Quem é contra privatização?

Nada menos que 70% da população brasileira, segundo uma pesquisa realizada em outubro de 2006, é contra a privatização. Certamente, foi pelo fato de expressiva maioria da população brasileira ser contra privatizar empresas públicas, que o candidato Geraldo Alckmin perpetrou uma das cenas mais patetas e patéticas da última campanha presidencial.

Nada menos que 70% da população brasileira, segundo uma pesquisa realizada em outubro de 2006. Sem o menor constrangimento, ou vergonha, informo estar do lado dos outros 30%.

Certamente, foi pelo fato de expressiva maioria da população brasileira ser contra privatizar empresas públicas, que o candidato Geraldo Alckmin perpetrou uma das cenas mais patetas e patéticas da última campanha presidencial. Acuado e acusado de “privatista” pelo presidente e candidato Lula, Alckmin saiu às ruas, fantasiado de “estatal”: boné do Banco do Brasil, jaqueta com logomarcas da Petrobras, Caixa Econômica Federal e Correios. Parecia uma árvore de Natal tupiniquim.

Qual São Pedro negando Jesus Cristo, Geraldo Alckmin – um homem decente – renegou a melhor herança do seu partido, e do governo FHC. Melhor, não necessariamente perfeita.

O pior é que ninguém discutiu o processo de privatização, ou seu antípoda, o estado-empresário, com objetividade e isenção, privando assim a população brasileira de um debate de extrema importância para o futuro do país. “Privatização” virou palavrão, sem que sequer se tivesse debatido o tema. Debatê-lo é o que eu pretendo fazer aqui. Lamento informar, caro leitor, que este artigo é extenso. Tentei “quebrá-lo” em dois, mas não consegui.

Vários motivos podem explicar a aversão do brasileiro à desestatização. Provavelmente, nossa herança cultural e religiosa lusitana tenha peso predominante, já que lucro é visto como “pecado”, e todo cidadão ou empresa bem sucedidos haverão de ser “ladrões”. Não é de estranhar, portanto, que Portugal seja um dos “lanterninhas” da União Européia, sendo ultrapassado em índices econômicos e sociais por países até recentemente (e compulsoriamente) comunistas, mas hoje com visão empresarial moderna. O que, no nosso caso, me lembra a famosa frase de Tom Jobim: “O brasileiro perdoa tudo, menos o sucesso (dos outros)”.

É possível também que esteja arraigado na alma brasileira o conceito patrimonialista, através do qual o cidadão se vê lesado quando uma empresa pública torna-se privada. Também não deve ser excluída a noção assistencialista, pela qual sempre se espera uma sinecura ou um emprego em empresa estatal (“Emprego”, não necessariamente “Trabalho”).

Os motivos que levam à ojeriza de se privatizar algumas empresas públicas podem ser explicados também por idiossincrasias pessoais, ou por Freud. Dificilmente serão justificados pela lógica e pelos números.

Mesmo aqueles que não são avessos à desestatização (ou privatização), têm, por vezes, discordância em relação a dois aspectos: o destino do dinheiro arrecadado com as vendas, e o preço pelo qual as estatais foram vendidas. Na minha opinião, estão corretos em relação ao primeiro item, e equivocados quanto ao segundo.

Realmente, o destino dado aos recursos oriundos da venda de estatais pouco contribuiu para a melhoria macroeconômica do Brasil. Se tivessem sido usados para amortizar a dívida pública federal, hoje em torno de 50% do PIB, não apenas esta seria bem menor, como também os juros, cujo patamar é determinado pela constante e crescente demanda do estado por recursos. Ao invés disto, serviram, em grande parte, para tampar buracos em administrações estaduais e municipais, que tiveram suas dívidas com a União renegociadas em condições vantajosas. Para, logo após, tornarem-se novamente insolventes, através de má administração e de malversação de recursos. Mas isto não é culpa da privatização, e sim de uma decisão política infeliz e equivocada.

Quanto ao “preço” pelo qual algumas estatais foram vendidas, julgado muito baixo, leva-se em conta o valor destas empresas hoje – após investimento de bilhões de dólares pelos novos donos – e não o valor da época, quando muitas delas eram deficitárias.

Com o respaldo de números, vamos tentar desmistificar alguns preconceitos contra privatização:

  • Empresas privadas inexoravelmente demitem funcionários: no caso das empresas privatizadas, o contingente de funcionários, em média, aumentou. A Companhia Vale do Rio Doce, que em 1997 (estatal) tinha 11.000 funcionários, fechou o ano de 2006 (privatizada) com 44.000 empregos diretos, mais 93.000 indiretos. O setor de telecomunicações que empregava 200.000 pessoas quando estatal, hoje dá emprego a mais de 300.000.
  • As privatizações foram “jogo de carta marcada”: não é impossível, mas altamente improvável, já que todas as empresas desestatizadas foram vendidas em leilões públicos, com prévio e amplo acesso a informações, inclusive com “data rooms”, conduzidos ou assessorados pelo BNDES, e fiscalizados pela CVM.
  • Empresas privadas preocupam-se em obter lucro, não com o bem estar da sociedade: verdade, e assim deve ser. É através do lucro que se dá emprego, bons salários, recolhe-se impostos, e realizam-se investimentos – servindo assim ao bem estar da sociedade. O setor siderúrgico, quando estatal, gerou em 1992, um prejuízo consolidado de US$ 260 milhões ao Tesouro Nacional, prejuízo este pago por todos, inclusive eu e você. Já em 2005 (privatizado), redundou em lucro de US$ 4 bilhões. E exatamente porque almejam lucro, é que empresas privadas servem melhor a sociedade, produzindo bens e serviços melhores a preços mais baixos. Não se trata de benemerência, e sim de competição.
  • Empresas públicas são mais direcionadas ao “social”: seja lá o que esta sandice signifique, é bom que se deixe claro que os objetivos de uma empresa pública e privada são diferentes. Empresas públicas normalmente são mais ineficientes – pois não há pressão dos acionistas – e produzem menos e pior que empresas privadas, basicamente pelo mesmo motivo. Alguém se lembra como era a telefonia neste país há alguns anos atrás? Telefone era coisa tão cara, que se lançava como ativo, na declaração anual do Imposto de Renda!
  • Além de só ser alcançável pelas classes A e B, pagava-se a futura linha ao longo de 5 anos, prazo por vezes não suficiente para que o telefone fosse instalado. O preço da linha telefônica de meu primeiro celular (que mal funcionava) custou-me quase US$ 5.000,00. Hoje o Brasil já tem mais de 100 milhões de celulares, democratizando a telefonia, que serve igualmente as classes A e B, como também as C, D e E (responsáveis por 60% do total).

