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Reserva legal: uma confrontação absurda entre agricultura e meio ambiente

Cresce no País uma confrontação insana entre a agricultura e o meio ambiente, por conta de sucessivos e anacrônicos imbróglios legais que ignoram a evolução, a interdependência e o imenso potencial desses dois gigantes nacionais.

Cresce no País uma confrontação insana entre a agricultura e o meio ambiente, por conta de sucessivos e anacrônicos imbróglios legais que ignoram a evolução, a interdependência e o imenso potencial desses dois gigantes nacionais.

Acontece que a legislação ambiental brasileira é bastante avançada e de caráter mais preservacionista do que a de muitos países desenvolvidos. Além de o Brasil deter a segunda maior reserva florestal do mundo, perdendo apenas para a Rússia, nas últimas décadas houve um expressivo aumento das áreas protegidas pelo Estado, incluindo parques, reservas biológicas e áreas de preservação permanente, como as matas ciliares. O verdadeiro desafio é garantir a preservação das atuais florestas, ampliando a estrutura de fiscalização e definindo claramente os direitos de propriedade, portanto, eliminando a ilegalidade.

Na agricultura, o Brasil desenvolveu o melhor conjunto de tecnologias adaptadas à faixa tropical do planeta, tornando-se referência mundial em ganhos de produtividade. Exemplos são o hoje diversificado complexo de produção de alimentos, rações, fibras e bioenergia no Centro-Sul, a bem-sucedida integração lavoura-pecuária, o plantio direto (feito sobre as palhadas, sem revolver o solo) e o imenso potencial da agroenergia. Uma nova era em que culturas agrícolas tradicionais passam a produzir biocombustíveis, bioeletricidade e bioplásticos, contribuindo para a substituição do petróleo e a redução do aquecimento global.

Mas não faltam exemplos recentes de disputas irracionais entre agricultura e meio ambiente. O maior deles é a interpretação que vem sendo dada ao conceito de “reserva legal” previsto no Código Florestal. Criado nos anos 1930, esse conceito visava a preservar a quarta parte das florestas existentes na propriedade, num período de intenso crescimento agrícola, objetivando resguardar os recursos econômicos naturais, como a madeira, importante fonte de energia da época. Daí em diante, a legislação sobre a matéria mudou várias vezes, criando imensa confusão e insegurança jurídica. Basta dizer que entre 1996 e 2001 o governo editou e reeditou, por 67 meses consecutivos, uma medida provisória cuja redação era alterada praticamente a cada nova publicação. A partir de 2001, a medida provisória permaneceu inalterada e sem a necessária votação pelo Congresso Nacional, princípio fundamental do Estado democrático. Ou seja, a medida provisória tornou-se lei sem passar pelo Congresso.

Para piorar a situação, a referida medida provisória impõe ao produtor, retroativamente, a obrigação de recompor a vegetação nativa em 20% da área de cada propriedade agrícola na maioria do território nacional, 35% nos cerrados da Amazônia Legal e 80% na floresta amazônica.

Nos Estados com longa história de ocupação de seu território (Sul, Sudeste e Nordeste) não há mais remanescentes de vegetação nativa suficientes para atender aos 20% de reserva legal. Isso obriga os produtores a abandonar parte de suas áreas plantadas para nelas recomporem “ilhotas” de vegetação nativa dentro de cada propriedade. Trata-se de uma exigência que não encontra paralelo em nenhum país do planeta, até mesmo porque ela não faz nenhum sentido ambiental, econômico ou jurídico. A irracionalidade decorre do fato de que essas “ilhotas” jamais formarão ecossistemas integrados e reduzirão tremendamente a eficiência econômica das propriedades agrícolas.

A interpretação retroativa que vem sendo dada à reserva legal tem o potencial de comprometer 3,7 milhões de hectares de terras férteis cultivadas há mais de um século no território paulista, implicando perdas de receita de R$ 5,6 bilhões ao ano e aumentos exponenciais nos custos de produção e no preço da terra. Além disso, o imbróglio jurídico já está formado: sem a averbação da reserva legal em cada propriedade, renovações de licenciamento ambiental de operações agroindustriais não estão sendo autorizadas, linhas de crédito não estão saindo e registros de atos de transmissão, desmembramento e retificação de imóveis rurais vêm sendo negados.

