais de 1 milhão de animais enviados ao exterior. Em 2025, o presidente da Abeag espera que o volume embarcado seja similar ao de 2024. Já para 2026, a entidade projeta queda acentuada dos embarques, de mais de 20%.
A redução dos abates de gado no Brasil e consequente elevação dos preços do boi tende a reduzir a demanda de importadores de animais vivos, direcionando-os para outros mercados e produtos, segundo Bueno.
O gado brasileiro se destina majoritariamente a países muçulmanos, onde prevalece o costume de comer carne fresca – não congelada ou refrigerada, como é a carne exportada – e há preferência para que uma autoridade religiosa local vistorie o abate, garantindo que siga os princípios e valores muçulmanos, explica Bueno, da Abeg.
O país exporta não apenas animais prontos para abate como também bezerros e bois magros que serão engordados no país de destino, além de animais para reprodução. Outros importantes exportadores globais são México, França e Austrália.
A exportação de gado vivo é recorrentemente questionada por organizações não-governamentais que alegam que a atividade incorre em maus tratos aos animais. No ano passado, o assunto ganhou amplitude depois que um navio oriundo de Rio Grande (RS) precisou sair do porto da Cidade do Cabo, na África do Sul. Autoridades locais disseram que a embarcação deixou a cidade com um “cheiro abominável”, sinalizando más condições em que se encontravam os 19 mil animais a bordo.
Apesar disso, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) decidiu no início deste ano que a atividade está de acordo com a legislação brasileira e não representa maus-tratos.
O Brasil vem abrindo novos mercados para a exportação de gado vivo com diversas finalidades. Em novembro, Líbano e Tanzânia autorizaram o país a exportar bovinos e bubalinos vivos para reprodução. Em abril, a Turquia deu sinal verde à importação de animais brasileiros para reprodução, e não somente para abate ou engorda.
Fonte: Globo Rural.