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Rastreabilidade: o passaporte do “Brazilian Beef”

Nos últimos tempos, um dos assuntos mais discutidos nos vários segmentos da cadeia da carne bovina é a rastreabilidade, tema que vem sendo abordado neste site em comentários da semana (Ainda a questão da rastreabilidade – 01/11/01), nos radares técnicos de qualidade da carne (Por que rastreabilidade? – 08/09/00), gerenciamento (Tecnologia Brasileira – 9/11/01), além de notícias vinculadas ao giro do boi (Programa desenvolvido pela Embrapa pode ajudar na rastreabilidade da carne bovina – 21/11/01). Devido à importância do assunto, o objetivo do radar desta semana é definir rapidamente o conceito de rastreabilidade e suas implicações, não só no sistema produtivo, mas na cadeia como um todo.

A definição de rastreabilidade, segundo Prof. Pedro Felício, “é a capacidade de rastrear, ou de acompanhar o trajeto de indivíduos, veículos, objetos, mercadorias”, e no caso, a carne bovina. Ou seja, identificar e acompanhar todo o histórico do animal desde o seu nascimento até o “bife” na mesa do consumidor, ou vice-versa.

Após regulamentação de No. 820/97, do Conselho da Comunidade Européia (EC), onde se estabelece a identificação e registro de bovinos e de produtos cárneos, de modo a facilitar o rastreamento do produto ao longo da cadeia produtiva, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC) conseguiu acordo, onde apenas o lote de animais fosse identificado. Desta forma, parte do processo de rastreabilidade já vem sendo feito pelos frigoríficos exportadores, desde 1998.

Na Europa existe um órgão, EAN International, que é responsável pela gestão de um sistema global de identificação e monitoramento dos animais e produtos. No Brasil o órgão responsável seria, a princípio, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) que, inclusive, tem um anteprojeto elaborado desde setembro de 1999, enviado para apreciação do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA).

A CNA se encarregaria de fiscalizar e gerenciar as informações, sendo que os dados das propriedades rurais e dos animais seriam alimentados por organismos credenciados ao MAPA (Felício, 2001). Para condução do “Programa Nacional de Identificação e Registro de Bovinos”, algumas informações básicas como local de nascimento, número do animal, data de nascimento, raça, sistema de criação e alimentação e registros de movimentações devem ser levantados.

Segundo a nova regulamentação da EC no 1825/2000, a partir de janeiro de 2002, toda e qualquer carne bovina que for comercializada nos países membros da Comunidade Econômica Européia, deve ser totalmente identificada de modo a possibilitar o rastreamento.

Para isto, é necessária a utilização de técnicas de identificação individual do animal, partindo-se do principio básico, que é a escrituração zootécnica do rebanho. As formas de identificação animal são as mais variadas como marcação a ferro, tatuagens, brincos (número e/ou código de barra), microchip, e até técnicas mais avançadas que usam o DNA e a íris ocular. Entretanto, as normas européias estabelecem que o gerenciamento e a transmissão dos dados devem ser feitos eletronicamente, com informações padronizadas facilitando o processamento das mesmas.

A Embrapa já vem trabalhando no desenvolvimento de chip (Dr. Pedro Paulo Pires), que é instalado no corpo do animal, permitindo a sua identificação no curral a uma velocidade de até 40km/h. O chip que está sendo usado pela Embrapa é revestido com porcelana ou resina de mamona, aumentando a sua resistência e durabilidade (fig. 1), podendo ser reutilizado após o abate dos animais. O local de aplicação pode ser tanto na cicatriz umbilical do bezerro, como intraruminal, na forma de bolus ruminal. No Instituto de Zootecnia, o grupo do Dr. Antônio João Lourenço já vem há 3 anos trabalhando com identificação eletrônica dos animais em trabalhos de pesquisa, inicialmente com brincos marcados com códigos de barra (fig. 2) e, mais recentemente, com brincos providos de chip.

Fig. 1: Chip utilizado pela Embrapa

Fig. 2: Brinco com codigo de barra para identificação bovina

O código de barras talvez seja o modo mais barato. A leitura pode ser feita com leitor óptico. Porém, é passível de perdas, sendo necessária a utilização de dois brincos, além de dificuldades de leitura. No caso dos brincos com o chip e dos bolus com chip, as leituras são feitas por rádio-freqüência, sendo as informações captadas por um equipamento portátil (semelhante ao palm top), ou por antena acoplada ao computador e à balança eletrônica.
Nos sistemas de identificação eletrônica, chip ou código de barra, é possível gravar informações como: sexo, data e local de nascimento, pai, mãe, raça, peso nas diferentes fases, histórico sanitário (doenças, vacinações, etc.), tipo de alimentação e método de terminação. Os dados são transferidos imediatamente para um software de gerenciamento, onde, além das informações dos animais, é possível controlar todas as atividades e procedimentos praticados na fazenda.

