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Redd: especialistas discutem incentivos à preservação

Nos últimos anos tem se discutido muito sobre preservação da floresta e mecanismos de incentivo Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação. O problema é que o mecanismo de incentivo continua bastante aberto e provocando muita confusão. Para Roberto Smeraldi, diretor executivo da Amigos da Terra Amazônia Brasileira "Redd é um instrumento positivo, mas tem que ser complementado. É um mecanismo de transição para outro mundo com a responsabilidade de ter mantido florestas em pé".

Quem tem algum interesse no destino das florestas em tempos de mundo aquecido já decorou uma sigla: Redd (Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação). A quase 100 dias da conferência do clima de Copenhague, em dezembro, a efervescência do assunto tem a mesma temperatura que a polêmica que desperta. O problema é que o mecanismo de incentivo continua bastante aberto e provocando muita confusão.

Dependendo de qual especialista se consulte pode-se encontrar definições e opiniões diferentes sobre o tema. Para Virgílio Viana, diretor geral da Fundação Amazonas Sustentável, Redd é a possibilidade de as florestas do mundo inteiro receberem entre US$ 10 bilhões a US$ 20 bilhões ao ano, considerando-se só o possível fluxo de mercado dos Estados Unidos. Gilberto Camara, diretor geral do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE, tem interpretação oposta. “Dependendo de qual Redd estamos falando”, diz, “trata-se de uma falácia, uma ilusão”.

Tal espectro de visões e desejos em torno do tema se explica porque, a rigor, Redd ainda não existe. O conceito começou a circular há alguns anos no circuito da negociação internacional por um acordo climático e não há dúvida de que estará no que resultar de Copenhague. “Redd é a ação que reduz o desmatamento”, decifra Tasso Azevedo, consultor-sênior para assuntos de clima e floresta do Ministério do Meio Ambiente. “O Brasil apoia este mecanismo de incentivo para as florestas”, continua. “A questão é onde estará no tratado do clima, com qual formato e para que será utilizado.”

Redd, é o projeto-piloto que o Banco Mundial toca em alguns países. Mas também poderia ser a compra de um equipamento para melhorar o monitoramento de florestas. O projeto da reserva do Juma, no estado do Amazonas, em que hóspedes da rede Marriott neutralizam emissões doando uma quantia que ajuda a preservar a mata nativa, é pioneiro. O Fundo Amazônia, que receberá US$ 1 bilhão da Noruega em sete anos como doação para projetos que preservem a Amazônia, é o maior fundo florestal do mundo e foi constituído por um Redd voluntário. A Índia quer Redd para as florestas que não desmatou, a China quer Redd para áreas que está reflorestando, o Brasil quer Redd para diminuir o desmatamento. Como se vê, cabe muita ideia neste balaio.

O grupo de 35 países com florestas no mundo é, evidentemente, o mais ativo no debate. “Mas não se salvará o clima do planeta só com florestas”, diz Thelma Krug, a representante do Brasil nas negociações internacionais sobre o assunto.

“A floresta é grande parte do problema e grande vítima”, diz Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace. “Portanto, se quisermos resolver, temos que garantir a permanência da cobertura florestal do planeta – do um quinto que sobrou”. Deste um quinto, um terço é a Amazônia. “Se preservar as florestas é importantíssimo para enfrentar a mudança climática, a Amazônia é fundamental”.

Entre os países com floresta, o Brasil é de longe o mais habilitado em termos tecnológicos e de governança para levar adiante um programa de redução do desmatamento de longo prazo, diz Paulo Moutinho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, o IPAM. “Pode ser uma grande oportunidade para que o país receba uma compensação pelos esforços que já fez e que poderá fazer ao reduzir as emissões pela queda no desmatamento”, entende. “Redd é um dos mecanismos que podem, em larga escala financeira, viabilizar a transição da lógica econômica em que se ganha derrubando para aquela em que se mantém a floresta em pé, com crescimento econômico”, continua.

