Pela primeira vez na História, o Brasil será o maior exportador de carne do mundo, ultrapassando os líderes Austrália e Estados Unidos. A previsão da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) é que o País embarque 1,3 milhão de toneladas de carne bovina, faturando US$ 1,5 bilhão neste ano, enquanto a Austrália deverá exportar 1,2 milhão de toneladas.
Por trás desse recorde, estão os chamados “reis da carne”, um seleto grupo de empresários que modernizou o negócio dos frigoríficos no Brasil: Antonio Russo, dono do frigorífico Independência; José Batista Júnior, do Friboi; Edivar Queirós, do Minerva, e a família Bertin, do Bertin. Juntos, esses empresários, que já dirigiram caminhão, abateram e desossaram boi, exportarão cerca de US$ 850 milhões em 2003.
Para quem tinha fama de exportador errático e vendedor de carne de segunda, além de ser alvo do escárnio dos argentinos e uruguaios, trata-se de um feito e tanto. Há quatro anos, o Brasil exportava para 40 países. Hoje são 104.
A doença da “vaca louca” foi uma das grandes responsáveis pelo avanço da picanha brasileira. Com seu gado saudável, o País roubou participação do Canadá e da Europa, que tiveram seus rebanhos afetados e foram banidos do mercado internacional. O Brasil também herdou compradores da Argentina e do Uruguai, abalados por crises econômicas e surtos de febre aftosa.
O reinado não será transitório, garantem pecuaristas. Segundo o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes Industrializadas (Abiec) e ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Marcus Vinícius Pratini de Moraes, o Brasil conquistou um espaço no mercado internacional com grandes investimentos para adequar-se aos requisitos sanitários mais rigorosos dos países desenvolvidos, rastreabilidade do gado, para controlar a qualidade, atestado de sanidade dos animais e marketing da carne brasileira. “Estamos exportando cada vez mais cortes especiais, que vão diretamente para a panela, em vez de commodities, que têm menos valor agregado”, disse.
Em seu mais recente relatório de mercado, o Ministério da Agricultura estadunidense reconheceu que o Brasil, líder em soja e suco de laranja, tornou-se também uma potência da carne. “Com sua carne competitiva entrando em novos mercados, o Brasil é responsável pelo grande aumento na concorrência global. Os frigoríficos brasileiros foram beneficiados por desvalorizações na moeda, baixos custos de produção e recentes investimentos para ampliar a capacidade”, afirmou o relatório de outubro.
Segundo especialistas, o País tem um dos menores custos de produção de carne do mundo. Isso porque o boi é criado no pasto, sendo confinado somente no final, e o custo da terra e da mão-de-obra é baixíssimo. Esse é o trunfo do Brasil. Nos EUA, Austrália e Europa, o gado é criado em confinamento e alimentado com grãos ou carne, produzindo uma carne mais macia e saborosa, mas se trata também de uma carne rica em gorduras e, muitas vezes, com antibióticos e anabolizantes.
“Nossa carne é a mais saudável”, disse o presidente do Fórum Nacional Permanente de Pecuária de Corte da CNA, Antenor Nogueira. Livre de aditivos, doenças, hormônios e antibióticos, o boi tupiniquim, criado solto no pasto, caiu no gosto dos europeus, alarmados com transgênicos e congêneres. “É uma grande vantagem competitiva da carne brasileira”.
Entretanto, mesmo com todo esse avanço, o Brasil ainda não conseguiu entrar nos mercados mais rentáveis, que compram as partes mais caras do boi. Canadá, Estados Unidos e parte da Ásia continuam fechados para a carne brasileira, que ainda não conseguiu os certificados sanitários necessários, atestando que o gado está livre de doenças, principalmente de febre aftosa.
Há mais de dois anos, o governo tem solicitado aos EUA cotas para exportar carne in natura, mas ainda não foram concluídas as inspeções sanitárias e as negociações.
Conquista
Quando José Batista Júnior assumiu o frigorífico do pai, 23 anos atrás, ele abatia sete bois por dia, dirigia o caminhão e carregava a carne nas costas até os açougues. Hoje, Júnior tem 43 anos e o Friboi tem com oito mil funcionários, seis fábricas, sete mil bois abatidos por dia e faturamento na casa de US$ 700 milhões.
Em 1996, começou, devagar, a exportar. À época, as vendas externas correspondiam a 10% do faturamento; hoje, respondem por 60% da receita.
Os frigoríficos brasileiros são novatos no ramo. Enquanto Argentina e Uruguai exportam carne há décadas, o Brasil começou a vender volumes consideráveis há cinco anos, mas os chamados “reis da carne” fizeram investimentos para se modernizar e têm conquistado o mercado externo rapidamente. A exportação brasileira de carne triplicou em dez anos. “Essas empresas, quase todas familiares, estão passando por um processo de profissionalização”, disse o sócio da FNP Consultoria, José Vicente Ferraz.
Antônio Russo, de 57 anos, presidente do Independência, desde o início dos anos 90, apostou nas exportações. Passou por maus bocados. “Durante a valorização do real, sofremos muito”, contou. Agora, o empresário está aliviado. Neste ano, as vendas externas vão crescer quase 40%.
O frigorífico se esmera para agradar aos clientes estrangeiros. No centro de abate que tem na região do Pantanal, abate 500 bois por dia seguindo os preceitos kosher, exportando a carne para Israel.
O Bertin, maior frigorífico do País, contratou veterinários para trabalhar com as análises exigidas por outros países, engenheiros de alimentos para o desenvolvimento de novos produtos para exportação e traders para vender a carne no mercado externo. “O cliente nos dá a receita e nós desenvolvemos”, disse o gerente de exportações, Marco Bicchieri.
Muitos frigoríficos menores têm-se aproximado dos líderes, apostando nas vendas externas. O Quatro Marcos investiu R$ 20 milhões em reformas para adaptar-se às exigências de outros países. Começou a exportar para Europa, Oriente Médio e Rússia e teve um aumento de 30% nas vendas.
Fonte: O Estado de S.Paulo (por Patrícia Campos Mello), adaptado por Equipe BeefPoint