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Respostas sobre Sisbov e etc

Meus caros Adriano, Adilson, Enir, Alex, Carlos, Iracema, Fábio, Ladislau e José Luiz,

Agradeço penhorado a vocês nove pelo interesse por minha crônica “Noticia Alvissareira”. Fico sensibilizado pelas palavras tão amáveis e gentis, eventualmente orientadas mais como homenagem carinhosa a um agrônomo sênior, do que pelo mérito das opiniões emitidas.

De qualquer modo, suas cartas abordam matéria que merece ser esclarecida.

Se o MAPA agiu “à revelia dos principais interessados” talvez seja porque eles não se interessaram como deviam. A “falta de liderança do produtor” se explica em parte pela dispersão das fazendas e dos pecuaristas, o que dificulta reuniões e ação conjunta. Existem associações da classe é certo, mas elas são dirigidas pelos criadores de gado fino, cujos problemas são muito diversos dos enfrentados pelos pecuaristas do “sertãozão”. Daí meu apelo para que os últimos tomassem a iniciativa de acompanhar os 13 visitantes que estão chegando do exterior.

Foi mencionada com razão, a dificuldade de colocar brincos em “15.000 bezerros” paridos ao léu e recolhidos, às vezes, só na desmama. Será que as entidades,- que correram para obter renda com certificação,- sabem disso? Talvez só pensem em animais de pista criados na sombra e tratados a pão de ló. Ou estariam avaliando como aplicar brinco nos bois do mercado de futuros… Brincadeiras de lado, não tenho notícia de uma só associação de pecuaristas que tenha feito oposição ao Sisbov!

Disseram que tem “muita gente levando vantagem”. Certíssimo, só que essa gente se mexe e trabalha nos bastidores, admitindo-se que até despertem e incentivem a exigência de rastreabilidade com brincos, botões, computadores gigantes, operadores dessas máquinas, além da papelada emitida pelos certificadores e licenciadores, pois têm interesses em cada um desses itens. Anjos e santos estão todos no céu.

Preocupam-se com a “Amazônia”, com razão. Eu também, só que a conheço de perto e já tomei uma malária que quase me levou. Mencionei argumentos pensando nas explicações aos visitantes estrangeiros. Que falar a eles quando constatarem os milhões de bois em Mato Grosso e no Sul do Pará? Falar mal de nossos patrícios que lá estão produzindo? Dizer que esses pecuaristas não deviam ter feito o que fizeram? Então é melhor condenar de uma vez a produção de carne vermelha que bate recorde a cada ano.

Coloquei-me na posição de quem fosse dar explicações aos visitantes dos 13 paises que querem comprar nosso produto, para que, no futuro, não venham a discriminar nossa carne porque vem em parte de pastos formados na mata, a exemplo do que já aconteceu com nossa madeira. Algumas das minhas idéias sobre a Amazônia estão no site BeefPoint, seção Espaço Aberto(“Amazonistas de Gabinete”).

Devíamos “recuperar pastos degradados” e não formar capim em terras novas. Bem, é uma questão de fazer contas e avaliar riscos. Tome-se R$1 milhão para investir na pecuária e calcule-se a perspectiva de retorno sobre o capital em duas situações:

a)terra degradada, praguejada, que requer correção, adubação e reforma, próxima mas cara, por vezes não agricultável, com seca quente de 4/6 meses;

b) terra de mata, despraguejada, fértil, barata, boa para soja quando os tocos apodrecerem, longínqua mas onde o capim não seca. Façam as contas e tirem suas conclusões. Vão ver que os pecuaristas do sertão são bons no lápis.

Ao mencionar o gado de cocheira, estava pensando como é fácil “brincar e abotoar” esses animais. Se os visitantes só conhecerem esse criatório, poderão, inclusive, pensar que nossa pecuária é baseada no cocho e não no pasto. Daí, vai dar confusão.

Um melhoramento genético em ambiente de campo pode trazer progresso. Tenho minhas dúvidas quanto às linhagens superalimentadas e protegida por gerações e gerações sucessivas. Vai acabar se tornando um gado super-eficiente para o ambiente em que foi selecionado, inclusive onde as fêmeas serão “boas doadoras” e não mais “boas parideiras” e “boas criadeiras”.

Finalmente, estou de pleno acordo que se deva cuidar de proteger a saúde do consumidor brasileiro. Só que, no caso da carne de boi, acredito mais em uma severa, eficiente e metódica inspeção nos abatedouros, do que confiar na sanidade bovina baseada em animais com brincos, botões e licenças de toda ordem, controlados por bilhões de dígitos nos computadores do MAPA, “bits” que não servem para nada, que acabam sendo esquecidos e desperdiçados. Isso tudo vai custar um bom dinheiro à pecuária e à sociedade.

