O BeefPoint vem abordando com competência e coragem vários entraves da pecuária bovina de corte brasileira e a rentabilidade da cria está entre os mais complexos. Assim, é de interesse apresentar algumas particularidades da vaca de corte que estão ligadas à situação comum de menor rentabilidade da cria.
O BeefPoint vem abordando com competência e coragem vários entraves da pecuária bovina de corte brasileira e a rentabilidade da cria está entre os mais complexos. Assim, é de interesse apresentar algumas particularidades da vaca de corte que estão ligadas à situação comum de menor rentabilidade da cria.
A cria vem estabelecendo-se ao longo dos séculos nas terras mais baratas, bem como nas de fronteira agrícola, com o que o Brasil construiu o maior rebanho comercial do mundo. Quanto às terras da fronteira, a permanente expansão das criações sobre terras a ocupar constituiu-se no fator fundamental de penetração, ocupação e conquista do atual território nacional, conforme demonstraram Celso Furtado e Caio Prado Junior.
Esta ocupação das terras mais baratas pela cria foi possível porque as necessidades nutricionais de mantença e lactação das vacas de corte são facilmente preenchidas com forragens de menor concentração energética, fato que não acontece com a fase de crescimento-terminação.
Segundo Preston & Willis (1970), uma dieta com 1,6Mcal/kg de matéria seca atende às necessidades de manutenção e lactação com uma eficiência de utilização superior a 60%; agora, para a terminação, a concentração energética necessitará atingir 3,4Mcal/kg de matéria seca para que esta eficiência chegue perto de 60%.
É por isso que antes do povoamento dos cerrados pelas braquiárias era difícil engordar bois naquelas gramíneas nativas de baixa densidade energética (e protéica), como era o caso da macega dos campos (Trachypogon polimorphos), entre outras. Naquela época, anos 60 e anteriores do Séc. XX, o oeste do Estado de São Paulo, o sul de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso formavam o maior complexo agropecuário do mundo, conforme ensinava o Prof. J. Barisson Villares.
Os bovinos criados e recriados nestes últimos Estados eram engordados nas ricas pastagens de colonião e jaraguá, formadas nos solos de mata recém-derrubada do Oeste Paulista. As regiões de Andradina, Araçatuba, Barretos e outras, eram o que se podia denominar de a terra-do-boi-gordo. A baixa qualidade das gramíneas daqueles outros Estados não permitia uma adequada engorda dos bovinos por eles produzidos.
Logo no início dos anos 70 do Séc. XX ocorreu, em larga escala, a introdução das braquiárias, que, extremamente adaptadas aos cerrados, propagaram-se com agressividade. Este rápido avanço, especialmente da decumbens, mudou definitivamente o cenário da pecuária bovina de corte no Brasil.
Houve intensificação da cria e recria nas regiões de cerrado e ainda, a engorda passou a ser viável em regiões antes inadequadas para tal finalidade. Isto porque as braquiárias, embora não comparáveis ao colonião, fornecem matéria seca com suficiente concentração de energia para permitir uma engorda eficiente, principalmente a espécie Brachiaria brizantha (braquiarião).
Este novo cenário teria sido a primeira e mais importante introdução de tecnologia na cria. A adaptabilidade das braquiárias às terras mais fracas possibilita, desde que haja competência técnica, disponibilizar pasto suficiente para garantir que as vacas cheguem ao parto em melhor condição corporal, com o que se obtém substancial aumento da taxa de parição.
Ou seja, permite que se aplique o fundamento maior da fertilidade de uma vaca de corte: parir com 3,5 pontos de condição corporal (escala de 1 a 5) e ter disponibilidade forrageira para chegar na desmama com 3,0 pontos (Radares Técnicos BeefPoint – Reprodução – Estação de Monta: algumas considerações de importância ).
Aproximadamente ao mesmo tempo da introdução das braquiárias, a agricultura passou a ser praticada em grande escala nos cerrados, o que foi valorizando estas terras antes majoritariamente ocupadas pela cria. O panorama atual é conhecido: dificuldades na expansão da fronteira agrícola, aliadas ao explosivo crescimento da agricultura, levando a uma escassez de terras baratas ou recém abertas para a cria.
Neste ponto a cria vai experimentando aumentos nos custos de produção, com o que novas estratégias tecnológicas serão necessárias para manter a rentabilidade. A tendência é a mudança de atividade em várias empresas dedicadas à cria, como também ir desaparecendo o bezerro barato, como já comentado neste site. Ao mesmo tempo, os setores de recria e terminação devem passar por reestruturações para absorverem os aumentos dos custos na cria.
Outra particularidade da vaca de corte é a sua baixa eficiência biológica, a qual está em conformidade com a maior dificuldade em obter alta rentabilidade neste setor.
Dentre os animais de interesse zootécnico, conforme de Faria (1983) e Hodgson (1990), as galinhas poedeiras e as vacas de leite são as de maior eficiência (26%) na transformação de energia em produtos comestíveis para o homem. Em ordem decrescente de eficiência, seguem as aves de corte (23%), os bovinos em fase de engorda (15%), as fêmeas suínas (14%) e finalmente as vacas de corte (4%).
Quanto ao desempenho reprodutivo, as aves conseguem multiplicar o seu peso em 1000% ao ano, as fêmeas suínas em 800% e as vacas de corte em apenas 70% e isto se estas últimas apresentarem boa eficiência reprodutiva.
