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Rebanho bovino e desmatamento

Tenho acompanhado, por dever de ofício e interesse próprio, o debate sobre agricultura e desmatamento que tem ocorrido no Brasil e no exterior. Neste artigo defendo a idéia de que não há incentivos econômicos para que, nos próximos anos, o rebanho bovino continue a se expandir, nem na Amazônia, nem no resto do Brasil. Isso significa que não poderemos explicar novos desmatamentos na região por expansão econômica da pecuária, simplesmente porque ela não vai ocorrer. Assim, não há como entender o papel da pecuária no desmatamento sem avaliar o contexto econômico por que passa o setor.

Tenho acompanhado, por dever de ofício e interesse próprio, o debate sobre agricultura e desmatamento que tem ocorrido no Brasil e no exterior. O assunto vai estampar as capas dos jornais nesta semana, com a divulgação dos dados sobre a Amazônia captados pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O que mais me intriga nesse debate é o papel da pecuária. Os dados de maio devem manter o setor no centro da discussão.

Neste artigo defendo a idéia de que não há incentivos econômicos para que, nos próximos anos, o rebanho bovino continue a se expandir, nem na Amazônia, nem no resto do Brasil. Isso significa que não poderemos explicar novos desmatamentos na região por expansão econômica da pecuária, simplesmente porque ela não vai ocorrer. Assim, não há como entender o papel da pecuária no desmatamento sem avaliar o contexto econômico por que passa o setor.

A sociedade brasileira parece estar tomando consciência de que não é possível explicar nem mesmo encontrar soluções para o problema do desmatamento da Amazônia reduzindo a questão à indicação de alguns culpados. Estamos nos dando conta também de que a Amazônia é uma região heterogênea e complexa, do ponto de vista social, ambiental e econômico. Jornais e grandes revistas já começam, a meu juízo pelo menos, a abordar o tema levando em conta essa complexidade. Generalizações, portanto, tendem a gerar análises parciais, enviesadas e sem grande utilidade prática. Como exemplo, ao que parece, muita gente já sabe a diferença entre Amazônia Legal e bioma amazônico, embora, em vários casos, o governo e atores da sociedade civil se esqueçam disso.

Essa tomada de consciência, no entanto, ainda não foi capaz de colocar a pecuária, com perdão do trocadilho, no seu devido lugar. Meu argumento é que o fato de a Amazônia conter uma importante parcela do rebanho brasileiro de bovinos não quer dizer, necessariamente, que a pecuária seja o motor do desmatamento. Sobretudo quando olhamos para o futuro.

Essa associação de causa-efeito direta entre expansão da pecuária e desmatamento da Amazônia tem estimulado o nascimento de algumas iniciativas que, bem-intencionadas quanto ao objetivo de estancar as causas deste, acham que, ao frear a expansão da pecuária, automaticamente se desliga o motor do desmatamento. Essa relação de causa-efeito vai passar por um teste de realidade nos próximos anos. Sabemos que o rebanho brasileiro não vai continuar a crescer como nos últimos dez anos. Se o desmatamento não der trégua, e se o rebanho de fato parar de crescer, a pecuária poderá ganhar seu salvo-conduto. Ironicamente, a melhor solução para o Brasil é que a pecuária não ganhe salvo-conduto, ou seja, que o desmatamento caia e nada consigamos comprovar da ação da pecuária sobre ele.

Há certa controvérsia sobre dados de rebanho no País. Prefiro trabalhar com os da Produção Pecuária Municipal, do IBGE. O rebanho brasileiro cresceu de 158,3 milhões de animais em 1996 para 205,8 milhões em 2006, último ano disponível no IBGE. Veja que em 2005 eram 207,1 milhões de animais. De 1996 a 2006 o rebanho cresceu, portanto, 30% e a uma taxa de 3% ao ano. Embora os dados do IBGE não passem de 2006, estudos de consultorias especializadas apontam que o rebanho brasileiro em 2008 está ao redor de 202 milhões de animais. Ou seja, já está em queda.

Foi no bioma amazônico que o rebanho cresceu de forma mais vigorosa: saiu de 19,7 milhões de cabeças para 47,3 milhões. O rebanho também cresceu, embora menos intensamente, no Centro-Oeste (excluindo a parte de MT que pertence ao bioma amazônico), de 46,4 milhões de cabeças para 56,4 milhões, e nas áreas de cerrado do Norte-Nordeste (BA, TO, MA e PI), de 20,7 milhões para 27 milhões de cabeças. Houve crescimento ainda nas demais regiões. É esse vigoroso crescimento do rebanho no bioma amazônico que tem sido usado como justificativa para o argumento de que a pecuária é “o motor do desmatamento da Amazônia”.