“Compensatório” é um dos pomos da discórdia de Redd. “Há grande preocupação que este instrumento seja utilizado para compensar a redução de emissões de países desenvolvidos nos territórios dos países em desenvolvimento”, diz Azevedo. Traduzindo: um país industrializado, com metas obrigatórias de redução determinadas pelo Protocolo de Kyoto, pode achar caro demais fazer os cortes trocando a frota de carros a gasolina por elétricos e decidir compensar isso dando dinheiro para preservar áreas de alguma floresta tropical. Parece bom para os povos da floresta que preservam sem ganhar nada, mas não parece bom se se pensar que o sistema pode tirar a responsabilidade de quem polui ou poluiu mais. “É uma discussão fundamental porque pode significar o fracasso de se atingir a meta”, diz Azevedo. “Temos que fazer uma soma de redução muito grande, todos os países juntos. Se não se somarem os esforços, e alguns cortes só substituírem outros, estaremos longe dos nossos objetivos.”

Viana discorda. “Ao introduzir o mecanismo compensatório, não necessariamente tiramos a responsabilidade dos países industrializados em fazer seus cortes”. Ele diz que o nó se resolveria com o estabelecimento de um limite. “Apenas 10% dos esforços dos industrializados seriam direcionados para Redd. Assim a maior parte de seus cortes seria interna”.

Este cenário seduz os governadores amazônicos. “O grande problema é que eles vão pleiteando e tem algumas coisas erradas”, diz Thelma Krug. “Partem do princípio que Redd simplesmente pagaria pela manutenção do estoque de carbono. Fazem uma conta assim: pegam o estoque inteiro de carbono da Amazônia, multiplicam pelo preço médio do mercado e acham que este dinheiro viria para o Brasil, mas não é assim”, situa. “Uma coisa é querer receber pelo serviço ambiental da floresta; outra, no contexto do clima, é entender que Redd pagaria para reduções efetivas que seriam feitas no desmatamento. É uma diferença bárbara o tamanho desta conta.”

Ela explica a confusão: “Uma coisa é dizer: quero que me paguem pelos 350 bilhões de hectares da floresta em pé que tenho, que é o tamanho da Amazônia. E outra é: quero que me paguem para que eu reduza a emissão de 1,1 milhão de hectares/ano, que é o que se desmata no Brasil”, continua. “Redd serve para implementar ações para aliviar a pressão em cima da floresta em pé.”

Gilberto Camara, diretor do INPE, é também muito reticente em relação a mecanismos de mercado para financiar ações de Redd. Ele se opõe à ideia que um país ou Estado use o conceito do desmatamento evitado para receber créditos de carbono negociáveis no mercado. “Tem aí um problema moral”, diz. Ele lembra que as propostas de desmatamento evitado levam em conta uma linha de base que, no caso brasileiro, é a média dos últimos cinco anos. Abaixo disso, geram-se créditos e o país ganha. “Mas qual é este máximo aceitável?”

Pelos dados do INPE, a média do desmatamento de 2000 a 2005 foi 21.500 km2. A de 2005 a 2008, 14.300 km2. “Seriam 7000 km2 de créditos? Acho isso uma falácia porque admite que 21.500 km2 de desmatamento é aceitável”, indigna-se. “Não entendo como alguém que defende a floresta pode aceitar esse argumento. Acho uma hipocrisia. Esse conceito só se sustentará quando o desmatamento cair bastante”, prossegue. Camara levanta outro ponto. “90% do desmatamento é ilegal. Como podemos falar em desmatamento evitado que é ilegal? Combater a ilegalidade é obrigação de um governo democrático e republicano, não se pode vender a ilegalidade.”

O debate de Redd mobiliza todos os segmentos da sociedade preocupados com floresta dentro e fora do Brasil. É um dos temas principais das reuniões do Diálogo Internacional de Floresta e Clima, que reúne participantes tão diversos como povos indígenas, empresários, cientistas e ambientalistas e tem entre os principais promotores o Banco Mundial, o conselho empresarial WBCSD, os institutos de pesquisa WRI e IIED e a universidade de Yale. “Os beneficiários sociais e econômicos têm que ser claramente identificados e Redd não pode ser só a troca de dinheiro entre governos. Tem que envolver a sociedade e os povos indígenas” diz Roberto Smeraldi, diretor executivo da Amigos da Terra Amazônia Brasileira e um dos co-presidentes do Diálogo. “Redd é um instrumento positivo, mas tem que ser complementado. É um mecanismo de transição para outro mundo com a responsabilidade de ter mantido florestas em pé”.

A matéria é de Daniela Chiaretti, publicada no Valor Econômico, resumida e adaptada pela Equipe BeefPoint.

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