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Retendo valor através de novas formas de comercialização

A pecuária de corte vem melhorando sua produtividade e se observa o debate entre aumento de eficiência produtiva e melhoria na comercialização. Os defensores da produção afirmam que ainda há muito espaço para melhorias, com otimização de custos e eficiência. Outros argumentam que os preços estão baixos, mas as exportações são recordes, garantindo a lucratividade do elo à frente dos produtores, a indústria.

O objetivo desse artigo é discutir formas de se reter os ganhos oriundos do aumento de produtividade e de uma possível mudança do produto carne bovina (no prato do consumidor final).

Temos discutido a importância de se diminuir custos, de se aumentar a qualidade do produto, de se adequar o que produzimos aos gostos do consumidor final, de se promover a carne bovina junto a população. Todas essas ações são decisivas para o almejado aumento do valor gerado por toda a cadeia e também o aumento da renda do produtor. No entanto, para se alcançar esse segundo objetivo, é preciso mais do que isso. É necessário garantir que parte do valor seja retida pelo produtor.

Recentemente tive a oportunidade de ler um estudo de caso, escrito pelo Prof. Fábio Chaddad do Ibmec/SP, de um grupo de produtores de milho do estado de Missouri, nos EUA, que fizeram uma escolha arriscada em prol do aumento do valor do seu produto. Esses produtores se uniram e construíram uma fábrica de etanol.

Antes que se critique a possível dificuldade de aplicação do modelo no Brasil e a pecuária, gostaria de apresentar um breve resumo da situação em que esses produtores viviam e os objetivos desse investimento. A produção e produtividade eram muito boas, mas os produtores não estavam em uma boa situação financeira.

Os principais responsáveis pela situação, apontados pelas lideranças rurais eram:
– industrialização da agricultura
– concentração dos demais elos da cadeia
– protecionismo nos mercados externos

Em resumo, os ganhos de produtividade estavam sendo repassados aos consumidores norte-americanos, mas não estavam garantindo o aumento da renda do produtor.

Esses produtores de milho norte-americanos criaram uma empresa, num formato chamado “cooperativa de nova geração”. O objetivo da cooperativa era adicionar valor a commodity produzida pelos associados e retornar este valor aos cooperados através de preços acima do mercado e também pela valorização das “quotas-parte”, um seja, as ações da cooperativa.

As principais dificuldades encontradas pelos produtores do Missouri foram (você irá perceber que seriam muito similares aos dos produtores de carne brasileiros):

– falta de conhecimento sobre a estrutura de cooperativas de nova geração
– falta de conhecimento sobre o mercado
– incertezas e volatilidade do mercado
– variabilidade climática e influências na produção
– necessidade do cooperado investir um montante de capital proporcional a quantidade de produto que iria entregar para processamento

Em 1999 a planta de produção de etanol da cooperativa foi inaugurada, com capacidade de produção de 15 milhões de galões por ano de etanol. O investimento de 309 produtores foi de US$5 milhões. Em 2 anos a produção já era de 22 milhões de galões, indicando o sucesso da empreitada.

A estrutura da cooperativa do Missouri (Northeast Missouri Grain Processors, Inc.) se baseia em cinco princípios organizacionais que norteiam as cooperativas de nova geração, que são:

– quadro de associados limitado ou “fechado”. A planta de processamento da cooperativa é construída de acordo com o volume de produto que os produtores associados se comprometeram a entregar (através de contrato).

– proporcionalidade na contribuição de capital. Cada cooperado investe proporcionalmente ao volume de entrega de produtos. Esse investimento é utilizado para construção de plantas, etc, ou seja, antes do início da operação industrial. Esse item garante que não existam produtores que se beneficiem sem investir (caronas), mas é uma barreira de entrada de associados na cooperativa.

– ações transferíveis e apreciáveis. Os títulos da cooperativa podem ser negociados entre cooperados. A cooperativa apenas controla ou limita a entrada de novos associados. O valor de cada ação varia de acordo com a rentabilidade da cooperativa. O lucro da cooperativa é revertido aos associados de acordo com o número de ações, incentivando o investimento por parte dos cooperados.