Desde 2005 esse processo de dez anos de crescimento contínuo do rebanho brasileiro foi interrompido. Sua evolução é praticamente uma questão matemática: depende da taxa de natalidade e da relação abate/reposição de fêmeas. Para que o rebanho de um país siga em crescimento é preciso que o número de fêmeas abatidas (vacas e novilhas) seja menor que o de fêmeas nascidas. Quando esses números são equivalentes, como vimos no País nos últimos dois anos, o rebanho se estabiliza, ou até pode diminuir. Num rebanho estabilizado o abate de fêmeas pode ser ao redor de 95% da taxa de natalidade, uma vez que parte do que nasce se perde por mortalidade natural. Já num rebanho crescendo a 3% ao ano o abate de fêmeas não pode ser maior que 65%.

Esse é o chamado ciclo pecuário. No passado, em momentos de escassez de fêmeas, como ao que assistimos hoje, a produção de carne chegou até a cair, como parte do processo de ajuste e recuperação do rebanho. Reduzir a produção de carne, porém, não é mais opção para um país que é o maior exportador de carne bovina do mundo. Assim, a estabilização do rebanho brasileiro vai se dar por ganhos de produtividade, aumentando, sobretudo, a taxa de natalidade dos animais.

Isto nos leva a duas conclusões. A primeira é a de que, na pecuária, aumento de produtividade não combina com aumento de área de pasto. Assim, necessariamente, para um mesmo rebanho o Brasil vai precisar de menos área de pasto no futuro próximo. A segunda é a de que, sem prejuízo da produção de carne, o País vai precisar de, pelo menos, dez anos para que nosso rebanho volte a crescer 3% ao ano. Assim, esquecendo propositadamente que a produtividade sempre cresce na pecuária, podemos afirmar que a pecuária demandará novas terras somente lá por 2018.

0 Comments

  1. Janete Zerwes disse:

    Caro André,

    São muito esclarecedoras as publicações feitas pelo BeefPoint. Em seu artigo, você aborda um tema de alto interesse para a sociedade, especialmente para o produtor: desmatamentos/Amazônia/bois.

    Os produtores precisam conhecer amplamente todos os fatores referentes às questões ambientais para que possam se defender do ponto de vista legal, comercial e político das repercussões econômicas sobre a produção e comercialização da carne, decorrentes de uma visão parcial relativa às transformações climáticas que atingem o planeta, e, a real responsabilidade das atividades agrícolas e/ou pecuárias sobre os fenômenos climáticos.

    Não podemos ignorar que o Brasil possui a legislação ambiental mais rigorosa do planeta. Para aqueles que desconhecem a legislação ambiental brasileira, recomenda-se a leitura da Constituição do Brasil, as emendas recentemente homologadas ou os decretos do Executivo, que visam à proteção dos recursos naturais e “deveriam também” nortear as políticas públicas voltadas ao desenvolvimento agrário, mas nem sempre fazem.

    Recomenda-se outrossim a leitura do ZSEE -Zoneamento Sócio Econômico Ecológico que foi fundamentado a partir de princípios nacionais e internacionais de desenvolvimento sustentável, que busca orientar a adequação da Legislação Ambiental ás diferentes realidades sócio/econômicas/ambientais das diversas regiões que compõem os estados brasileiros, que considera, sobretudo, os vários biomas do Brasil e as fragilidades de cada um deles diante da ocupação antrópica.

    O ZSEE foi embasado em estudos científicos conduzidos por entidades de pesquisa de alta credibilidade e competência, que têm prestado serviços de relevância ao país na área de pesquisas ambientais e agrícolas, como foi o caso da Embrapa aqui no Mato Grosso.

    Torna-se quase supérflua uma projeção sobre o crescimento do rebanho na área da Amazônia Legal, quando é consenso entre os produtores o propósito de otimizar o uso das áreas de pastagens consolidadas, senão por uma questão de consciência ecológica, com certeza por razões econômicas, tendo em vista os altos custos para abertura de novas áreas (vide preços dos combustíveis e de insumos necessários para tanto).