    Apenas 32% das residências no Brasil eram servidas por telefonia fixa ou celular em 1998, contra 72% em 2005. Um espetacular salto de 124% em 7 anos. Em relação à Internet, chega a ser piada. A Telebrás dispunha de 120.000 conexões para o Brasil todo, via internet discada. Hoje, em mãos de empresas privadas, são dezenas de milhões, boa parte “banda larga”, e, em breve “wi-fi” (sem fio).

  • Empresas públicas são mais cuidadosas com o Meio Ambiente: bobagem. Lembram-se dos constantes vazamentos de petróleo, e dos desastrosos danos ambientais causados pela Petrobras? Lembram-se que a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) era conhecida como o “Monstro do (rio) Paraíba”? Apenas no setor siderúrgico, após privatizado, foram investidos US$ 16 bilhões (sim, bilhões. E sim, dólares) em proteção ambiental.
  • Empresas públicas servem à Nação, e as privadas apenas aos acionistas: é óbvio que empresas privadas sirvam a seus acionistas, inclusive àqueles que sabiamente usaram seu FGTS para adquirir ações de companhias como a CVRD. Mas não é óbvio que empresas públicas sirvam à Nação. Muito ao contrário, a Nação é que as servia cobrindo déficits. Mesmo empresas competentes, como a Petrobras, sofrem pelo fato de terem seu controle acionário nas mãos do governo. Por vários motivos, mas, principalmente, por ser usada para fins políticos internos e externos (Evo Morales na Bolívia, Hugo Chávez na Venezuela, e, em breve, Rafael Correa no Equador) o valor de mercado da Petrobras diminuiu US$ 11 bilhões (sim, bilhões. E sim, dólares) de 2005 para 2006. Isso enquanto outras empresas de petróleo mundiais – privadas – obtinham valorizações patrimoniais recordes.
  • Serviços essenciais em mãos de empresas privadas podem facilmente ser “cartelizadas”: sim, é verdade. Assim como é verdade que o monopólio estatal é mau, nem tanto por ser estatal, mas sim por ser monopólio. Para evitar os efeitos nocivos de “cartelização” é que foram criadas, na década de 90, agências reguladoras como Anatel, Aneel, ANP, ANS, Anac – atualmente abandonadas pelo governo federal, que sequer nomeia diretores, impedindo-as de operar estatutariamente. E quando o faz, coloca na direção pessoas tecnicamente não qualificadas.
  • Já se esqueceram dos diversos “apagões aéreos” que praticamente fecharam a aviação civil no Brasil, e a atuação pífia, ridícula e ineficaz da Anac (e da Infraero), durante esses episódios? Enquanto isso, na Inglaterra, quase todo serviço aeroportuário é privado. Não há greve de controladores de vôo, nem os aeroportos são fechados por causa de chuva ou neblina. Ao menos, não com a constância como o são no Brasil. E o clima na Inglaterra é bem mais inclemente que o brasileiro.

  • O estado tem condição de investir mais que o setor privado: até deveria ser verdade, considerando que os governos se apropriam de quase 40% da renda nacional. Mas isso é outra mistificação. Apenas como exemplo, a Vale do Rio Doce investiu US$ 5 bilhões em 2006 (sim, bilhões. E sim, dólares) – mais de 10 vezes o que investiu em 1997, quando era estatal. Além disso, recentemente adquiriu, por US$ 18 bilhões (sim, bilhões. E sim, dólares), a mineradora canadense Inco, tornando-se uma das 5 maiores mineradoras do mundo. A CSN recentemente tentou, e quase conseguiu comprar o grupo siderúrgico europeu Corus, em operação também de bilhões de dólares. O mesmo nível de investimentos ocorre em outros setores, total ou parcialmente privatizados.
  • Privatização então é a cura para todos os males? Não, não é. E principalmente, quando mal feita, ou de maneira incompleta, como foi o caso da energia elétrica. Não apenas a regulamentação foi (e é) falha, como também privatizou-se o que é mais rentável (distribuição de energia), mantendo-se estatizado o que é mais caro e, consequentemente, de retorno mais lento: a geração de energia elétrica.
  • O mais incrível para mim nesta ausência de debate sobre privatização, não é tanto o que deixou de ser privatizado. E sim o que foi – ou está sendo – privatizado, e não deveria ser, já que são serviços essenciais à população: saúde, educação, saneamento, e segurança. O verdadeiro papel do estado é cuidar de serviços essenciais ao bem estar da população, especialmente a de baixa renda. Mas não é isso o que acontece quando o governo resolve usar recursos escassos produzir, com prejuízo, aço (Cosipa, CSN), ferro (CVRD), ou aviões (Embraer, Helibrás).

    Como prescreve a sabedoria popular, cada macaco no seu galho. No fundo, assim como na superfície, a questão é tão simples quanto isso.

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