Por Mário Alves Garcia1
Desde o início do SISBOV, muito se discutiu sobre identificação individual dos animais, porém, recentemente, acredito por motivos dos mais diversos, a questão tem tomado rumos completamente obscuros. Vou tentar neste texto explanar um pouco do enxergo da situação, não com o objetivo de ser o “dono da verdade” mas sim, com o objetivo de discutir de forma serena e consciente as questões envolvidas em torno deste tema e permitir aos que têm tido acesso aos questionamentos visualizem outros pontos de vista.
Primeiramente, ultimamente ouvimos dizer a cada dia mais que “a pecuária precisa ser tratada como empresa”, “como negócio” e não como hobby ou alternativa de burlar o fisco, etc. Se tais afirmações têm algo de correto e a maioria de nós concorda em profissionalizar a atividade, vamos tratar a coisa de forma PROFISSIONAL. Em qualquer EMPRESA de porte maior, encontramos cadeiras, grampeadores, mesas, arquivos, etc com uma plaqueta de patrimônio que carrega um número. Este número, além de ser utilizado para AUDITAR o patrimônio da empresa, serve ainda para calcular os resultados da empresa em determinado período, onde são feitos os inventários com base no patrimônio envolvido para a produção obtida ou desejada. Ora, se uma empresa acha que é viável identificar individualmente um objeto que vale às vezes R$ 3,00 ou R$ 5,00, onde está o absurdo de identificar individualmente um bezerro que vale R$ 350,00 a R$ 400,00? Além da empresa pecuária poder AUDITAR o seu estoque, calcular a sua rentabilidade, saber QUEM morreu ou foi abatido, temos outras razões técnicas que justificam plenamente a identificação individual.
Tradicionalmente, como é feita a venda de animais para abate quando estes são manejados em lote? Apartam-se os mais pesados e bem acabados para envio para o frigorífico. Porém como em toda distribuição de população, na pecuária não é diferente: temos a “cabeceira”, o “meio” e o “fundo” e se quisermos analisar somente um aspecto (pois isso se aplica a todas as variáveis envolvidas no processo produtivo), iremos analisar o GANHO DE PESO. A “cabeceira” (1 desvio padrão acima da média) corresponde a aproximadamente 17% da população; entre a média e + 1 desvio padrão temos 33% da população; mais 33% entre a média e – 1 desvio padrão (estes dois últimos são o “meio”) e abaixo de 1 desvio padrão outros 17% da população, o “fundo”.
Nossos vaqueiros, gerentes, capatazes identificam com facilidade a “cabeceira” e o “fundo”, porém o “meio” (66% da população) é de difícil identificação, quanto maior for o rebanho. Sendo assim, toda vez que abatemos os mais pesados e mais bem acabados, na verdade reduzimos o ganho médio da propriedade, porque “selecionamos” e a cada dia mais ficamos com animais de “meio” e “fundo”, comprometendo o resultado ao longo do tempo. Como poderemos identificar quais os animais justificam uma suplementação para promover maiores ganhos de peso? Quais os animais devem ser abatidos “leves” porque não darão o retorno financeiro esperado e justifica plenamente a sua substituição por outro animal que traga o retorno esperado?
Esta distribuição da população é o que explica a “Curva de Gauss”, representada matematicamente pela seguinte expressão:
Trabalhamos há 20 (VINTE ANOS) identificando animais individualmente, antes de existir SISBOV e TODOS os produtores se convencem imediatamente que este é o primeiro passo para a profissionalização da empresa pecuária. Sendo assim encerro este artigo com a intenção de dar mais subsídios para que as pessoas reflitam sobre as atitudes e interesses das ações que temos ouvido falar.
“Não existe rastreabilidade sem identificação individual.” Lirani
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1Mário Alves Garcia, Consultor em Produção de Bovinos de Corte, Equipe Prodap Consultores Associados
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Concordo com tudo.
Mas o produtor pode escolher a utilização dessa tecnologia ou não, e não ela sendo imposta guela abaixo do produtor.
Rastreabilidade sim, mas opcional!