    Grande parte dos problemas de desmatamentos na Amazônia se deve a negligência do Estado que deveria ter elaborado planos estratégicos para compatibilizar a proteção ambiental e os impactos causados pelo aumento das demandas por matérias primas agrícolas destinadas a alimentação – necessidade humana incontestável – e matérias primas destinadas à produção de biocombustíveis – imprescindíveis na substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia limpa, renováveis.

    Não é possível formar uma consciência ecológica distanciada do homem e de suas necessidades como muitos pretendem fazer, ou por falta de conhecimento ou por má intenção.

    Existe uma tendência explicita em colocar nas costas dos produtores a maior parcela da responsabilidade pelos crimes ambientais, quando se sabe que a maioria deles, nada mais fez que atender apelos de Programas de Governo, destinados a fixar o homem no campo, ocupar novas fronteiras territoriais, abastecerem a mesa do brasileiro, equilibrar a balança comercial, garantir arrecadação tributária e crescimento econômico para o País.

    No entanto a falta de políticas públicas voltadas à estruturação fiscal do Estado para ordenar e conduzir a ocupação fundiária, resultou em uma série de prejuízos ambientais.

    Os órgãos de governo que se omitiram ou negligenciaram a legalização fundiária e a defesa da preservação ambiental, devem ser responsabilizados na forma da lei pelas negligências, deveriam ser também responsabilizados pelos danos morais que atingem os produtores em decorrência das mesmas.

    Os agricultores precisam que a questão fundiária seja resolvida e as licenças ambientais tecnicamente garantidas para que continuem produzindo, tanto para o sustento de suas famílias como de outras pelo mundo afora.

    Diante da ameaça de inflação causada pela redução dos estoques mundiais de alimentos, mais do que nunca é preciso valorizar as vocações agrícolas e as competências para produzir.

    Janete Zerwes
    Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso
    Comissão de Produtoras Rurais
    Coordenadora em Tecnologia e Pecuária

  2. Breno Augusto de Oliveira disse:

    Excelentes informações André,

    Gostaria de contribuir com um lembrete, esta previsão da necessidade a partir de 2018 de mais terras para bovinocultura deve ser em áreas recuperadas e não em derrubadas, aumentando assim salvo-conduto da pecuária nacional.

  3. Bruna Rosa disse:

    Caro André,

    Venho por meio desta parabenizá-lo pelo seu artigo, que contribuiu com excelentes informações sobre esse tema tão falado e discutido entre governo e pecuaristas.

    As pessoas devem ter em mente que a pecuária vem se tecnificando cada dia mais e aumentando a produtividade por área, havendo, portanto, a não necessidade de se aumentar áreas de pastagens.

  4. Antonio Fernando Castilho Gonçalves disse:

    Não me parece que a pecuária seja a grande responsável pelo desmatamento na Amazônia. Não consigo visualizar tal fato, pois me parece que tal desmatamento está muito mais interessado na “madeira propriamente dita”, e a ocupação pelo boi é apenas consequência deste desmatamento.

    Como você menciona no artigo, o aumento da área de pastagem não significa aumento de produtividade e neste caso particular menos ainda, pois constituiriam e áreas extensas com baixa lotação e portanto baixa produtividade.

  5. Antonio Pereira Lima disse:

    Aqui no MS, uma fazenda formada de braquiária, cercada, dividida, agua, mangueiro, casa de peão, depósito e uma sede mais ou menos compra por R$2.500,00 ha.

    Quem sabe o que é formar uma fazenda e quanto custa, jamais deixaria de comprar uma pronta, e perto do maior centro consumidor do país que é São Paulo, para formar uma que custa mais caro e a produção vale menos.

    Eu continuo afirmando, ninguém desmata para lidar com pecuária, desmata para vender a madeira, que é mais cara do que o boi.

    Quando eu vejo algum ambientalista fanático criticar os que desmataram a amazônia, pior é que eles criticam de boca cheia, eu fico com pena de muitos amigos de espírito patriótico, que venderam suas terras no sul, para atender a um chamado do governo ,mais que um chamado, um pedido de socorro, com uma campanha nacional que começava com a frase “AMAZÔNIA, INTEGRAR PARA NÂO ENTREGAR”.

    Quem integrou pelo patriotismo, hoje está entregando pela covardia dos que fazem as novas leis desconsiderando as situações no passado.

  6. Carlos Sant´Ana disse:

    Para o conjunto de pecuaristas brasileiros a ocupação da Amazônia por pecuária não é interessante, visto que o benefício de alguns empreendedores de grande porte podem trazer prejuízos a toda nossa cadeia produtiva.

