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Rastreabilidade: parece que a tranquilidade chegou

Miguel da Rocha Cavalcanti1

A cadeia da carne bovina estava (e ainda está) apreensiva sobre como seria a adoção das novas normas de rastreabilidade bovina no país. Muito se perguntava sobre o tema: quem pode fazer, quem vai pagar, será que vai pegar? Todos os meios de comunicação noticiavam a rastreabilidade, mas poucos entendiam realmente o que estava acontecendo. Além disso, começou a confusão entre identificação, rastreabilidade e certificação, que apesar de serem relacionadas não são a mesma coisa.

Para relembrar, nada melhor do que citar Nelson Pineda, pecuarista e diretor da ABCZ: “Há três nomenclaturas que devem ser entendidas: identificar é estabelecer a identidade; rastrear implica a capacidade de encontrar o histórico da utilização ou localização de um produto qualquer por meio de identificação registrada; certificar consiste em aplicar um conjunto de medidas que permita auditar um processo ou produto para afirmar, atestar, convencer ou asseverar alguma coisa a respeito do produto, sobre o processo de produção, qualidade ou a origem do mesmo”.

Desde o dia 18 de junho, temos quatro empresas credenciadas pelo MAPA para certificarem e rastrearem dentro das normas do SISBOV. E pelo que o mercado está sinalizando tudo irá correr normalmente. Não será esse o motivo de uma possível diminuição nas exportações de carne para a Europa, único mercado servido pelo Brasil que atualmente exige a rastreabilidade.

Enquete

O BeefPoint realizou uma enquete nos últimos 15 dias com a seguinte pergunta: Com o credenciamento das primeiras empresas no dia 18/6, você pretende rastrear os seus animais? e os resultados foram interessantes.

É bom lembrar que essa não é uma pesquisa científica, pois entre outros fatores não tem uma amostragem ideal e o número de respondentes não é muito elevado. É apenas uma pesquisa exploratória, que pode nos dar indicações de como o setor está lidando com a situação.

Apesar disso, os resultados da pesquisa foram animadores. Quase um quarto dos respondentes (23%) pretende rastrear seus animais imediatamente ou já tem animais rastreados. Isso mostra que pelo menos entre os produtores mais tecnificados existe a percepção que a rastreabilidade tem vantagens e, sendo trabalhada de forma correta, poderá trazer resultados positivos para os produtores. O que esses produtores esperam é que, tendo a rastreabilidade, será possível obter um melhor preço por seus animais. Muito provavelmente, esses produtores, que são mais adeptos a novas tecnologias, abatem animais de maior qualidade que a média dos produtores e (salvo raras exceções) não recebem mais por essa qualidade extra. Provavelmente, a rastreabilidade não trará um sobre-preço direto, mas será uma grande ajuda para “coroar” aqueles produtores que já produzem com alta qualidade.

Com um pouco mais de cautela, 28% pretendem rastrear quando tudo se esclarecer melhor. Isso mostra que, novamente de acordo com a nossa enquete sem pretensões estatísticas, algo em torno de 50% dos produtores ou já rastreia ou pretende rastrear seus animais no médio prazo. Isso já representaria um número bem razoável de animais dentro dos padrões europeus.

Por outro lado, ainda temos 42% que parecem não estar convencidos que esse requerimento traz vantagens ou será mesmo necessário. Os 6% restantes são contra a implantação e não acreditam nessa necessidade. Para esse grupo, que prefere continuar como está, não há pressa. Nas normas de hoje, a rastreabilidade só será obrigatória em 2007 para todo o rebanho brasileiro, havendo assim muito tempo para adaptação e mudanças.

Vantagens não exploradas

Um detalhe que deveria estar sendo mais explorado é a maior facilidade de obter dados que auxiliem no gerenciamento da propriedade. Um bom exemplo são os dados de abate, dos quais hoje o produtor tem apenas o peso sem identificação. Com isso, mesmo que tenha seus animais marcados individualmente ao final do abate, tem-se apenas a média do lote. Com a identificação individual seria muito mais fácil identificar quais animais têm maior rendimento e qualidade de carcaça.

Com isso, seria mais fácil para selecionadores descobrirem quais os melhores touros para estas características, possibilitando a melhora dessas características e, quem sabe no médio prazo, poderíamos começar a selecionar também para características de carcaça, como os americanos já fazem há algum tempo. Recriadores e engordadores poderiam identificar quais fornecedores de bezerros/boi-magro têm melhores animais. Sem falar que seria possível acompanhar individualmente o rendimento de carcaça, facilitando muito o controle e prevenção de “quebras de peso” na balança do frigorífico.

Enfim, daria mais transparência a todo o sistema, ajudando a selecionar melhores animais e evitando fraudes.
___________________________________
1Engenheiro Agrônomo pela ESALQ/USP e coordenador do BeefPoint

0 Comments

  1. Fernanda Aguirre Franco disse:

    Gostei muito do artigo e, principalmente, do resultado da pesquisa. O artigo é claro, e, de forma simples, abordou um assunto que ainda está muito confuso para alguns produtores. Parabéns.

  2. Elino Volpato Junior disse:

    Acho que todo mundo fala em rastreabilidade e falam nos bens que ela pode trazer, mas eu e meus colegas de profissão, produtores e veterinários, já estamos cansado de tanta enrolação. Está na hora de alguém mostrar algo construtivo e que traga um retorno ao produtor, que já não aguenta mais ser exigido diariamente com tantos impostos e regulamentações e ser sempre massacrado pelo mercado frigorífico e político brasileiro.

    Gostaria que surgissem medidas eficazes em relação a rastreabilidade, medidas estas interessantes e compensatórias aos coitados produtores brasileiros.

    Espero resposta de alguém que seja culto e entendido do assunto e que não queira me adular e sim trazer-me algo promissor.

    Obrigado pela atenção!