Fiquem todos certos de uma coisa: se, por azar nosso, ocorrer um surto de aftosa, vai dar uma encrenca dos diabos em que pese todo o empenho com petrechos, certificações, digitações, bem como toda a perda de tempo com discursos, opiniões, etc. etc. relacionados ao SISBOV e suas exigências. Só que falta coragem para dizer isso para nós mesmos e para os “gringos” que ora nos visitam.

Agradecendo mais uma vez e torcendo para cuidemos mais de “alimentar na seca” do que de gastar com brincos e certidões, recebam todos meu cordial abraço.

0 Comments

  1. fábio andreazza disse:

    Gostaria de parabenizar o Sr. Fernando Penteado, por sua tão lúcida visão sobre a rastreabilidade.

    Lembro-me que quando iniciou a rastreabilidade se dizia que não conseguiríamos exportar carne sem rastreabilidade, e estamos batendo recordes de exportação. Agora a justificativa de que não conseguiremos manter a exportação sem rastreabilidade é mais um engodo.

    O mundo precisa de nossa carne, somos o único país do mundo que pode atender a demanda por proteína vermelha, já fomos rastreados por nossos compradores, o boi verde representa um risco muito pequeno, não justifica um aparato de fiscalização e monitoramento que não acrescenta nada em termos qualitativos a nossa pecuária, servindo apenas para transferir mais da pouca renda de nosso setor para o setor de serviços.

    Chega.

  2. Pedro Eduardo de Felício disse:

    “Tenho minhas dúvidas quanto às linhagens superalimentadas e protegida por gerações e gerações sucessivas. Vai acabar se tornando um gado super-eficiente para o ambiente em que foi selecionado, inclusive onde as fêmeas serão ‘boas doadoras’ e não mais ‘boas parideiras’ e ‘boas criadeiras’.”

    Que maravilha que é ter no país pessoas como o Dr. Cardoso, com a coragem de dizer o que pensam, independentemente dos interesses que irão contrariar.

    Gostemos de tudo, ou só de parte do que dizem, temos que reconhecer que a frase do nosso estimado Dr. Cardoso é uma preciosidade, resume um curso inteiro de Evolução Darwiniana; me arrisco dizer que ela deveria passar para a história, como se deu com a do anatomista australiano Dr. Rex Butterfield, que escreveu no livro que publicou com o professor Berg, geneticista canadense: “- É imenso o potencial para desastres no melhoramento genético de bovinos”.

    Não sei por que o Dr. Cardoso insiste tanto em combater a rastreabilidade, especialmente a identificação individual dos bovinos se tem coisa muito pior, como a mensuração da área do olho de lombo, que pode levar à seleção para aumentá-la.

    A rastreabilidade, além de todos os aspectos mercadológicos que ninguém aguenta mais ler ou ouvir falar, tem um aspecto que por si só a justifica inteiramente: trata-se da possibilidade que se terá de isolar uma área onde esteja ocorrendo uma contaminação química, ou uma doença contagiosa, justificando para a população de consumidores que não será preciso deixar de adquirir o alimento por suspeita de contaminação de toda a produção.

    Sendo regionalizada a contaminação, não há porque fazer sofrer grandes prejuízos econômicos todos os produtores daquele determinado alimento. Isto é necessário devido à globalização tanto da informação, como da distribuição dos alimentos.

    O medo que o Dr. Cardoso tem de um surto de aftosa como o que ocorreu no Sul do Brasil há cinco anos, esse medo eu tenho, mas não é exatamente da febre aftosa. Prefiro nem tocar no assunto aqui para que não me chamem de agourento. Mas ninguém deve se preocupar com isso porque, afinal, a carne brasileira é de boi verde, ou não é?

    Pedro Eduardo de Felício

  3. Fernando Penteado Cardoso disse:

    Caro Professor Pedro de Felício:

    Fico até meio encabulado ao receber tanta amabilidade dos amigos. Muito obrigado por suas gentis palavras que desvanecem um “sênior” e o induzem a prosseguir, muito embora considere que não merece tanto. Assim sinto eu.

    Gostei da citação do professor Rex, prevenindo sobre o “potencial de desastre no melhoramento mal conduzido”. Mesmo que não ocorra um desastre, o certo é que se trata de uma grande perda de tempo e de dinheiro. Já pensou no avanço que teríamos se a dinheirama do gado fino fosse gasto no melhoramento a pasto, selecionando os mais precoces p.ex.?

