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Rastreabilidade, mercado de trabalho e o veterinário II

Por Paulo Sérgio Telles da Cruz1

Pois como seria de se esperar, têm sido muito intensas as reações contrárias ao movimento de buscar que a atividade de supervisão da rastreabilidade no SISBOV seja executada exclusivamente por veterinários. Já esperava por isto. Considerando que temos pela frente mais de 180 milhões de cabeças, sem contar os nascimentos, para identificar e certificar até 2007, e que este trabalho movimentará alguns milhões de reais, certamente o fator econômico deve estar chamando a atenção para esta importante fatia de mercado. São naturais, portanto, as resistências.

Para uma discussão em alto nível estou pronto, mas não para acusações levianas. Dentre as que merecem meu respeito, está a acusação de que busco uma reserva de mercado para veterinários. Está bem. Embora seja obrigado a concordar que numa primeira vista possa parecer assim, permitam-me justificar.

Antes de tudo é preciso reconhecer que a rastreabilidade de rebanhos bem menores que o brasileiro já é um problema complexo. Que dirá o de rastrear 180 milhões de cabeças. Necessário também lembrar de saudar a criação do SISBOV que apesar dos aperfeiçoamentos demandados é uma das melhores coisas que já aconteceram para a pecuária brasileira. Que haveria problemas na implantação, todos sabíamos. Portanto, vamos à luta. Então, em meio a muitas complexidades, começa a nascer o SISBOV através de Instruções Normativas. Ao elaborá-las, o legislador foi “costurando” os pedaços e dando forma. Aliás, uma forma bem brasileira, posto que copiar algo do exterior de nada serviria, dadas as enormes diferenças da nossa pecuária para outros países com rastreabilidade implantada.

Assim é que ao redigir o item 9 do anexo 1, IN 47 -31 de julho de 2002, escreveu: “O Responsável Técnico pela certificadora será um Médico Veterinário devidamente registrado no CRMV´´. A clara visão do legislador, percebeu que para a tarefa proposta e pelas responsabilidades atribuídas pelas Instruções Normativas anteriores, somente um veterinário poderia assumir tal encargo. Mas vacilou ao não ir adiante, deixando de esclarecer o item 3 da IN 21 de 26 de fevereiro de 2002 onde supervisão e supervisor são definidos; “Supervisão – Procedimentos ou visitas técnicas realizadas pela entidade certificadora credenciada, para inspeção de animais e de propriedades rurais, com o objetivo de verificar a conformidade com as normas do SISBOV; Supervisor – agente responsável pelas atividades de supervisão”. Note-se que esta IN é anterior a de julho de 2002 e que pode ter escapado ao legislador, lembrar que deveria estender a responsabilidade de ser veterinário, aos supervisores, pois caso contrário, o veterinário Responsável Técnico da Certificadora estará transferindo a outrem a sua real responsabilidade.

Ora, se fôssemos reduzir a questão da rastreabilidade, apenas ao aspecto de informar a localização do animal, o raciocínio poderia ser considerado correto e pouco restaria por discutir. Todavia não é este o espírito da lei que estabelece entre outras coisas; item 3.1 – Anexo 1 – IN 47. “registrar e controlar as movimentações e os manejos reprodutivo, alimentar e sanitário (vacinações testes e tratamentos) de bovinos e bubalinos.” A lei fala em “controlar” e aí desculpem os que pensam o contrário, mas como veterinário não posso abrir mão do que está estabelecido na lei 5.517 de 23 de outubro de 1968 e pelo Decreto 64.704 de 17 de junho de 1969 Capítulo II – Da atividade profissional Art.2°. “É da competência privativa do Médico Veterinário o exercício liberal ou empregatício das atividades e funções abaixo especificadas:… e. Planejamento, direção, coordenação, execução e controle da assistência técnico-sanitária aos animais, sob qualquer título”.

Que outra coisa seria, controlar o manejo sanitário (vacinações, testes e tratamentos), que não o que está colocado acima como assistência técnico e sanitária? A vinculação é indiscutível e não cabe argumento em contrário.

Ou quem sabe, se coubesse, e só para estabelecermos o contraditório, vamos pedir ao MAPA que autorize veterinários a certificar sementes de soja transgênica, apenas para citar um assunto que está na moda. Que eu saiba, não há notícias de veterinários executando este trabalho em todo o território nacional.

