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Rastrear é fácil, difícil é certificar e manter – por José Ricardo S. Rezende

José Ricardo Skowronek Rezende, administrador de empresas, especialista em processamento de dados, pecuarista (Grupo Rezende) e leitor BeefPoint participou como palestrante do Workshop BeefPoint – Certificação e Rastreabilidade, realizado nos dias 07 e 08 de agosto em São Paulo. José apresentou sua experiência com a rastreabilidade e certificação na pecuária, contando seu histórico como produtor no Mato Grosso de ciclo completo com 35 mil animais.

José conta que é pecuarista, atua e já atuou de diversas formas com o SISBOV: rastreia animais próprios desde 2002, foi certificador até 2007  e também atua com desenvolvimento de software para coleta e gestão de dados. Atualmente ele não é mais certificador, possui 150 mil animais próprios rastreados por seu software e outros milhões rastreados por seus clientes. José comenta que foi ao evento contar um caso de sucesso, “entre poucos” ele acredita, porém possível.

De forma clara e objetiva (com quatro slides), José pontua os requisitos para se começar a rastreabilidade em qualquer fazenda, as dificuldades encontradas em sua trajetória e as soluções adotadas para cada desafio encontrado.

De maneira geral, José acredita que sim, as dificuldades existem, porém os produtores se preparam mal para começarem a rastrear seus animais: “Qual produtor lê a norma do SISBOV antes de rastrear?”. Comenta que é muito importante ler o protocolo e se inteirar sobre as mudanças que precisarão ser adotadas no sistema produtivo, assumindo a própria responsabilidade sem transferí-la às certificadoras. “Não adianta começar a rastrear sem saber o que precisa fazer, e no final cobrar os resultados somente da certificadora, sem fazer a lição de casa”, José diz.

Após detectar as principais dificuldades a serem enfrentadas na implantação e operação do protocolo de rastreabilidade, é preciso avaliar os ajustes que serão necessários no processo de trabalho da fazenda. Como principais pontos José cita a aquisição de equipamento e ferramentas adequadas, contratação de pessoal e consultorias específicas, mostrando que a manutenção do SISBOV na propriedade demanda investimento. Ainda, diz que este processo de rastrear é a base para se buscar qualquer certificação. “O trabalho pré-certificação é fácil, é só brincar os animais. A partir daí que começa a dificuldade”, se referindo à gestão e controle das identificações individuais.

Além de avaliar a mudança de processos produtivos, José complementa com a necessidade de se fazer a análise de custos e benefícios. É preciso relacionar os investimentos necessários, identificar as oportunidades de negociação dos animais rastreados e também listar os ganhos indiretos, ou de “dentro da porteira”. As condições melhores de venda são um grande incentivo para se começar a rastreabilidade, porém não é o único. José explica que os benefícios são diretos e indiretos: diretos são os melhores preços de venda e os indiretos são os ganhos alcançados com a melhor estruturação dos dados de produção, fornecendo condições para avanços de gestão.

Outro ponto importante é avaliar os benefícios a serem alcançados em cada ramo de atividade. No caso de fazendas de cria, rastrear individualmente os bezerros é interessante somente em uma parceria, onde o cliente continuará com o trabalho. Pois o comprador de animais de reposição pode desconsiderar a identificação original e começar sua própria, desconsiderando o trabalho de rastreabilidade do criador.”(Rastreabilidade na) Cria, só com parceria para buscar Cota Hilton”, comenta José Rezende.

José comenta que é necessário nomear uma pessoa responsável pela rastreabilidade. Por causa do grande volume de informações levantadas, é preciso centralizá-las para manter a organização. Ainda, a questão de treinamento das pessoas e formalizar por escrito os processos é uma medida de segurança  para circunstâncias adiversas: “Tecnologia ajuda demais. Capacitação mais ainda”. Em períodos de auditoria, é praticamente obrigatória a verificação de todos os processos dentro da fazenda abordados pelo protocolo, diminuindo os riscos de perda de status frente à certificação ou rastreabilidade.

Após apresentar seu passo-a-passo, José conta suas maiores dificuldades e as soluções adotadas. A primeira questão citada foi sobre a coleta de dados. A adoção de técnicas precisas para a leitura do código de barras do brinco dos animais é imprescindível. A leitura visual, anotação ou digitação manual é imprecisa e arriscada, muito susceptível ao erro das pessoas. Sobre a “burocracia”, José comenta que um sistema digitalizado ou eletrônico praticamente elimina o uso de papel, transformando a operação simplesmente em registro de entrada e saída de animais, com eventuais baixas do sistema.