Ações civis públicas vêm sendo distribuídas em série contra produtores rurais, com multas pesadíssimas e liminares confirmadas pelos tribunais estaduais. No mesmo passo, o Ministério Público vem pressionando os produtores rurais para a assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta, com cláusulas de abandono imediato de áreas produtivas, que comprometem a sobrevivência do negócio. Por fim, a partir do dia 11 deste mês de dezembro, o Decreto 6.514/08 passa a impor, a toda a agricultura brasileira, multas diárias da ordem de R$ 500 por hectare/dia pela falta da averbação da reserva legal, um valor desproporcional e claramente confiscatório.

Em suma, dependendo de como este assunto for encaminhado, estará em jogo a maior destruição de valor da história da agricultura brasileira, incomparavelmente superior aos prejuízos causados pelas persistentes barreiras tarifárias e não-tarifárias que temos enfrentado no exterior. É triste ver uma legislação anacrônica com tamanha capacidade de transferir renda, divisas e empregos para outros países, que certamente vão adorar essa modalidade surpreendente de autoflagelação que nos estamos impondo. Regras que ignoram que o conceito de “sustentabilidade” é, na sua essência, formado pela combinação inteligente de três fatores: eficiência econômica, responsabilidade ambiental e equidade social.

Jamais deveríamos aceitar tamanha dicotomia entre crescimento agrícola e preservação ambiental, até porque nosso “gigante pela própria natureza” permite a realização de ambas de forma mais competente do que em qualquer outra região do planeta.

Publicado originalmente no Jornal “O Estado de São Paulo”, 02/12/2009

0 Comments

  1. Helvecio Oliveira disse:

    Usarei seu artigo em minha próxima aula; parabenizo-o pelo devido esclarecimento à população que assistimos ser vítima de uma lavagem cerebral que vem denegrindo a imagem do produtor rural em nosso país. A influência da bela Europa com seu menos de 1,5% de área florestal é claramente mercantilista e a atuação das ONGs pelo mundo afora um misto de passionalidade e politicagem – precisamos de uma “Política” realista e que impeça os absurdos voluntariosos aos quais vêm sendo vítimas os produtores rurais.

    Parabéns Marcos!

  2. José Ricardo Skowronek Rezende disse:

    Prezado Marcos Jank,

    Parabéns pela clareza com que aborda o tema.

    Uma lei não pode ser retroativa sem gerar o caos.

    Há propriedades rurais abertas antes do código florestal

    Há propriedades abertas após o código floretsal que cumpriram, na ocasião de sua abertura, com todas as obrigações vigentes.

    Nestes caso os direitos adquiridos dos proprietários devem ser preservados e não podmeos confundi-las com aquelas que não cumpriram com as obrigações vigentes na época de suas aberturas.

    Se uma lei estabele novas exigências elas devem ser validas para ações posteriores a sua publicação. Se a sociedade quer estender estas obrigações a propriedades legalmente abertas pela regras anteriores deve indenizar seus proprietários.

    E mais que tudo devemos ser racionais na política de preservação. Ela deve fazer sentido ambiental, social e economico.

    Há regiões fragéis e de baixa vocação agrícola que devm ser integralmente preservadas. Há regiões ferteis e com exploração consolidada que devem cumprir seu papel de abastecimento da sociedade. E há centenas ou milhares de situações específicas entre estes extremos que devem ser analisadas para encontramos a forma adequada de preservação que leve em conta a conservação ambiental, a função social e a viabilidade economica destas regiões.

    Tres percentuais fixos de preservação de reserva legal para tratar todo o pais é uma simplificação absurda.

    Os critérios de areas de preservação permanente também seguem esta lógica redutora e são igualmente absurdos. Precisamos adequar as regras as especificidades regionais.

    Os envolvidos precisam deixar de discutir apenas politicamente a questão e passar a discutir tecnicamente a mesma para chegarmos a um donominador comum ou promoveremos a maior destruição de valor do Brasil.