    Faz-me lembrar de visita a Faz. Corumbiara, em Rondônia, onde o criador admitiu certa porcentagem de bois com “sinais de acabamento” na fase de castração, pouco antes dos 2 anos, ainda com 0 dentes e criados a campo. Só que, não se tratando de melhoramento, esses animais são castrados junto com os demais. Poderiam seguir outro caminho, como talvez ter o sangue examinado à busca de marcadores de precocidade.

    Venho manifestando minha descrença na rastreabilidade européia aplicada no Brasil, desde Fev. de 2002 quando publiquei meu primeiro Complicômetro-I. Sei da complicação porque do ano 1975 ao 2000, fui responsável por fazenda de criação e engorda no Sul do Pará, conhecendo, assim, os percalços de lidar com bezerros em grande escala e um tanto selvagens no ambiente de pasto sujo, onde o gado se esconde, tem medo e foge do vaqueiro.

    Rodeios adicionais causam grande estresse e, se estiverem ervados com “cafezinho” simplesmente morrem quando há um derrame de cortisol durante a correria, além da desidratação retal e uretral. Uma judiaria! Só vendo.

    Você menciona contaminação química e doença contagiosa regional. Seja qual for o problema tem que ser constatado e relatado muito antes do bezerro com brinco virar boi e chegar ao matadouro 3 a 4 anos depois para então ser rastreado.

    Temos que desenvolver a mentalidade dilatória, isso sim: “viu algo diferente em seu rebanho ou no do vizinho ponha a boca no mundo”. Se admitimos que a vacinação anti-aftosa obrigatória funciona é por que acreditamos na compreensão do criador que tanto aceita a imposição legal, como irá gritar se souber de um caso suspeito.

    Ademais, os frigoríficos sabem de onde procedem os bois comprados. Por sua vez os invernistas sabem de quem compraram os bezerros. A probabilidade é muito grande de poderem rastrear o animal, no caso de alguma suspeita, independente de toda a burocracia, confusão e custos adicionais que se está criando com brincos, licenças, registros, certidões, digitações e investimento em computadores e respectivos operadores.

    Pensemos no custo global do SISBOV gasto em um sistema de inspeção nos matadouros e nos criatórios, completados por um esforço em mentalizar os pecuaristas sobre suas obrigações para com a pecuária como um todo.

    Tempos atrás expus meus pensamentos no artigo Sisbov & Cia. que tenho o prazer de anexar, na esperança de venham a fazer balançar os argumentos pró “brincagem”, pró “guias de transporte” e pró “certificação”, que virão emperrar nossa pecuária de corte, hoje vitima de seu próprio sucesso que motivou a atual superoferta.

    Perdão por tanta prosa fiada, que só dedico aos amigos que muito estimo e admiro.

    Grande abraço,

    Cardoso

  4. Adriano Apolinário Leão de Oliveira disse:

    Tomei conhecimento sobre a continuidade do assunto “notícia alvissareira” publicada neste site pelo brilhante Dr. Fernando Penteado Cardoso, que publicou outra matéria sem retoques no dia 13/09/2005, da qual só fui tomar conhecimento graças à revista da ABCZ, onde a mesma matéria foi publicada na edição nº 29. Infelizmente por ter tido um fim de ano muito atarefado (ou felizmente, já que todos temos que trabalhar muito e poucos têm este privilégio de ser solicitado com boa freqüência), perdi a oportunidade de ver meu nome sendo citado no site na matéria “Aftosa, Amazônia, Sisbov, Mapa etc.” E graças a um amigo, o Sr. Carlos Oliveira da Costa, que recebe as edições da revista da ABCZ, fui informado da segunda matéria publicada pelo Dr. Fernando.

    Por gentileza, transmitam ao Dr. Fernando os meus mais sinceros cumprimentos e digam a ele que não houve de minha parte em momento algum a intenção de apenas homenageá-lo na sua condição de “agrônomo sênior”. Houve sim um impulso que me levou imediatamente a responder à matéria lida, dado o entusiasmo por ver que ali estava um pensador coerente, honesto nas suas opiniões e que não se deixa levar por modismos ou pela força dos lobbies, isso também se verifica na segunda matéria. Homens como Dr. Fernando é que ainda me fazem acreditar que quando o produtor brasileiro acordar ainda vai estar em tempo de corrigir as distorções que anos de desorganização provocaram.

    Um abraço, Dr. Fernando, espero um dia poder conhecê-lo.