    O argumento de que o Brasil desmata áreas de floresta para produzir carne é uma cretina mentira brandida pela União Européia na tentativa de proteger seus mercados subsidiados, mas é plenamente aceito pelos consumidores europeus, e será uma arma usada contra nós caso o Brasil não seja responsável na proteção do patrimônio ambiental. Instituições internacionais devem ter cada vez mais poder de impor sanções aos paí­ses membros, se quisermos participar do mercado global devemos prover mercadorias com reputação ilibada.

    Além disso, as alterações climáticas produzidas pelo desaparecimento da floresta são imprevisíveis e certamente desfavoráveis à agricultura brasileira, portanto a cautela nos aconselha levar a sério as previsões mais catastrofistas. Não esquecer que a fortuna do Brasil se deve à benemercência de São Pedro antes de mais nada.

    A pecuária é uma atividade de baixa produtividade, e com certeza a floresta em pé poderia prover atividades mais rentáveis do que as atividades de tecnologia tradicional. Não tem sentido, numa época em que escassez de matérias primas nos faz plantar florestas de eucaliptos e pinus no Rio Grande do Sul, destruindo o bioma pampa, ainda destruirmos a floresta para aumentar as pastagens.

  7. Gil Marcos de Oliveira Reis disse:

    Caro André,

    Antes de mais nada obrigado!

    É a gratidão não de um Amazônida e sim de um ser humano, como tantos outros, que, diariamente, tem a sua inteligência e conhecimentos afrontados e desrespeitados (sabe, na minha idade, isso chega a ser doloroso) pelas autoridades que têm acesso às mídias internacionais e nacionais.

    Li e reli várias vezes o seu artigo e resolvi comentá-lo(como dizem os velhos “caboclos” Amazônidas) através destas “mal traçadas linhas”.

    Perdoe-me porque agora serei poético (ninguém esqueça que na Amazônia o nosso grande poema é a própria), ademais li o artigo assistindo um DVD Acústico da Gal Costa gravado em 1997, fiquei imaginando a sua pena passeando sobre a folha de papel, ansiosa que o sacrifício da sua brancura dessa feita valesse a pena e não se frustrou, cada palavra, cada sentença no lugar certo expondo as idéias e os conhecimentos de forma clara e sucinta, em um português escorreito, como um bailado bem ensaiado, que delícia compartilhar um texto com alguém que tem a consciência de que o maior instrumento da comunicação é a linguagem.

    Mas, esqueçamos a poesia, não há reparo no que foi escrito, entretanto posso complementar sugerindo o acompanhamento das invasões, os membros do MST, fetrafi, comandos do campo e outros que se assemelham às saúvas devorando uma plantação, os governantes da hora elegeram a Amazônia, em passado recentíssimo, para promover a “reforma agrária” de todo o Brasil e agora estão escolhendo os culpados para “tirar os deles da reta”. Talvez pudéssemos pedir a esse grande conhecedor da Amazônia, que hoje dirige o Centro de Monitoramento Por Satélite da EMBRAPA, Dr. Evaristo, para fazer o rastreamento.

    Sabe André nada do que dissemos importa, me vem à mente a figura da franquia onde o franqueado tem que seguir a arquitetura e decoração do franqueador, obedecer as normas e dizer amém. A fome e a sede começam a grassar no planeta, o ser humano está se reproduzindo como os coelhos e a Amazônia está aí como uma guloseima na prateleira, as crianças estão de olho.

    Pois é, o governo da hora está se comportando como um franqueado, o objeto é a Amazônia e o franqueador são as grandes potências. Você deve estar tentado a rebater perguntando, ingenuamente, mas, não é o franqueador que detém a franquia? E eu, sagazmente, como um bom “macaco velho”, te respondo:- eles já se sentem os donos e não roubaram, ganharam. As autoridades brasileiras estão se abaixando tanto que o “umbigo” está aparecendo e o pastor alemão (o cão, naturalmente) se saciando, “prá desgrudar” vai ser muito difícil.

    André, desculpe-me as imagens irreverentes, entretanto, lamentar e chorar não adianta, restou-me a irreverência. Dói muito assistir, passivamente, a política de “desintegrar para entregar”.

    É preciso ficar atento, em um futuro não tão distante, o poder do mundo migrará para os países que produzirem alimentos e possuírem água.

    Mais uma vez obrigado por alegrar-me os olhos e alimentar-me os conhecimentos.