Por Sergio Raposo de Medeiros1
Durante o II Workshop sobre adaptação do modelo de Cornell Net Carbohydrate and Protein System – CNCPS às condições tropicais ocorrido na Embrapa Gado de Leite, Juiz de Fora, foi proposta a criação da Rede Brasileira de Laboratórios (RBL) comprometidos com a padronização de métodos de análises físico-químicas de alimentos para ruminantes.
A RBL seria um organismo sem fins lucrativos e supra-institucional, cuja independência e representatividade de opinião seria garantida pela participação de representantes oficiais de instituições públicas, privadas e não-governamentais. A idéia seria que a RBL não teria qualquer estrutura física, mas apenas um Gestor e um Secretário executivo, sediados em uma das instituições escolhida por maioria simples dos participantes. A instituição escolhida teria a responsabilidade de fornecer condições básicas de funcionamento. O Gestor seria renovado a cada dois anos, enquanto o Secretário-Executivo seria permanente.
A RBL propriamente dita seria virtual, funcionando em um Website, no qual, além de todas as informações sobre ela, haveria a troca de informações específicas aos objetivos propostos. O objetivo geral da RBL seria a permanente integração de especialistas e instituições para padronização de métodos de análises físico-químicas de alimentos para ruminantes e o compartilhamento de infra-estrutura e informações técnico-científicas relacionadas ao uso de modelos nutricionais. Mais especificamente, espera-se que através da articulação de diversos atores envolvidos, propostas apresentadas a RBL possam ser mais facilmente implementadas, ajudando a padronizar os métodos. Essas ações criam condições interessantes para a formação de um Banco de Dados de alimentos robusto ao mesmo tempo que sua existência na Internet permitiria que tivesse fácil acesso para potenciais usuários. Indução de propostas para editais, auxílio na capacitação de mão-de-obra e na formação de massa crítica especializada e, até, induzir o empreendedorismo também estariam entre os objetivos da RBL.
Com estas linhas gerais, a proposta está feita. No momento, presentes no evento, levaram para suas respectivas instituições o documento, de autoria do Dr. Limírio Almeida Carvalho, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, o qual contém, além das informações acima, outros detalhes, para avaliação e fazer a definitiva associação a RBL.
A idéia de criar uma rede de laboratórios no molde virtual e com os objetivos propostos é muito positiva. Há um bom modelo americano funcionando há um ano e meio. É o Consórcio para Análises de Alimentos de Ruminantes (Ruminant Feed Analysis Consortium) e para conhecer mais detalhes pode-se acessar o site dele no endereço (www.ruminantfeeds.org). Ele foi criado porque, ao participar da elaboração do manual de exigências para gado de leite, o NRC gado de leite, percebeu-se a grande dificuldade para formar as tabelas de alimentos deste. Particularmente, o Dr. Charles Schwab, um dos membros do comitê que elaborou o NRC Gado de Leite (2001), conseguiu atrair grandes empresas para que doassem certa quantia em dólares para que o Consórcio fosse criado e estes, além dos benefícios da proposta, seriam sócios fundadores com direito por tempo indefinido a aproveitar esse apelo de marketing.
Durante esse pequeno tempo de funcionamento, o consórcio já fez a escolha de seis alimentos que priorizará e como deve ser a amostragem para ter o máximo de representatividade em escala nacional. Os seis alimentos escolhidos foram: grão de milho, farelo de soja, grãos de destilaria secos, caroço de algodão, feno de alfafa e farinha de sangue. A idéia é que todos os laboratórios participantes façam todos os tipos de análise que fazem nesses alimentos, incluindo maneiras distintas de chegar ao mesmo resultado, para tentar identificar as melhores análises para cada tipo de alimento. Outra idéia do consórcio e explorar análises não rotineiras, como ácidos graxos, aminoácidos e fibra solúvel, por exemplo. Também há interesse em métodos mais rápidos e baratos, como a análise por espectro do infravermelho próximo que usa o equipamento conhecido por NIRS (Near infra-red spectrometer).
A principal motivação para o uso do NIRS seria por que, muitas vezes, o tempo entre o envio da amostra e o retorno dos resultados faz com que o dado seja usado tardiamente, ou seja, o lote já em uso antes de saber os valores reais de seus componentes.
Um aspecto interessante, no caso brasileiro, é que existe um grupo de laboratórios que já tem quase 10 anos de programa colaborativo interlaboratorial, no qual avaliam a qualidade de suas determinações na comparação com os demais laboratórios. Esse programa melhorou sobremaneira a qualidade analítica dos laboratórios envolvidos, uma vez que aqueles cujos resultados são desclassificados acabam se beneficiando de informações dos laboratórios com resultados acurados. Essa troca de informações é uma excelente ferramenta de padronização dos métodos, pois permite a escolha dos procedimentos que são realmente efetivos e para as análises onde elas fazem mais diferença. Inclusive, permite a co-existência de métodos não padronizados, mas que resultam em valores equivalentes, o que pode ser igualmente válido e até mais vantajoso que a mera padronização.
Há um projeto, de autoria desse articulista, correntemente em análise, para a informatização de todos os mais de 30 laboratórios participantes e do próprio programa de controle interlaboratorial (PCI) que permitiria a criação de um banco de dados com todas as análises feitas nestes laboratórios, mas que teria a capacidade de incluir apenas os dados de cada laboratório que o PCI indicasse como confiáveis. Assim, se determinado laboratório não tem os valores de lignina em forragens dentro dos valores considerado acurados, os resultados provenientes deste laboratório para lignina de forrageiras não seriam incluídos do banco de dados, aumentando a acurácia e confiabilidade dos resultados. Haveria possibilidade (e estímulo) para a entrada de informações adicionais sobre a cada amostra. Por exemplo, poderia haver as coordenadas obtidas com GPS. Com amostras assim, bem como as que tenham pelo menos a localidade da coleta, poderia ser feito um mapa de valores nutricionais. Isso possibilitaria, por exemplo, uma idéia de locais com predisposição às carências minerais.
Esse banco de dados seria automaticamente alimentado dessa maneira, renovando-se e ampliando sua base de alimentos continuamente, além de ser disponível para consulta 24 horas por dia, bastando ter acesso à Internet.
Há uma boa chance de a RBL e o PCI poderem fazer um bom casamento. Uma diferença fundamental entre o modelo americano e o brasileiro, é que patrocinadores privados, no nosso caso, talvez, estivessem menos dispostos em alocar recursos. Isso aumenta a chance do PCI ser um caminho válido, pois, basicamente ele é composto por instituições com vínculos ao poder público. Assim, o começo poderia ser facilitado por já existir uma estrutura funcional que pode, inclusive, gerar receitas com a certificação de resultados de laboratórios privados ou por outros tipos de prestação de serviços.
A hora é de idéias, mas, ainda mais, de ação. Talvez, o mais importante no momento seja a ausência de quaisquer personalismos e egocentrismos, do qual o meio de pesquisa e acadêmico é tão pródigo. Independente do modelo escolhido incluo-me na legião de entusiastas da idéia da RBL, estimulando minha instituição e todas as demais a participar em pé de igualdade e para o bem comum.
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1Sérgio Raposo de Medeiros, Pesquisador – Nutrição de Ruminantes, EMBRAPA Gado de Corte