A durabilidade dos brincos na orelha do animal é outra dificuldade encontrada, pois o tempo de retenção dos identificadores é incompatível com o ciclo de produção (exceto para confinamento). A estratégia encontrada por José foi colocar um brinco (novo número) e o animal irá cumprir a noventena. Sobre pedir o identificador (laranja) de reposição, ele diz que é inviável. Pois após o problema ser identificado (perda do brinco/botton), o animal é solto para ser retido novamente para colocação do brinco laranja, normalmente 40 a 50 dias depois. Substituindo por um novo número, o problema já fica resolvido e a noventena “fica agora só com 40 dias, pois 50 seriam só o período de espera pelo identificador laranja”.

O menor ritmo de trabalho no curral devido à identificação individual é outro ponto que levanta críticas. José continuou seguindo o protocolo, e diante do menor ritmo, ao invés de terminar o embarque em um dia, ele termina em dois. Ele também comenta que a norma do SISBOV é incompatível com a realidade brasileira, devido à extensão das fazendas no país. José diz que faz o inventário todo ano, passa 35 mil animais no curral, “é neccessário” e ajuda a diminuir a questão de incompatibilidade e identificam-se números que “não vieram ao curral” .

José Rezende acredita que quem faz a rastreabilidade e tem poder sobre o processo é o produtor, quem está no dia-a-dia. Quanto menor o tráfego de dados e envios de relatórios e planilhas, melhor e mais organizada será a identificação individual. Para isso, a sincronização online dos dados coletados na fazenda e atualização direta no Banco Nacional de Dados (BND) é interessante. Segundo ele, o BND tem condições de suportar o fluxo de informações.

Concluindo, Rezende comenta sobre a tendência de segmentação de mercados, citando diversas cotas existentes, certificações e sistemas produtivos que se as propriedades estiverem preparadas, podem aproveitar muita oportunidades. José deixa uma ressalva, retomando a importância de se conhecer a norma, pois conheceu produtores com fazendas aptas à Lista Traces, porém o padrão dos animais era inadequado, devendo ser castrados e com determinada cobertura de gordura por exemplo.

Após a palestra, na seção de perguntas, Miguel Cavalcanti (BeefPoint) complementa que a fazenda do José Ricardo está pronta para se adequar à qualquer certificação. Com um sistema de produção rastreado, qualquer proprietário pode avaliar e escolher em qual norma se inserir, dependendo somente do prêmio e benefícios oferecidos.

Alexandre Raffi (Novilho Precoce – MS) também faz um comentário, dizendo o quanto se surpreendeu após implantar o chip eletrônico em seus animais. Com a identificação digital, Alexandre identificou que a quantidade de animais que mudam de pasto, ou “varam a cerca, é enorme”. Ele deixa a mensagem que a tecnologia passou a ser inevitável em seu sistema produtivo. José aproveita a colocação de Alexandre e reforça a importância que ele dá ao controle detalhado de seus animais. Chegou a brincar que financeiramente este controle fica “barato”. Ele paga uma certificadora que presta o serviço de checar seus processos, e também tem a auditoria do governo “de graça”. Desta forma, ele diz que o esforço de seus funcionários até fica maior diante destas exigências, ficando com maior segurança sobre seus dados coletados.

Artigo de Marcelo Whately, analista de mercado da Equipe BeefPoint.

6 Comments

  1. Nagato Nakashima disse:

    Sr. José Ricardo Resende: concordo plenamente do senhor, sou médico veterinário com 70 anos e 40 de profissão, CRMVRO n° 0001, também fui pecuarista como também trabalhei com SISBOV e hoje tenho a convicção de que se não mudar radicalmente o modelo em implantação não funciona adequadamente.

  2. Wilmar Krüger D'Almeida disse:

    José Ricardo – Realmente um sistema eficiente, que imponha credibilidade ao produto, que nós consumiremos, se faz essencial para a nossa saúde fisica e, logicamente participando também de nossa saúde mental. (corpo fragilizado, impõe serias restrições a nossa mente).
    Assim sendo, nos dá a base, para que possamos, em futuro próximo, ingerirmos os produtos de origem animal, na sua forma integral, sem que tenhamos que processá-lo, notamente pelo calor, para a obtensão da inocuidade. Este fato, conhecido a muito, mas adimitido como mal necessário, nos leva a perdas elevada de nutrientes ou assimilação destes, impedindo que possamos, na plenitude, usufruir da melhor fonte de proteínas, anexados às suas vitaminas e minerais e de outros ainda não conhecidos.
    Portanto, uma base essencial, para que possamos avançar.