– contrato de comercialização. Ao se associar e ao investir na cooperativa, o produtor assina um contrato que o obriga a entregar a quantidade de produto, com data, local de entrega e padrões de qualidade pré-estabelecidos. Caso o contrato não seja cumprido, o cooperado paga multas, podendo até mesmo perder suas ações. Dessa forma a cooperativa garante o fornecimento de matéria-prima a sua operação, diminuindo seus riscos. Além disso, tem menores custos, uma vez que não precisará de um departamento de compra de matéria-prima.

– controle proporcional ao investimento. Algumas cooperativas de nova geração também adotam o conceito de proporcionalidade com relação aos votos, sendo uma ação igual a um voto. Dessa forma a cooperativa se aproxima mais de uma empresa e se distancia do modelo tradicional de cooperativa – um homem, um voto.

Esse modelo de cooperativa tem algumas vantagens como:

– foco. A cooperativa concentra-se em apenas uma única atividade, não se preocupando em resolver “todos os problemas, de todos os associados”.

– controle da oferta. Através do número de associados e contratos de fornecimento a cooperativa controla exatamente a oferta de matéria-prima, sua produção e qualidade do produto final.

– fidelidade dos associados. O associado tem uma relação contratual forte e estável com a cooperativa, diminuindo riscos e custos. O sucesso da cooperativa tem grande impacto na lucratividade dos cooperados.

– orientação para o mercado. A cooperativa, por ter garantido o recebimento de matéria-prima em datas, locais e padrões pré-determinados pode se dedicar a orientar sua produção visando satisfazer seus clientes e agregar valor a commodity de seus associados.

Um dos principais riscos da cooperativa de nova geração é a fidelidade dos cooperados em épocas de preços baixos. Hoje, são poucas as experiências de relações contratuais entre produtores e indústrias no agronegócio brasileiro, em especial na cadeia da carne.

Baseado na experiência dessa cooperativa norte-americana e na realidade brasileira, os maiores desafios da implantação de cooperativas de nova geração na cadeia da carne brasileira são:

– falta de conhecimento do mercado de carne e as dificuldades de se vender uma grande variedade de produtos oriundos do bovino, comercializados em diferentes mercados.

– governança corporativa, ou seja, a dificuldade de se escolher os executivos da entidade de forma estritamente técnica e não política ou visando atender a interesses de alguns associados.

– investimento na cooperativa antes do início das operações. O risco da indústria é potencialmente maior que o da atividade pecuária. No entanto os investimentos na construção de uma cooperativa frigorífica são relativamente pequenos ao se comparar com o capital investido em terras, por exemplo. Além disso, haveria a possibilidade de financiamentos através do BNDES.

O formato de cooperativas de nova geração é uma alternativa muito interessante para o pecuarista brasileiro e deve ser estudado mais a fundo. É difícil visualizar um grande número de cooperativas frigoríficas substituindo o atual sistema de comercialização onde os frigoríficos não são operados/controlados por produtores. No entanto, as cooperativas podem servir como uma “pressão” por melhores preços e condições de comercialização.

O café gourmet é um excelente exemplo desse tipo de mudança. O percentual da produção brasileira que se enquadra na classificação “gourmet” é muito pequena em relação à produção total do Brasil, mas essa pequena parcela tem sido suficiente para estimular (e muito) toda a cadeia produtiva do café a melhorar sua qualidade.

O mesmo pode ocorrer com a carne bovina, mesmo com um pequeno número de novos formatos de comercialização atuando, com um percentual irrisório do abate anual de bovinos; ainda assim é possível que isso seja um fator de mudança.

Não é possível prever o futuro, o que é possível perceber é o interesse do produtor por novas respostas para o seu antigo problema: aumento da renda.

0 Comments

  1. Fernando Penteado Cardoso disse:

    Parabéns Miguel pela lição sobre o cooperativismo baseado: a) em compromisso de entrega; b) ao capital proporcional à dimensão da utilização; c) ao poder administrativo proporcional a essa dimensão: cada cota um voto; e 4) à especialização sem querer resolver todos os problemas dos associados.

    Muito diferente do que ocorre no Brasil onde cada associado tem um voto, estando em geral desobrigado de volume de entrega e, além do mais, espera “vender” à cooperativa por preço superior ao alcançado no mercado.

    Pelo que me lembro quando morei nos EU, lá os associados “entregam” sua produção a cooperativa e se submetem a uma prestação de contas a posteriori.