A informatização permite maior precisão e rapidez na obtenção de informações sobre cada animal, ajuda na programação dos manejos sanitário e reprodutivo, além de aumentar a precisão na seleção de matrizes e reprodutores. Após o abate, é possível adicionar informações como peso de carcaça, acabamento, classe de qualidade, pH da carne, coloração, método de refrigeração, ocorrências no transporte, etc. De modo geral, o sistema de rastreabilidade permite que o “consumidor” possa obter informações de tudo o que ocorreu do nascimento à comercialização do produto, a carne.

A rotulagem da carne (código de barras) exigida pela União Européia tem o objetivo de assegurar a identificação da carcaça, quartos e cortes comerciais, com as informações do animal ou do lote. Os números de identificação, bem como os dados de rastreabilidade, devem ser corretamente aplicados, em todas as fases, de maneira que cada empresa possa gerenciar o que está recebendo, e o que está enviando para o consumidor.
No Rio Grande do Sul, já existe um Sistema Integrado de Rastreabilidade Bovina (S.I.R.B) que opera com cerca de 400 mil animais, monitorados do nascimento ao abate com sistema de código de barra em brincos, possibilitando o armazenamento de informações dos animais. O sistema é monitorado por técnicos da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e da empresa Planejar (do Grupo RBS). O produtor interessado, deve adquirir um “kit”, e identificar o animal ao nascimento. Na desmama, é colocado um segundo brinco, sob fiscalização técnica para validação, sendo as informações colocadas na planilha. A partir de então, todas as ocorrências relativas aos animais são cadastradas para monitoramento.

Apesar de tudo – exceção feita ao RS – ainda não temos um sistema de identificação e registro de animais gerenciado por entidades de classe para uso imediato. Enquanto isto, Estados Unidos, Nova Zelândia e principalmente Austrália, concorrentes diretos de nossa carne no mercado Europeu, já trabalham com as técnicas mais avançadas de rastreabilidade.

A técnica que utiliza a análise de DNA, que permite o rastreamento com maior precisão, já é feita com sucesso na Austrália e está ensaiando seus primeiros passos nos Estados Unidos. Amostras dos animais (pêlo) são colhidas ao nascimento e relacionadas à identificação do animal (código do chip). Posteriormente, em qualquer fase da vida do animal ou da comercialização de sua carne é possível a confirmação de sua origem através de exame de DNA (Cunnigham, 2001). Outra forma de aplicação da técnica é a retirada e armazenamento de amostras da carcaça, associando a mesma ao número do animal. Assim, durante o processamento das carcaças, não seria necessária a identificação dos cortes por animal, podendo ser feita por lotes ou dia de abate. Qualquer problema futuro relacionado com o produto, sua origem poderia ser identificada pelo lote ou data de abate e análise de DNA do produto e das amostras retiradas das carcaças.

Já é conhecido e notório que, a partir de janeiro, o Mercado Europeu fechará seus portos a produtos que não sejam devidamente identificados. Esse cenário já vem sendo moldado desde 1997. A menos de dois meses para a entrada em vigor das exigências européias, ainda não temos um sistema de identificação definido. Enquanto isto, neste exato momento, os fazendeiros neozelandeses e australianos estão felizes, e terminando animais para o Mercado Europeu, pois um dos maiores concorrentes, o Brasil, está na iminência de sair fora do mercado.

Em resumo, poderá faltar visto de entrada para o passaporte da carne brasileira.

Bibliografia consultada

Cunnigham, P. E. A rastreabilidade da produção ao Consumidor usando técnicas de DNA. In: 1º Congresso Brasileiro de ciência e tecnologia de carnes. São Pedro-SP. p.328. 2001.

Felício, P. E. Rastreabilidade aplicada a carne bovina. In: 37º Congresso Brasileiro da Sociedade Brasileira de Zootecnia. Piracicapa-SP. p.294. 2001.

Guimarães, G. A Vaca foi pro Silício. Negócios Exames. 02/2001.

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