Insisto que a missão do veterinário, no que diz respeito ao seu papel junto à saúde pública é de importância transcendental. Somente o veterinário tem formação adequada para lidar com todos os aspectos exigidos pelas Instruções Normativas, ligados à saúde animal. Não esquecendo que todas as exigências do SISBOV têm a finalidade de conseguir a tão falada e necessária segurança alimentar. Exigência do mercado mundial.

O programa do Governo, com a implantação do SISBOV, teve seu início meio de trás para a frente. Começamos identificando animais que estão no momento do abate para tentar chegar em 2007 com todo rebanho identificado. Embora não seja a solução ideal, temos que aceitá-la, pois assim estamos conseguindo avançar.

Nestes primeiros passos, forçoso reconhecer, pouco ou quase nada temos em matéria de rastreabilidade a não ser planilhas com todas as margens de erro admitidas e brincos, isto é, quando são colocados. A realidade aí está. A despeito dos esforços do MAPA em moralizar o sistema, ainda temos muitas deficiências.

A vastidão deste país continente, com suas enormes variantes culturais, torna difícil a normatização. Mais ainda será, se o grupo de pessoas que terá a obrigação de verificar a exatidão dos registros, principalmente os ligados à alimentação e sanitários, não tiver a mesma formação. Neste caso, somente veterinários poderiam ser designados para a tarefa, posto que além do conhecimento, estão responsabilizados pelos Conselhos Regionais e Federal através de normas definidas por resoluções internas.

Desta forma, qualquer irregularidade cometida pelo profissional encontraria amparo na lei para a devida punição. Se, finalmente, a atividade de supervisão puder ser executada por qualquer pessoa, de qualquer área, chegaríamos ao ponto de ter que aceitar tudo, mesmo os desmandos, pois nada de legal poderia ser feito.

De tudo que se viu até aqui, apesar dos notáveis avanços, é possível afirmar que a credibilidade do sistema estará em xeque, caso não tenhamos à frente, como supervisores da rastreabilidade, Médicos Veterinários.

Vivemos num mundo, onde os riscos à saúde pública são crescentes. Aí estão os exemplos acontecendo e se renovando todos os dias. Por exemplo, a atual gripe do frango com seus riscos de epidemia global. Percebe-se desde já que em termos de rastreabilidade, não podemos nos ater apenas à bovina e bubalina. Precisamos evoluir, e rapidamente, para outros territórios – suínos, aves, pescados, leite, etc.

Nós veterinários devemos estar atentos, pois fizemos um juramento ao nos formar e a ética nos obriga a perseguir a excelência. Quanto a rastreabilidade, a lei existe, falta cumpri-la. O preço do progresso da produção animal será a nossa permanente vigilância.
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1Paulo Sérgio Telles da Cruz é médico veterinário e consultor

0 Comments

  1. Samuel Guiné de Mello Carvalho disse:

    Devo concordar com o Dr Paulo Sérgio, que a rastreabilidade deve ser feita por técnicos responsáveis e habilitados, mas discordo em um pequeno ponto: Não se pode dizer que apenas o Médico Veterinário está preparado para tal função.

    Devo lembrar que o Zootecnista vem sendo relegado a um segundo plano no exercício de sua profissão. O Zootecnista também é um profissional preparado para analisar as condições em que os animais de uma propriedade estão sendo criados, pois Zotecnia nada mais é do que técnica em produção animal.

    Já quanto aos Agrônomos, cabe aos Zootecnistas e Veterinários exigir uma regulamentação da lei para que as áreas de atuação sejam mais bem definidas.

    Quanto ao SISBOV, me parece que estamos começando a chegar em um ponto razoável, no qual vamos finalmente conseguir rastrear nosso rebanho. Devemos salientar que é falha grande do governo e dos frigoríficos exportadores, a falta de uma campanha para esclarecer e incentivar os produtores a fazer rastreabilidade.

    Os prazos estão aí e não estamos nem perto de conseguir cumprí-los.

  2. Marco Garcia de Souza disse:

    Apesar de não concordar com quase nada do que foi dito aqui, peço apenas para que os Médicos Veterinários se unam aos pecuaristas, contra a obrigatoriedade da rastreabilidade.

    Por que não ser OPCIONAL, onde o mercado decidirá.

    Já foi provado aqui neste site (artigo na seção Espaço Aberto, de Humerto Tavares) que, o mercado europeu não exige a rastreabilidade individual de países considerados Zona 1 (Baixo risco para BSE).

    A pergunta é: Por que o “governo” está atrapalhando tanto a abertura do seu mercado, impondo à pecuária nacional, regras que nem os compradores exigem?