  3. jose augusto duarte disse:

    trata-se de um tema tao abrangente que qualquer aporte a um campo ainda carenciado de informaçao e aqui e ali marginado da-nos um prazer enorme saber dos avanços em curso visando o par e passo com tecnologias de ponta ja em curso noutras actividades que nao de ambito rural.

  4. Marcos Dias disse:

    Dentro da fazenda, não há o que criticar nas palavras do Sr.José Rezende. Mas a rastreabilidade, como foi concebida na Europa (Espanha, onde os rebanhos são pequenos -menos de 100 cabeças- por produtor) e copiada aqui, deixa de ser confiável quando os animais vão para o abate. Os frigorificos matam centenas de animais por dia e inumeras vezes os lotes (e seus produtores) acabam misturados. Há erros de identificação no boi casado e muitos mais erros nos cortes embalados. O chip, eficiente no campo, na confusão da maioria dos frigorificos perde suas qualidades de identificação. Enfim, em grande escala, o sistema tem tantos problemas que o produtor está permanentemente sob a ameaça de receber um processo de algum consumidor europeu sem que tenha culpa alguma. O sistema terá de usar, em algum futuro, marcadores de DNA, para que essa situação deixe de ser possível. Por enquanto, afirmo que o Sisbov perde muito de sua credibilidade quando chega à grande maioria dos frigorificos.

  5. Roberto José Taranti disse:

    Em primeiro lugar parabéns pelo artigo do sr. José Ricardo Skowronek Rezende, meu nome é Roberto José Taranti, sócio de uma empresa de TI, leio constantemente o BeefPoint, tenho acompanhado com muito interesse o assunto sobre rastreabilidade, entendo que está faltando uma discussão mais ampla sobre como obter melhor aproveitamento da rastreabilidade para atender de forma técnica e economicamente viável os interesses envolvidos.
    São inegáveis os benefícios do rastreamento em todas as propriedades e da importância do SISBOV e das ERAS para a exportação, porém quando aparece um foco de febre aftosa, o problema sanitário é comum e atinge igualmente todas as propriedades, rastreadas ou não.
    As exigências sanitárias nacionais e dos organismos internacionais de controle sanitários para erradicação de doenças como a febre aftosa precisam ser cumpridas, então não basta a propriedade obter a certificação para estar protegida, é necessário dar suporte para que o PNEFA possa atingir seus objetivos, afim de minimizar os prejuízos daqueles que realizam investimentos com sistemas de rastreamento e gestão de suas propriedades, assim como reduzir os prejuízos de toda cadeia produtiva.
    Também concordo com o Sr. Alexandre Raffi sobre a adoção do chip eletrônico, vejo também vantagens na implantação de um sistema nacional de rastreamento e monitoramento eletrônico de vacinação com o uso de bottons ou TAGs em todas as propriedades, rastreadas ou não. Este sistema disponibilizaria instantaneamente as informações para o BND (Banco Nacional de Dados) permitindo um monitoramento eficiente para tomadas de ações imediatas em caso de aparecimento de foco da doença.
    Com o uso de um sistema de monitoramento eletrônico para controle de vacinação, certamente diminuirá o prazo para emissão de documentos de comprovação de vacinação dos animais, que facilitaria a fiscalização, o transporte e abate de animais, e principalmente aumentará a confiabilidade e transparência da vacinação e da qualidade de nossos produtos para os países importadores e consumidores nacionais.

  6. José Ricardo Skowronek Rezende disse:

    A essência do que tentei expor é que qualquer tipo de controle que se queira implantar em um processo produtivo exige ajustes na sistemática de trabalho. E que é preciso investir em boas ferramentas e na capacitação do pessoal para ter sucesso, Mas que tais ajustes podem ser muito benéficos para os produtores.

    Para mim foram e continuam sendo. Apenas com o diferencial de preço recebido em 2008 recuperei tudo que investi ao longo dos anos e um pouco mais. Mas 2008 foi um ponto fora da curva. O importante é que em nenhum ano a conta da rastreabilidade foi negativa. Isto para não falar na segurança e no subsidio a tomada de decisão que bons controles proporcionam aos pecuaristas.

    Mas não creio que exista uma solução mágica para se controlar um processo complexo. Depende de esforço de todos os envolvidos, dentro e fora da fazenda. Um bom software ou a adoção do brinco eletrônico (ferramentas) pode sim contribuir muito, mas por si só não bastam. Gente capacitada ainda é a essência do sucesso.