Rick Beasley1 trabalha para o mundialmente famoso Meat and Livestock Australia e é o administrador do sistema australiano de identificação animal. Beasley concedeu essa entrevista ao BeefPoint, falando um pouco da experiência australiana nesse assunto.
A Austrália é um dos países mais avançados nessa tecnologia. É interessante notar que os produtores australianos têm as mesmas dúvidas dos brasileiros, mas já estão percebendo que a rastreabilidade, além de ser uma exigência européia, é também uma forma de aumentar a eficiência na produção de carne em suas fazendas.
BeefPoint: Quais são os pontos críticos para a implementação da rastreabilidade?
RB: Os pontos de estrangulamento da implementação na fazenda dependem das razões da instalação dos sistemas de rastreabilidade. Se os sistemas de rastreabilidade tiverem como objetivo único atenderem aos requisitos do NLIS (o SISBOV australiano), o produtor deverá apenas colocar os brincos ou o bolus (identificação eletrônica).
Neste caso, apenas os dados de movimentação de fazenda para fazenda deverão ser coletados pelo produtor. Na Austrália, os controles de movimentação de animais podem ser feitos de forma mais eficiente nos recintos de leilões e abatedouros, pois grande parte dos animais é comercializada em leilões.
Já a vantagem do uso de identificadores de rádio frequência é um grande incremento no gerenciamento da propriedade. Se o controle individual de animais for utilizado para facilitar o gerenciamento, pode-se controlar eletronicamente peso ou tratamentos sanitários, diretamente em um computador ou notebook.
Ambos os casos ocorrem na Austrália.
BeefPoint: Quais são os ganhos de gerenciamento ao se implantar a rastreabilidade?
RB: Hoje, estão disponíveis, para produtores, vários aparelhos muito sofisticados de gerenciamento eletrônico. Esses sistemas possibilitam a coleta de muita informação com facilidade e baixo custo. O uso desses sistemas juntamente com balanças e leitores eletrônicos permite uma coleta de dados totalmente eletrônica. Isso significa rapidez e ausência de erros.
Atualmente, na Austrália, temos disponível um sistema que permite o retorno dos dados de carcaça (rendimento, qualidade, etc) para o produtor. Esses dados são relacionados com um número individual através do banco de dados do NLIS. Juntamente com a informação de pedigree e produção, estes dados servem como uma poderosa ferramenta para se incrementar o melhoramento genético (ex.: seleção de melhores touros) e administração da propriedade (ex.: escolha dos melhores fornecedores de bezerros).
BeefPoint: Qual é o ponto de vista dos produtores em relação às exigências de rastreabilidade? Oportunidade, mais uma exigência inútil do Comunidade Européia ou mais uma barreira comercial?
RB: Como você poderia esperar, produtores têm variadas opiniões nesse estágio inicial da rastreabilidade.
De maneira geral, produtores mais intensivos têm uma maior inclinação por adotar mais rapidamente novas tecnologias, quando comparados com os mais tradicionais, mais extensivos e com maiores rebanhos. Apesar disso, o programa, que hoje é voluntário, conta com 3,5 milhões de cabeças identificadas (mais de 10% do rebanho nacional) em quase 7.000 propriedades.
O uso do sistema australiano de rastreabilidade (NLIS) é requerido apenas para fazendas que desejam fornecer animais que terão a carne exportada para a Europa. Apesar disso, apenas metade das propriedades que tem esse sistema implantado o fizeram visando o mercado europeu. A outra parte adotou o sistema com o objetivo de ter ganhos e facilidades no gerenciamento da propriedade.
BeefPoint: Como está a rastreabilidade nos frigoríficos?
RB: Atualmente, os frigoríficos estão instalando equipamentos para leitura dos dados (dos brincos ou chips) para fazerem parte do sistema nacional de rastreabilidade.
No início tivemos problemas para adaptar os leitores para o ambiente dos frigoríficos (que não são muito adequados para sistemas que fazem esse tipo de leitura), mas hoje já temos a solução para esse problema. No momento temos 21 frigoríficos “on line” com leitores eletrônicos, conectados com o nosso banco de dados.