    Que a rastreabilidade é importante, isso ninguém questiona, mas empurrar ela goela abaixo, sem um planejamento REAL que traga segurança a longo prazo para o consumidor, está errado.

    De forma opcional, o mercado irá privilegiar o melhor e todos irão querer fazer a coisa certa, visando maior lucratividade.

    Os custos da segurança alimentar não podem ficar apenas com o produtor, ou se ficar, que ele seja remunerado por isso e não da forma que está.

  3. Márcio Oliveira da Costa disse:

    Obviamente o Sr. Paulo Sérgio Telles, bem informado como parece em seu artigo sobre rastreabilidade, já deve ter feito uso de uma calculadora para saber quanto ele e seus colegas veterinários irão faturar rastreando 180 milhões de cabeças ou, será que o argumento é apenas por razões técnicas mesmo?

  4. Paolo Velasques Perez disse:

    Concordo plenamente, e digo mais, o que falta em meio à toda esta discussão é o CFMV tomar uma atitude e bater de frente aos nossos interesses e não ficar assistindo a tudo como se nada estivesse acontecendo, pois não vejo se falar nada do CFMV em relação à esses acontecimentos que levam nossa classe ao descrédito.

    Estou perplexo e indignado com o CFMV.

  5. Roberto Carlos Prazeres de Andrade Silva disse:

    Parabenizo o autor, pela clareza, coragem e espírito profissional com que escreveu o texto que visa, única e exclusivamente enaltecer e valorizar a profissão médico veterinária.

    Saudações.

  6. Dermeval Ferreira Flores Neto disse:

    Sou Zootecnista, formado desde 2000, e trabalho com rastreabilidade bovina atrabés da certiicadora PLANEJAR.

    Tive que me filiar ao CRMV para poder rastrear, pois nós Zootecnistas não temos conselho.

    Acho que um Zootecnista tem plena competência para efetuar a certificação e rastreabilidade bovina. Afinal de contas, os Veterinários hoje existentes, e disponíveis, não dariam conta de trabalhar com um rebanho de 180 milhões de cabeças, como foi citado pelo colega.

    É interessante também ressaltar, que muitos profissionais se formam em veterinária e fazem mestrado e doutorado em zootecnia! Não estão eles buscando algo que não tiveram no seu curso? Uma nova tendência de mercado?

    A profissão de Zootecnista deve ser mais respeitada! Há lugar para todos os que tiverem competência.

  7. Rafael Cesário Paine disse:

    Apesar de estar me formando agora no curso de Zootecnia, não é de hoje que ouço e leio artigos que ferem os Zootecnistas do Brasil. Causado, principalmente, pelo preconceito e de um certo modo pelo temor que certos Médicos Veterinários têm contra nós.

    Na minha opinião deveria haver mais respeito por essa profissão que é tão importante para pecuária e para rastreabilidade bovina quanto a Medicina Veterinária.

    É certo que a rastreabilidade não deve ser liberada para qualquer um, mas incluir nesse cenário apenas os Médicos Veterinários e excluir os Zootecnistas é um erro sem proporções para a pecuária nacional.

  8. Névio Primon de Siqueira disse:

    Eu como Médico Veterinário, não concordo com essa lenga-lenga de ouvir que zootecnista pode ou não pode fazer; Que só o veterinário pode fazer; que o agronomo é quem deve fazer.

    Na verdade acho que é um tremendo medo de concorrência. O mercado de trabalho está aí, para quem quizer trabalhar. Quem acha que pode oferecer um diferencial, que o faça.

    Desde 1979 que venho escutando por exemplo, que a inseminação artificial era exclusiva de médico veterinário e qualquer peão de fazenda podia fazer o curso de inseminação na Pecplan, em Uberaba ou Campinas. Detalhe, aprendi a fazer inseminação ( na pratica) depois de formado observando o procedimento em uma fazenda em Goiás.

    Acho que se somarmos as forças é muito mais proveitoso do que ficar lutando uns contra os outros e, os produtores que precisam de orientações ficam lendo comentarios ridículos que só degradam as profissões, e ninguém ganha com isso.

    Quanto a rastreabilidade realmente acho que poderia ser opcional, até porque existem regiões onde não se paga um centavo a mais por isso, mas quem não fizer não reclame por perder negócios futuros.

    Eu, profissionalmente, indico e faço a identificação dos animais, mesmo em rebanhos de corte desde o inicio de meus trabalhos, o que facilita e muito a rastreabilidade, portanto o SISBOV não me traria tanto trabalho a mais, apenas o controle mais eficiente de manejo.