    A cooperativa cobra uma taxa de serviço e, se esta gerar superavit, a AGO pode decidir pela distribuição, sempre proporcional ao número de cotas. Não há lucro ou perda por operações de compra e venda, que são habituais nas nossas instituições e muitas vezes as levam à falência.

    Nas SAs a preocupação dos dirigentes é remunerar o capital dos acionistas. Nas cooperativas o foco são os associados fornecedores, que entregam sua produção na esperança de obter o melhor resultado dos serviços prestados para alcançar a máxima remuneração nas vendas “tal qual” ou após transformação. Nos dois sistemas o sucesso depende de um bom gerenciamento.

    Penso que é indispensável alterar nosso tipo de controle administrativo para: cada cota um voto. A final, quem tem mais capital investido deve ter mais “força” nas assembléias.

    Grande abraço.

  2. Bruno de Jesus Andrade disse:

    O produtor precisa realmente se preocupar com a comercialização do que está produzindo.

    Acredito que essa baixa remuneração é devido ao descaso de anos, ao que acontecia além da porteira da fazenda.

    Hoje com esse “mundo mais pequeno”, onde vestimos roupas chinesas e mascamos chicletes de Taiwan é complicado ficar em nossos “mundinhos” e não fazer parte de toda uma cadeia que envolve uma situação.

    O cenário político hoje, como todos sabem, não é dos melhores e infelizmente poderá atingir de forma mais contundente a economia.

    Ora, ou achamos formas concretas de se aliar, ou então sofremos com isso.

    Por favor, vamos ficar atentos a tudo que nos cerca, pois um comentário sobre a produção de carne no Brasil feito no exterior, dependendo de como vem, pode nos quebrar.

    O mercado é frágil, hoje a grande maioria dos produtores não estão preparados e para que um erro estrague tudo o que construímos não é muito difícil.

    Espero que muitos levem a sério este artigo.

    Pode não ser a salvação, mas é o começo de alguma coisa que precisa indiscutivelmente ser feita, o quanto antes!

    Gostei muito do artigo Miguel, exemplos são sempre importantes, vamos agora adaptá-lo a nossa realidade.

  3. Miguel Barbar disse:

    Desde que passei a frequentar esse site (já há algum tempo) e trabalhar com pecuária (há muitos anos) essa idéia é a primeira que não nos diz que estamos errados e devemos fazer as coisas de outro jeito, mas sim motiva a direcionar o trabalho para algo mais objetivo, mesmo que seja arriscado.

    Belo exemplo!

  4. Miguel da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezado Miguel,

    Gostei muito do seu artigo sobre a “Cooperativa de Nova Geração” CNG nos Estados Unidos. Concordo plenamente que esse pode ser um caminho viável. Fui contemporâneo do Fabio Chaddad na Universidade do Missouri e também tive experiência com esse modelo de estrutura organizacional.

    Em 1998, quando retornei ao Brasil, tentei verificar a viabilidade de implantação desse tipo de organização por aqui, mas não obtive sucesso pelos seguintes motivos:

    1- A legislação de cooperativas do Brasil, não aceitava diversos fatores fundamentais para o bom funcionamento desse tipo de organização, como por exemplo, a proporcionalidade de poder de voto. A menos que essa legislação tenha sido alterada nos últimos anos, considero que esse seja o primeiro passo para qualquer tentativa semelhante no Brasil.

    2- Conforme você relatou, o produtor investe para participar da organização e esse investimento serve para garantir que ele entregue o produto seja qual for o preço pago. Nos Estados Unidos, caso o cooperado não entregue o volume previsto, a cooperativa utiliza esses recursos para adquirir o produto e garantir a matéria prima necessária para manter a escala de produção. O cooperado automaticamente perde o direito às cotas que lhe pertenciam. Isto só é possível em um país com instituições jurídicas confiáveis principalmente na agilidade e rapidez das tomadas de decisão. No Brasil, a justiça é lenta e burocrática, o que pode por em risco uma tentativa semelhante.

