Por Humberto de Freitas Tavares1
No encerramento da turbulenta semana passada, Rui Vargas, diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, deu entrevista resumida em Brasil poderá fazer certificação de origem por propriedades.
Por vias tortuosas, acabou admitindo que “…não vê problema nenhum em aperfeiçoar o sistema com a adoção da certificação por propriedade rural.” Concluímos com isso que estava coberto de razão Pedro de Camargo Neto, diretor da Sociedade Rural Brasileira, que em Crise sinaliza urgência de mudanças no Sisbov fustigou a obrigatoriedade de se rastrear individualmente cada boi de corte do Brasil, do nascimento ao abate.
Nossos cumprimentos a ele, que ao que parece teve participação decisiva na reviravolta. Foi tudo muito fácil, já que o Sisbov foi criado com pitadas de ingenuidade, pouco contato com a realidade e sem nenhuma consulta prévia aos pecuaristas que seriam afetados.
Mas a quê, exatamente, se deve a mudança de posição implícita no pronunciamento de Rui Vargas? Um completo Vade Mecum sobre BSE (mal da vaca louca) na Comunidade Européia pode ser encontrado em http://europa.eu.int. Lá, podemos encontrar o documento Regulation (EC) No 999/2001 of the European Parliament and of the Council of 22 May 2001.
Segundo seu anexo IX, países da categoria 1, como o Brasil, que desejem exportar carne para a Europa, precisam apenas obter um atestado de que se enquadram nesta categoria. O rastreamento pode ser por propriedade. A categoria 1 permite até mesmo a ocorrência de casos de BSE no país, desde que fique comprovado que o animal doente foi importado. Somente em caso de queda para a categoria 2 seria necessária a identificação individual dos animais cuja carne seria exportada.
Isso significa que quem tiver um rebanho assim identificado pode ter vantagens se o Brasil for rebaixado de categoria. Pelo que se conhece da BSE, todavia, a hipótese felizmente é remota. Como o sistema brasileiro de cria, recria e engorda é amplamente baseado em alimentação a pasto e sal mineral, basta que a Secretaria de Defesa Animal direcione o melhor de seus esforços para:
a) impedir que as farinhas de origem animal entrem na cadeia alimentar dos bovinos brasileiros manejados mais intensivamente e,
b) rastrear com extremo cuidado as importações, passadas e futuras, de bovinos, fazendo cumprir as regras da UE relativas ao abate e ao descarte de cadáveres.
Feita a lição de casa, dificilmente teremos problemas nesta área. A paz finalmente voltará a reinar no campo do relacionamento dos pecuaristas com o MAPA e com os frigoríficos. Seguiremos, sem inúteis auto-flagelações, gerando seguidos e polpudos superávits comerciais, rumo a uma breve conquista do topo do podium dos exportadores de carne bovina.
____________________
1Humberto de Freitas Tavares é criador e invernista
0 Comments
Caro Humberto:
Parabéns por seu artigo tão esclarecedor. Fico perplexo: então não há exigência de rastrear?
Quem teria nesse caso inventado toda a complicação que venho chamando de complicômetro?
Ao mesmo tempo fico sem entender o comportamento de nossas associações. Umas querendo uma fatia do bolo da certificação ou da revenda de petrechos. Outras concentradas nos criadores elitizados.
Mas qual estaria preocupada com os pecuaristas do sertão produtores de milhões de bezerros e de bois para engorda? Que falta de visão, santo Deus!
Você menciona que “o rastreamento pode ser feito por propriedade”. Permita-me duvidar, pois são tantas por esse país a fora! Ademais, para que? Se os cortes só levam a marca do abatedor.
Vamos pensar em como se faz hoje em dia o comércio de bezerros, vendidos e revendidos sucessivamente, várias vezes nos leilões, antes de cair em mãos do invernista engordador! De onde procedem? Quem os teria criado nos ermos socavões do cerrado e dos pantanais? Perde-me se me lembro dos criadores menos elitizados.
É que estou convencido que a contribuição deles é significativa e que não dá para despreza-los, muito embora nossas entidades parecem não ligar muito para eles. Afinal eles não são clientes do gado fino de pista…
Analisando, pensando e nos preocupando iremos encontrar solução justa para nossos problemas. Para tanto sua contribuição vem sendo inestimável.
Grande abraço.
Agradeço a Fernando Penteado Cardoso pelos comentários gentis, e aproveito para esclarecer que não defendo a identificação individual dos bois de corte. Muito pelo contrário! Num país livre cada um faz como quiser, desde que não colida com as leis vigentes, com os direitos alheios ou com os interesses nacionais.
Nas minhas propriedades eu considero economicamente viável controlar individualmente apenas o gado Nelore registrado na ABCZ. Quanto ao gado comercial, tenho grande orgulho das boiadas que produzo, sempre valorizadas pelos frigoríficos por atenderem, em sua absoluta maioria, tanto aos requisitos dos importadores quanto aos dos mais exigentes distribuidores brasileiros. Fico triste quando dizem que este gado só vai ser bom se tiver um brinco na orelha e um “passaporte”.
Em quê exatamente vai mudar este boi, ou eu, ou a fazenda, ou o processo produtivo? A carne certamente vai piorar, pois o excesso de manejo adicional vai provocar mais contusões.
O cadastramento a que me referi é o da propriedade, por um simples ato declaratório, em que o proprietário assegure atender às normas de descarte de carcaças e às proibições de uso de farinha de carne e cama-de-frango na alimentação animal.
Simples como o cadastro no programa do Novilho Precoce, e como tal sujeito a fiscalização posterior da secretaria estadual de Agricultura. Qualquer propriedade brasileira terá condições de se cadastrar, basta querer. Para quê complicar, afinal de contas? Tudo muito de acordo com o próprio regulamento da UE, citado (com link) em meu artigo, e com a agenda positiva dos ministros Roberto Rodrigues e Luis Fernando Furlan.
Aproveito para deixar meu reconhecimento ao Cesário Ramalho, da Sociedade Rural Brasileira, de cujo trabalho “Rastreabilidade ou … a arte de complicar as coisas simples” em eu tomei conhecimento só depois de escrever meu artigo. São comentários de um líder ruralista experiente, profundo conhecedor do mercado e boiadeiro que é “do ramo”.
Finalizando, um alerta. Soube que o Conselho do Sisbov está analisando nesta semana uma proposta de se eliminar a obrigatoriedade do rastreamento individual, mas continuar exigindo esta identificação individual nos animais destinados à exportação. Nem mesmo o regulamento da UE é tão inimigo de nossas exportações como esta proposta. Urge derrubá-la também.
Com a palavra as nossas associações, como Famato, SGPA, Acrissul e congêneres do Paraná, Minas Gerais e Pará. Os estados de Tocantins e São Paulo já se pronunciaram, sempre a favor da pecuária nacional e da facilitação de exportações.
Sempre achei meio utópica e sem necessidade a rastreabilidade do nosso rebanho.
Devemos produzir bem e com qualidade, acredito que a rastreabilidade deveria ser de forma regional, pois quando o animal chega para ser abatido no frigorífico sabemos de onde vem e essas informações podem constar no rótulo.
O que é necessario saber é se daquela região que determinado frigorífico compra os animais para abate é uma região de sistema mais ou menos intensivo, se é ou não zona livre, e quais a infermidades mais comuns e seus percentuais.
O nosso rebanho é sádio e o mundo sabe, senão sabe devemos melhorar nossa política comercial através de um marketing bem direcionado e embasado não permitindo acordos internacionais descabidos, afinal a nossa proteína animal não anda matando ninguém e sim a falta dela.