Por Luiz Augusto Germani1
O governo FHC gastou, aproximadamente, R$ 30 bilhões com indenizações em desapropriações de imóveis rurais e com as despesas de assentamento de sem-terras. O resultado: fora alguns assentamentos que funcionam como “vitrines de sucesso” para a televisão, pouco aconteceu em termos de melhoria social e econômica, na área rural, de forma sustentada na reforma agrária até agora empreendida. O atual governo, aparentemente ciente de tal realidade, busca soluções que possam, ao mesmo tempo, satisfazer aos anseios dos movimentos sociais e amenizar a ansiedade natural dos ameaçados e agredidos proprietários de imóveis rurais.
Entretanto, acontece diariamente uma reforma agrária, pouco comentada e divulgada, que evolui com constância eficaz e silenciosa, por causa de três fatores que ocorrem de forma concorrente: a sucessão, a competência e a tributação. O primeiro fator impulsionador da distribuição de terras, a sucessão hereditária, na grande maioria dos casos de sua ocorrência, acarreta a divisão de um imóvel rural entre dois, ou mais, novos proprietários. O segundo fator, a eventual incompetência, ou impossibilidade, do novo proprietário da área rural em adequadamente explorar seu imóvel, faz com que aconteça a transmissão do bem, ou da posse do bem, para as mãos de terceiros, respectivamente, pela venda da área, ou pelo arrendamento e parceria. O terceiro e último fator, a tributação, é altamente desmotivadora de se deter no patrimônio individual, seja como reserva de valor ou com fins especulativos, terras improdutivas ou sub-exploradas, tendo em vista que o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR – regula tal situação ao punir o dono da área improdutiva ou com exploração reduzida, em níveis fiscais que impõem o pagamento do imposto em valores que podem atingir o equivalente a 20% do valor da terra, a cada ano, dependendo da extensão do imóvel.
Assim, o tempo, aliado ao fato de a improdutividade ser péssimo negócio, faz com que aconteça uma reforma agrária silenciosa, de mercado, numa freqüência e eficiência muito maior do que a reforma agrária imposta administrativamente pelo Poder Público Federal, vez que constante, sem consumir enormes valores do tesouro e sem provocar desavenças sociais e políticas.
Como incremento na agilização de tal reforma agrária de mercado, poderíamos acrescentar mais uma possibilidade, ou novo fator, vez que estamos, aparentemente, trilhando um caminho em direção à globalização: liberar para estrangeiros não-residentes no País a aquisição de terras em território nacional, visto que tal limitação tem caráter xenófobo, sem nenhuma motivação prática. Muitos não concordarão e dirão que tal abertura poria em risco a segurança de nossas fronteiras e desestabilizaria o nosso patrimônio geográfico, enquanto nação independente. Ora, com relação à primeira argumentação, basta que, por exemplo, tal limitação se restrinja a uma faixa de fronteira ao longo de 50 quilômetros de nossas divisas. E, em relação ao segundo argumento, dos críticos da possibilidade de estrangeiros adquirirem terras no País, podemos responder citando um caso exemplar: em meados dos anos 80, quando os japoneses, à época integrantes do país que mais enriquecia no mundo, adquiriram o Rockfeller Center, enorme centro comercial localizado no coração de Manhattan, muitos criticaram a passividade dos americanos com relação a tal aquisição; entretanto, um cidadão novaiorquino, ao ser entrevistado por uma rede de televisão a cabo, respondeu de forma sábia, ao explicar por que aceitava calmamente tal aquisição: “Eles compraram, mas não levaram; o Rockfeller Center continuará para sempre em Nova York; além disso, vão pagar altos tributos locais.”
Portanto, a reforma agrária que vemos ser desenvolvida, ou é mera propaganda de um produto que tem um ideário incompatível com as leis, com os anseios e a com realidade nacional, ou é meio de vida, para alguns.
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1Luiz Augusto Germani é professor de Direito Agrário da Fundação Getúlio Vargas
*artigo originalmente publicado no jornal “O Estado de São Paulo”.
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Congratulações ao Prof.Luis Augusto pela atualidade de seu artigo. Sou advogado tributarista e proprietário de terras em MS por herança (reforma agrária natural). Era uma grande fazenda que em 05 anos foi transformada em 15 propiedades.
Acompanho de perto o assentamento TEIJIM – Casa Verde – Nova Andradina -MS. Posso afirmar, sem equívoco, que no último parágrafo do citado artigo melhor caberia a conjunção “e” do que o “ou” ali colocado.
O plano da reforma vai contra o direito e também é meio de vida para muitos, pois a cesta básica é garantida no fim do mês. Uma poupuda esmola a estimular os assentamentos. Lá se misturam poucos trabalhadores rurais que sonham com um pedaço de terra e uma multidão de desempregados, fortes e saudáveis, que se contentam em ter o básico no fim do mes.
Não se paga aluguel, nem luz, nem água e nem padaria, ou seja, vive-se sem gastar. Para que ganhar? A única conta que se paga, e muito alto, é a do desconforto. Mas para todos eles o conforto é um luxo perfeitamente dispensável.
Ou os produtores e a sociedade em geral carregam essa gente nas costas, na forma de assentamentos organizados, ou todos vão perder o que o Brasil tem de mais sagrado: a força da terra.