Temos também sistemas pós-abate de identificação dentro dos padrões EAN/UCC (que é o sistema internacional de identificação de carcaças e cortes). A rastreabilidade, nesse caso, é geralmente feita em lotes, isto é, lotes de carcaças entram na sala de desossa e os cortes originados são “linkados” com esses lotes. Não há rastreabilidade animal por animal no caso de cortes na maioria dos casos, devido ao incremento excessivo dos custos de desossa.
Caso seja necessário, é possível se fazer a coleta de material dos cortes e da carcaça (antes de ser desossada) para posterior análise de DNA. Essa técnica permite a rastreabilidade individual do pasto ao prato. O NLIS pode interligar dados da criação dos animais até o pós-abate.
BeefPoint: Existe um prêmio no preço desses animais rastreados?
RB: O sobre-preço dos animais rastreados vai depender do mercado para onde irá essa carne. No nosso caso, a carne para a Europa – já rastreada – tem um plus no preço de A$0,30 (cerca de R$ 0,37 ou US$ 0,16) por quilo de carcaça, o que equivale a mais de A$100,00/ animal (cerca de R$ 121,97 ou US$ 51,90) acima do melhor preço que esse animal poderia obter em qualquer outro mercado. Mas, provavelmente, essa não será a regra em outros mercados, onde, em alguns casos, a rastreabilidade servirá apenas para podermos continuar vendendo nesses mercados.
BeefPoint: Quais são os custos de implementação desse sistema?
RB: Os custos para se implementar a tecnologia de rádio frequência (identificação eletrônica) variam bastante, dependendo das mudanças que precisarão ser feitas na infra-estrutura já existente e na complexidade dos sistemas a serem instalados.
Além dos preços dos chips, produtores terão de investir entre A$800,00 (cerca de R$ 978 ou US$ 416) e A$5.000,00 (R$ 6.113 ou US$ 2.600) para instalar leitores de identificação eletrônica e compra de softwares.
Um recinto de leilões típico australiano, gastará em torno de A$10.000,00 (R$ 12.225 ou US$ 5.200) em equipamentos e programas computacionais, enquanto que frigoríficos terão de investir entre A$10.000,00 e A$100.000,00 (R$ 122.252 ou US$ 52.000) dependendo do tamanho da planta e necessidade de integração e conexão de informações entre os sistemas (pré e pós-abate).
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1Ao se formar em zootecnia, trabalhou por 10 anos como pesquisador e extensionista do Departamento de Indústrias Primárias da Austrália Tropical de Queensland. Depois trabalhou por mais 10 anos como pesquisador e extensionista do Departamento de Produção Animal e Ciência da Carne de Queensland. Também foi o administrador de um frigorífico, na parte de abate e comercialização de carne, durante 5 anos.
Desde 1999 faz parte do Meat and Livestock Australia (Centro Australiano de Pesquisa e Extensão de Produção de Carne). Atualmente é o diretor do programa nacional de identificação animal da Austrália (NLIS).
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Com certeza este artigo aborda um assunto que pode ajudar a toda cadeia produtiva, e a entender melhor o tema “rastreabilidade”, os desafios e dúvidas sobre o assunto. É comum a todos, porém eles já aceitam o fato que sem rastreabilidade a exportação para a UE ficará inviável.
Nós também vamos avançar com o nosso sistema.
Rick, vem nós dar um pouco de incentivo a respeito da implantação do sistema ERAS nas propriedades brasileiras.
E mostrar para os nossos pecuaristas que rastreabilidade não é nenhum bicho de sete cabeças, o sistema vêm também para auxiliar no gerenciamento das propriedades. Vem acontecendo um certo desconforto por parte dos pecuaristas, pois toda mudança gera um desconforto, e é normal.
Mais para entrarmos no mercado competitivo como o mercado mundial temos que arregaçar as mangas e sermos produtores de quantidade, mais acima de tudo com qualidade.
Pollyanna L.C. Côrtes
Com relação a rastreabilidade, acredito que o nosso maior desafio é demonstrar de forma simples e objetiva, para o produtor rural, a importância e a necessidade da rastreabilidade do nosso rebanho, não apenas para cumprir exigências internacionais de exportação, mas fundamentalmente para melhorar e inserir em nossas propriedades rurais a gestão.
Precisamos conhecer os nossos custos nos mínimos detalhes para sabermos então o que produzir, para quem produzir e a que preço este produto poderá chegar no mercado.
O trabalho é difícil, mas não impossível.
Vilson Dantas