Tais características impõem que a pecuária bovina de corte apenas ganhe importância em países com grande extensão territorial e que ainda detenham grandes vazios populacionais abastecidos de luz, calor e umidade para permitir a magnífica produção das gramíneas tropicais ali estabelecidas. Estes ambientes não são mais encontrados senão em poucas regiões do mundo e o Brasil é de longe o maior detentor destas terras especiais para a vaca de corte.
O adensamento populacional e o encarecimento das terras dificultam o estabelecimento de uma pecuária bovina de corte de grande magnitude, porque a cria não consegue competir com a agricultura, devido a esta baixa eficiência biológica da vaca de corte. Em terras mais valorizadas, a máquina bovina necessita ter a eficiência da vaca de leite, ou de dupla aptidão.
Entretanto, segundo Preston & Vaccaro (1989), os sistemas especializados na produção de leite produzem leite e carne na proporção aproximada de 20:1 (20kg de leite para cada quilo de equivalente carcaça), bem acima da tendência de consumo de 4kg de leite para cada quilo de carne bovina que usualmente ocorre entre as populações. Neste caso o equilíbrio entre produção e demanda de carne e leite terá que ser obtido em sistemas especializados na produção de carne.
Serão necessárias quatro vacas de corte ineficientes para cada vaca de leite eficiente. Os países desenvolvidos da zona temperada é que apresentam este problema, geralmente amenizado com subsídios governamentais para sustentar um sistema paralelo de produção de carne bovina. Mesmo assim, estes países necessitam importar grandes quantidades de carne bovina.
Assim, na medida em que escasseiam as áreas para produção de bovinos de corte no mundo, países como o Brasil assumem posições de destaque crescente como fornecedores do produto. Apesar dos esperados aumentos nos custos de produção, face à atual estabilidade de nossa fronteira agrícola e avanço da agricultura, a crescente demanda interna e mundial pela carne bovina sustentará o equilíbrio de nosso sistema de produção.
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Excelente artigo. Explica muito a atual estágio de nossa pecuária de corte e lança luz sobre os desdobramentos futuros. Parabéns.
Prezado Prof.Dr. Gilberto Pedroso da Rocha, prabéns pelo artigo, é o retrato da evolução da Pecuaria do Brasil, fiquei também, muito feliz, pois vejo a citação do Prof. Dr.J. Barisson Villares com quem trabalhei no Sertão da Bahia,com Bovinos CHIANNINA, um grande Professor como o Senhor. São conhecimentos profundos,como os de J.Barisson Villares e de Gilberto Pedroso e de tantos outros pensadores e pesquisadores que a Pecuária brasileira precisa para que as novas gerações aprendam com base cientifica e não por Mitos e Improvissos. Granda abraço
Concordo plenamento com o exposto,carne bovina num futuro proximo será artigo eletizado.Necessitamos melhorar muito a nossa eficiência em produtividade e evoluir muito em sistema intensivos de produção, em todas as fases, cria,recria e engorda,isto para quem quiser permanecer na pecuaria.
concordo plenamente com o seu argumento da pecuária de cria, mas isso se deve também, principalmente, pela baixa evolução da pecuária… tanto o frango quanto o suíno usaram o cruzamento entre raças para atingir animais que aproveitassem melhor a energia e fossem abatidos mais precocemente, na pecuária isso acontece muito lentamente, existe pecuaristas que ainda acreditam que só existe cruzamento nelore com nelore, isso tem que mudar. A pecuária de cria tem que evoluir.
A vaca zebu é nervosa, agressiva ou seja usa grande parte de sua energia para ser locomovida ao curral. É quase impossível curar uma vaca Nelore no pasto de forma tranquila o que não acontece na atividade leiteira, animais de corte tem de ser dóceis para que haja desperdício de energia.
Acho que os dois principais aspectos abordado no artigo são o contínuo aumento de custos da atividade da atividade de cria, cuja viabilidade baseada na oferta abundante de terra barata esta com seus dias encerrados, e a baixa eficiência biológica da vaca de corte, que dificulta sua competição com outras atividades agropecuárias.
Isto tudo empurra para uma alta de preços dos bezerros que terá que ser absorvida pelos outros elos produtivos da cadeia (invernistas, confinadores, frigoríficos, distribuidores) e em última instância pelos consumidores.
Em outras palavras, mantidas estas condições, a carne vermelha subirá mais que outras proteinas animais.
Prezado Prof Dr Gilberto, parabéns pelo exposto, magistralmente elaborado por um notório conhecedor do assunto. Não poderia concordar menos do que cem por cento com o senhor e os demais que aqui se pronunciaram. De acordo com algumas fontes, o índice de natalidade brasileira é ao redor de 60%, ou seja, melhorando os índices, aplicando tecnologias na atividade, conseguiríamos melhorar significativamente a competitividade da carne brasileira.
Concordo plenamente de acordo com o Dr.Gilberto. Acho que o problema da cria é fundamental, pois sem ela não teremos o boi para abate. A essência do problema, no meu entender, é diluir o custo da cria(período de gestação das vacas até a desmama e engorda do terneiro, por todos os estágios da cadeia da carne. Tempo é dinheiro. Quem suporta esperar tres anos, na melhor das hipóteses, para colocar no mercado um novilho pronto aos vinte/vinte e quatro meses? s.m.j.