    3- É preciso deixar claro que os produtores vão continuar a ser “pecuaristas” e que a idéia da CNG é adicionar valor ao “BOI” que eles produzem de maneira eficiente e onde são especialistas. Se os cooperados acharem que são capazes de administrar o negócio (frigorífico, etc), as chances de insucesso são muito grandes. Eles devem estar conscientes que terão apenas que monitorar (através de um conselho) a atuação de uma equipe de administradores especializada em frigoríficos, marketing ou qualquer outra forma de adicionar/manter valor ao/do “BOI”.

    Um outro exemplo de um bom marketing de qualidade/diferenciação e que você pode utilizar nos próximos artigos é o caso do “Certified Angus Meat” que o consumidor americano valoriza muito e que transfere algum valor ao produtor.

    Se você for a uma exposição de gado nos EUA, vai observar que o Simental (e diversas outras raças) tem a coloração preta, tentando “pegar uma carona” no sucesso do “Angus”.

    O marketing junto ao consumidor final não pode ser sobre a qualidade da carne como, por exemplo, apenas “picanha maturada”.

    A única forma do produtor, obter uma fatia maior do valor será através do reconhecimento do produto que ele oferece e que deve ser diferenciado e certificado (uso exclusivo da marca).

    Uma CNG especializada no marketing/ divulgação de seus produtos aumenta o poder de barganha dos produtores junto aos frigoríficos/varejistas, podendo obter contratos mais atrativos.

    Um grande abraço e parabéns pelo artigo,

    Mario Tavares Moura
    Médico Veterinário
    MSc. Agribusiness Mngt

  5. Francisco Vila disse:

    Caro Miguel,

    Um dos vícios na ânsia de resolver problemas complexos é tentar resolver tudo de uma vez só e com uma fórmula que satisfaça a todos e em qualquer espaço geográfico ou cultural. Dito isto, a sua abordagem, preciosamente complementada pela análise do Mário Tavares de Moura, passa a ser uma peça pequena, porém não menos importante, na tentativa de ‘ordenar’ e ‘impulsionar’ o processo de transformação da pecuária nacional.

    Sempre devemos lembrar: não existe ‘a pecuária brasileira’. Existem, sim, segmentos altamente tecnificados, produtores grandes, médios e pequenos, culturas regionais responsáveis (que facilitam alianças nos mais variados formatos), mais extrativistas, etc. Ou seja, num país enorme e num setor amplo com 180 milhões de cabeças de gado e 200 milhões de hectares de pasto há, e deverá de haver, de tudo.

    Nesta ótica, seu exemplo, bem como os comentários dos leitores, têm importância sim, mesmo só servindo para algumas pequenas ‘ilhas de excelência’. Acompanhamos na imprensa (e no BeefPoint) as novas estratégias do FRIGOCLASS e do recente joint venture da COROL. E estão brotando outras iniciativas menos conhecidas e com maior ou menor êxito.

    Os problemas (ou melhor: as oportunidades) do setor pecuário não se resolvem com uma tacada só. Pequenas iniciativas, a discussão (em praça pública deste portal) de modelos inovadores e a interconexão entre as diversas ‘ilhas de excelência’ farão, com o tempo, que o grande grupo dos produtores menos dinâmicos também siga os exemplos de sucesso.

    Tem sido assim nos outros setores (e países) e porque não haverá de ser na tradicional pecuária brasileira?

    Abraços otimistas

    Francisco Vila

  6. Eduardo Miori disse:

    Caro Miguel

    Mais um excelente artigo principalmente por ampliar o campo da discussão que normalmente é limitado à questão dos preços.

    Fica claro no seu exemplo que o aumento de rentabilidade implica na redução dos graus de liberdade do produtor que passa a assumir compromissos de longo prazo com riscos crescentes.

    Imaginem-se as dificuldades de relacionamento que pecuaristas tradicionais teriam em lidar com supermercados e distribuidores. Quem já teve o prazer de vender produtos às grandes cadeias de varejo sabe da incrível capacidade dessas organizações em “espremer” o fornecedor até o seu limite de sobrevivência.

    Francamente prefiro negociar com frigoríficos que têm evoluído positivamente quanto ao reconhecimento da qualidade do produta sob a forma de prêmios.

    Este me parece o caminho mais eficaz: melhorar a qualidade e receber por isso, ou seja, corrigir as distorções de comercialização que estavam sendo introduzidas por alguns até pouco tempo atrás.

    É um bom começo.

    Um abraço,

    Eduardo Miori