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Rastreabilidade: quando o Brasil vai ter?

Por Tito Livio Machado Jr1

Os episódios de doença da vaca louca e contaminação de produtos lácteos pela dioxina, na Europa, geraram um pânico que reverteu definitivamente os critérios da valorização dos produtos de origem animal.

Com mais de 370 milhões de consumidores, o mercado europeu é um dos mais vastos do mundo. Melhor informados e organizados, os consumidores têm exigências crescentes em matéria de segurança e de qualidade dos alimentos que os profissionais do setor não podem continuar a ignorar.

Essa nova consciência do consumidor levou a União Européia a definir uma legislação especifica para garantir a segurança alimentar, reafirmando o caráter integrado da cadeia alimentar e que, para garantir a eficácia global, é fundamental assegurar um nível elevado de segurança dos alimentos em todas as etapas da cadeia alimentar, do produtor primário até ao consumidor, exigindo a rastreabilidade dos produtos em todas as etapas da cadeia alimentar. (www.europa.eu.int/scadplus/leg/pt/lvb/f80000.htm)

No caso da carne bovina, nesse momento em que o Brasil assume a liderança das exportações mundiais, é imprescindível perguntar quando teremos condições de atender às exigências do mercado consumidor? O que acontecerá no futuro, pois, para termos rastreabilidade da carne seriam necessários, no mínimo, três anos, considerando-se que esse animal deveria ser identificado e acompanhado desde a propriedade em que foi parido até o abate.

Quantos criadores de bezerros estão integrados no sistema de identificação? Qual o lucro e, conseqüentemente, o interesse do criador de contratar uma empresa para fazer a identificação e acompanhamento individual deste bovino?

Torna-se imprescindível e urgente que se criem mecanismos que incentivem o produtor de bezerro e boi magro a se integrar ao processo, para isso é necessário que o serviço oficial defina uma identificação física permanente e não fraudável que permaneça no animal desde o parto até o abate (ex. brincos metálicos, tipo grampo, que só saem do animal arrancando a orelha(Irlanda)).

A caracterização física aliada à documentação oficial do SISBOV permitiria que fossem criados preços diferenciados para bezerros e bois magros rastreados, trazendo com isso o interesse na participação efetiva de todos os criadores em uma parcela do lucro marginal, hoje só auferido pelos vendedores de boi gordo, integrados ao SISBOV.

O esquema atualmente aceito, pela Comunidade Européia, para importar carne do Brasil, deve ser entendido como uma etapa cujo objetivo final é garantir a segurança do consumidor que, se por um lado, o tempo esta ficando cada vez mais premente, por outro, nenhum país no mundo tem melhores condições de oferecer um aval de serviço oficial tão seguro.

As condições do Brasil, favorecidas pela estrutura dos Serviços Veterinários Oficiais (estadual e federal), mantidos atuantes pelas atividades de erradicação da febre aftosa, permitem que se disponham de informações de todos os estabelecimentos que possuem bovídeos, atualizados através de censo (vacinação contra a febre aftosa), duas vezes por ano, da população por faixa etária.

Essas informações estão armazenadas em escritórios locais e mantém igualmente todos os dados de movimentação de animais. Com a utilização de tecnologia de informática hoje disponível, é possível lançar essas informações desde a unidade local em uma base de dados a nível central do estado.

A entrada de informações oficiais, por grupo de animais, como existem nas fichas dos criadores no escritório local, bem como as consultas para permissão de movimentação e emissão do documento de trânsito (com avaliação automática do risco de movimento entre regiões segundo o estado sanitário) poderão ser feitos remotamente, do escritório local, usando softwares hoje já operacionais e disponíveis.

A segurança da entrada de dados e consultas é assegurada por sistemas de nomes e senhas semelhantes aos hoje usados por terminais bancários, em qualquer parte do país.

O sistema permite que se tenha uma população fechada de bovídeos, numa área definida (estado), incrementando-a através de nascimentos ou importações e diminuindo-a através de abate (com SIF) ou morte com registros da causa, que em três anos, atualizados pelos censos semestrais das vacinações, tornaria essa base de dados totalmente consolidada e imune a erros ou fraudes.

As empresas privadas prestadoras de serviços de rastreabilidade individual, teriam permissão de acesso aos dados do estabelecimento, que contratou o serviço, na base de dados oficiais, segundo sua responsabilidade e senha, e fariam a identificação individual dos animais, bem como poderiam solicitar permissões para movimentação de indivíduos entre propriedades rastreadas e ou estabelecimento de abate.

Nesse processo, seria possível que o criador pagasse por indivíduo rastreado somente para aqueles que tivessem uma valorização na comercialização futura (novilhos), ou por uma consultoria técnica integral para a propriedade como um todo, redundando em aumento da produção e produtividade da propriedade, adicionado do lucro marginal dos indivíduos valorizados pela condição de animal rastreado.

O cômputo dos totais de animais por grupo, dentro da propriedade, e a movimentação entre os estabelecimentos, é automaticamente acertado pelo sistema, quando da emissão da autorização de despacho dos animais para outra propriedade ou abatedouro (que, no caso, informa o dia e hora do abate do grupo ou indivíduos através de seu acesso remoto à base de dados).

Experiências reais demonstraram que, era muito importante para a saúde animal (surto de aftosa da Inglaterra), além do trânsito de animais, se registrassem os veículos e empresas transportadoras, para permitir rastrear episódios de doenças disseminadas por veículos de transporte de animais.

Finalmente é importante ressaltar que só teremos rastreabilidade no futuro, se hoje for criado mecanismo que consiga interessar o produtor de bezerros a se integrar no processo, e que todo o processo de segurança alimentar e a rastreabilidade dos produtos de origem bovina, no Brasil, terão muito mais credibilidade técnica, se o aval oficial for baseado nos sistemas de informações, hoje existentes, nos serviços de saúde animal dos estados, modernizados por ferramentas de informática já disponíveis, economicamente viáveis.

Obs: Este assunto será discutido no 30º Congresso Brasileiro de Veterinária, a ser realizado entre os dias 5 e 9 de outubro, em Manaus (AM)
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1Tito Livio Machado Jr é médico veterinário, M.V.P.M. e Ph.D

0 Comments

  1. Melquíades Alves Filho disse:

    A certificação de animais realizada pelas certificadoras é um grande engodo dentro da pecuária nacional. Na verdade muitas destas empresas foram criadas, apenas com o intuito de fatutrar e não certificar, senão vejamos: em todo o país foram designados pelas mesmas “técnicos treinados” para a execução da certificação. Na prática isto não existe. As certificadoras apenas fornecem os números do Sisbovi e cobram por isto. As demais ações são executadas pelos produtores. Com o objetivo de dar segurança e credibilidade ao sistema, o governo acabou criando mais uma fonte de custos para o produtor, que ainda não é remunerado pelo investimento que executa em qualidade e sanidade.