Muito bom o artigo, o articulista foi de uma clareza ímpar sobre o assunto, porém gostaria de acrescentar alguns comentários.
1) para aqueles que defendem a certificação de propriedades, e não a identificação individual, gostaria que explicassem como isso seria feito na prática, sendo que as características de cria, recira e engorda, no Brasil, geralmente são atividades realizadas por pecuaristas distintos, que adquirem animais de vários criatórios, misturando-os e revendendo-os para terceiros.
2) Na atual fase em que se encontra o SISBOV, a coisa está meio tumultuada, o que é normal, pois é uma atividade nova para o produtor, que se viu na obrigação de colocar brincos nos seus bois para enviá-los ao abate, sem o que sofreria um deságio no preço da @. Com o tempo isso vai se ajustando.
3) Toda implantação de novas medidas sempre encontra resistência por parte dos acomodados, que já estabeleceram suas rotinas de trabalho, nem sempre as melhores e que de antemão acham dificuldade em tudo.
Ainda há outros aspectos que poderia citar, mas para não me estender finalizo por aqui.
Eu quero dizer que o comentário é pertinente, a explicação convincente, mas a implementação se iniciou equivocadamente.
Foram os Frigoríficos e não os pecuaristas, que tiveram a necessidade de rastrear os animais para exportar a carne e o sistema começou de cima para baixo. Caso o sistema funcionasse como uma cadeia produtiva livre estes animais certificados deveriam ter tido um bônus por parte da cadeia produtiva, incentivando os demais elos da cadeia a aderirem o sistema e se beneficiarem destes bônus.
Mas o que ocorreu foi que a cadeia achou mais fácil desqualificar o que vinha sendo feito (deságio dos que não são rastreados) e tentar impor esta condição ao sistema produtivo. Está dando no que estamos vendo: produtores descontentes com certificadoras, problemas com fábricas de brincos, questionamentos da correta maneira de se rastrear e certificar os animais, etc.
Em suma enquanto o sistema de produção de carne não for um sistema de vasos comunicantes vai ser sempre assim.
Achei interessante o artigo do consultor Mário Alves Garcia, e acho que muita coisa tem que ser discutida com relação a aplicação das normas do SISBOV.
A Instrução Normativa 21 de 2/04/2004, exigiu como segunda identificação do gado rastreado, além do brinco identificador, o buttom, tatuagem ou dispositivo eletrônico na orelha esquerda, ou marca a ferro na coxa traseira, não contemplando a possibilidade do uso do número de manejo da fazenda, o que seria natural, tendo em vista que as propriedades organizadas, tem seus animais brincados com o número individual de cada um.
Aproveito o ensejo para colocar em discussão também, a Instrução Normativa 88, que estipula que até 2006 o animal jovem deve ser cadastrado no sistema até 90 dias após o seu nascimento. Por que não na desmama? Se até ela, o animal permanece ligado a mãe, o índice de mortalidade é maior, e é na desmama que o animal normalmente é identificado pela propriedade, para ser separado em lotes.
A referida Instrução, quando fala também em marca a ferro na coxa traseira, na parte inferior, será que fez o teste?; colocar 6 números com no mínimo 4 cm de altura a ferro quente, na perna traseira de um bezerro, mesmo que sejam feitos 3 encima e 3 logo abaixo, é viável?
Uma outra discussão é com relação a obrigatoriedade, por que o sistema não pode ser de opção da propriedade pecuária, o que interfere no sistema, vez que o gado que não estiver rastreado não se destina a exportação?
Ficam aí os questionamentos, para resolução ao longo da implantação do SISBOV, que todos esperam que seja uma regulamentação prática e econômica.
Fico satisfeita em ler artigos de colegas da área que comungam com a minha crença de que a identificação animal é uma realidade que só traz benefícios para a cadeia produtiva. Mário, concordo com você em genêro, número e grau. O nosso trabalho é de formiguinha, não acha?
Acho muito intereçante esse esclarecimento, embora tenho certeza que o SISBOV deve ser totalmente revisto e o problema da identificação por grupo ou individual é na verdade mais um dos inumeros tópicos a serem revistos e mudados.