  3. antonio carlos de sousa messias disse:

    Presados Senhores :

    À parte o absurdo da lei em si mesma, mais as suas nefastas consequancias, venho lembrar que fazendas de café, cacau, pecuária, etc abertas há 50, 75, 100 anos ou mais estarão sujeitas a está lei dos 20%? quando foram abertas esta limitação não existia, muitas delas ainda têm matas por bom senso dos seus proprietários. Mas as que são 100% exploradas terão que transformar 20 % de suas culturas em matas ? Quanto isso custa ? Tem 2 custos a renda que deixa de existir e o plantio da mata.
    Em direito há um princípio que reza “a lei não retroagirá para prejudicar o réu”. Então,
    o certo seria limitar isso de 20 %, 35% e 80% às fazendas de agora em diante. Por outro
    lado, essas multas por falta de averbação para a grande maioria dos que vivem do agro são impagáveis…irão todos para a cadeia ?
    E vejam a que ponto chegamos, a agropecuária brasileira das mais desenvolvidas e produtivas deste planeta de repente, por decreto, tem seus agropecuaristas levados à condição de réus.
    Sem falar no que diminuirá a produção de carne e grãos ao serem os 20% da área substituídos por matas.
    É o Brasil que produz sendo achincalhado pelos políticos.
    Em tempo : os povos índigenas, que não produzem nada, são menos de 2% da população brasileira e detém, com suas reservas doadas pelos governos, 12 % do território nacional,
    e não estão sujeitos a esta lei.

    antonio carlos messias

    email = acmba@ymail.com itabuna, bahia, 09/12/2009

  4. Maurício Carvalho de Oliveira disse:

    Professor Marcos Jank,
    Sua matéria é muito clara, bem pontuada e foca um dos aspectos mais relevantes para a sociedade brasileira nesse início de século. A dicotomia, o embate entre produtivistas e preservacionistas – cada grupo defendendo a unhas e dentes suas posições, muitas vezes carregadas com viés ideológico, sem um olhar a longo prazo, sem um olhar de desenvolvimento nacional. Falamos, agropecuaristas para agropecuaristas, ambientalistas para ambientalistas e massamos barro no mesmo lugar, sem avanços significativos para a sociedade que, refém da contrainformação, e em sua maioria desconhecedora da realidade socioeconômica e ambiental do País, permanece como massa de manobra de grupos de interesse. Temos, a exemplo do ambiente tributário, um verdadeiro imbróglio de leis ambientais nesse país. Isso significará enormes obstáculos ao desenvolvimento SUSTENTÁVEL desse país. A sociedade, por meio de seus representantes legais, o Congresso Nacional, precisa ter a coragem e a capacidade de discutir, em termos técnicos, científicos, históricos e racionais um aparato legal consistente e moderno para guiar as atividades econômicas do país e, mais que nenhum outro setor da economia, a agropecuária se beneficia da inserção de tecnologias e sistemas sustentáveis de produção e de uso racional dos recursos naturais – e daí, BASTA desses tais TERMOS DE AJUSTAMENTOS DE CONDUTAS, por quem quase sempre não está de conduta ajustada.

  5. Ronaldo Trecenti disse:

    Prezado Prof. Marcos,

    Parabéns pela sua coragem e objetividade.

    A propósito, porque somente o cidadão do campo e empresário rural tem que reservar 20, 35 ou 80 % da capacidade de produção do seu empreendimento e recuperar áreas de preservação permanente, em favor da sociedade? E o industrial, porque não reduz proporcionalmente a produção e consequentemente a emissão de gases de efeito estufa, em prol dessa mesma sociedade? E o cidadadão urbano, porque não doa 20, 35 ou 80 % da sua renda em prol da recuperação das matas ciliares dos rios que cortam as cidades e para reflorestamento dos morros ocupados pelas favelas? Não sejamos hipócritas, se a sociedade quer preservação terá que pagar por ela.

    Creio que vale lembrar:

    “É fácil fazer cortesia com o chapéu alheio”

    “Produtor rural no vermelho não consegue cuidar do verde”

    “Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito”

    Sds,
    RT