Samantha Jamieson é australiana, de família de produtores rurais. Tem mestrado em comércio e cultura japonesa e é fluente em japonês. Trabalhou para a indústria da carne bovina e suína australianas, na área de promoção e desenvolvimento de novos produtos. Desde 2001 trabalha como gerente regional do MLA (Meat and Livestock Australia) no Japão, sendo responsável pelo programa de marketing e programa de recuperação de mercado pós-crise da “vaca louca”.
Samantha concedeu essa entrevista exclusiva ao BeefPoint, onde falou do trabalho de marketing da carne australiana no Japão. Há mais de 10 anos a Austrália vem desenvolvendo a promoção de sua carne no Japão. É interessante notar que várias ações australianas no Japão, que é um mercado bem diferente dos que o Brasil atende, podem servir de exemplo para o Brasil na divulgação de sua carne.
BEEFPOINT: Como é o posicionamento da carne australiana no Japão?
SJ: A marca australiana é chamada Aussie. Essa marca começou a ser divulgada no final dos anos 80. Mas o mercado japonês teve maior liberalização apenas em 91. Pode-se dizer que existe uma forte promoção da carne australiana no Japão desde 1990.
O principal slogan da carne australiana era “The taste of the big nature”. O principal atributo era de que a carne tinha um sabor “natural” por ser produzida na Austrália, um grande país natural. A divulgação sempre mostrava o ambiente natural onde gado era produzido, belas paisagens, animais pastejando em grandes áreas, etc.
Quando os consumidores japoneses se tornaram mais preocupados com a segurança alimentar nós começamos a divulgar Aussie Beef mais como uma marca de carne muito segura. Começamos a divulgar nossos controles de doenças, nossos sistemas de segurança contra doenças, etc. Conseguimos desenvolver uma imagem de uma carne muito segura.
Hoje, segurança ainda é muito importante, mas estamos promovendo que nossa carne tem muito sabor, além da segurança. Queremos desenvolver uma imagem de que nossa carne é “deliciosa”. Já temos uma reputação muito forte em relação à segurança da nossa carne, agora queremos que os consumidores japoneses percebam a carne australiana como muito saborosa.
BP: Como isto está sendo trabalhado?
SJ: Em nossas peças promocionais, ao invés de termos fotos de animais em extensas pastagens, agora temos imagens de deliciosos pratos de carne. Não colocamos fotos de peças de carne, somente pratos prontos, pratos que os consumidores desejam comer. Estamos mudando de imagens de gado para imagens de pratos apetitosos. Queremos que o consumidor olhe nossa propaganda e pense “Humm, isso parece delicioso…”
BP: A carne produzida no Japão vem recuperando suas vendas mais rapidamente que a australiana e americana. Por que isso acontece?
SJ: A principal razão disso é que o os preços de carne japonesa caíram muito. Além disso, a carne produzida no Japão tem uma “delicious image” muito forte na mente dos consumidores japoneses. Com a queda brusca dos preços (pós-BSE), o consumo dessa carne aumentou bem mais que a carne australiana e norte-americana. Foi a união de imagem “deliciosa” que era percebida pelos consumidores e o preço muito baixo. Naquele momento, a carne australiana e norte-americana não tinham preços tão competitivos.
Após o aparecimento dos casos de “vaca louca” o governo começou a analisar para BSE todos os animais abatidos. Hoje, a maioria dos consumidores percebe a carne japonesa como segura. E por incrível que pareça os preços da carne japonesa se recuperaram e as vendas continuam indo bem.
Nós contratamos uma personalidade muito famosa da culinária japonesa. Alguém com o estilo de vida japonês. Ela tem uma revista especializada sobre culinária de alta qualidade e estamos publicando vários artigos, promovendo nosso produto. Ela faz pratos simples e deliciosos e nesses pratos sempre há carne australiana. Essa é mais uma iniciativa para criar a imagem de que a carne australiana é deliciosa. Além disso estamos realizando ações promocionais em pontos-de-venda. Assim podemos utilizar ainda mais essa personalidade da sociedade japonesa.
BP: Vocês anunciam muito a carne australiana no Japão? Há muita publicidade para promover a carne?
SJ: Na primeira metade dos anos 90 nós anunciamos bastante na televisão japonesa para desenvolver a marca e torná-la conhecida. Para posicionar nossa marca como natural e segura.
Na segunda metade dos anos 90 houve uma reestruturação dos investimentos em propaganda. Nosso orçamento foi muito reduzido e não temos mais feito anúncios na TV.
Quando a BSE foi descoberta no Japão, nós fizemos alguns anúncios em jornais e TV para re-assegurar aos consumidores japoneses que tínhamos carne extremamente segura. Isso por apenas um mês, por ser um caso especial, uma emergência.
BP: Qual o alvo desses anúncios? O consumidor final, o setor de foodservice, chef´s de restaurantes?
SJ: Antes tínhamos um foco muito forte nos importadores, nos distribuidores. Hoje estamos mais preocupados em divulgar nossos produtos para varejo, supermercado, restaurantes, etc. Organizamos atividades para promover nossa carne nesses estabelecimentos.
Ao invés de ajudar o setor de importação/distribuição “empurrar” produtos para o varejo, nós queremos que o varejo, restaurantes, empresas de foodservice “puxem” a demanda, exigindo dos importadores/distribuidores que tenham carne australiana.
Descobrimos que os importadores não se importam muito com a origem da carne comercializada por eles. Eles estão muito mais preocupados com o preço e podem trocar rapidamente de fornecedor, não tendo muita fidelidade às marcas. O varejo, por outro lado, pode apresentar um grau maior de fidelidade a determinadas marcas e produtos.
Em torno de 65% da carne australiana no Japão é consumida através do setor de foodservice (restaurantes, lanchonetes, restaurantes industriais). Estamos nos dedicando mais a esse setor.
Existem restaurantes que anunciam servir carne australiana. Alguns anos atrás um famoso chef de cozinha japonês se orgulhava de servir apenas carne australiana em seu restaurante. Além disso, toda carne utilizada pelo McDonald´s e OutBack Steakhouse japoneses é australiana.
Nós temos uma grande variedade de produtos sendo comercializados no Japão. Desde carne industrial para redes de fast-food até steaks para restaurantes finos.
BP: Temos observado que a Austrália desenvolve um forte trabalho de relações públicas. O que a Austrália tem feito para promover seu produto, além de publicidade paga?
SJ: Acredito que o trabalho de relações públicas é muito mais eficiente do que apenas colocar anúncios em revistas e jornais. Algumas pessoas acham que é muito mais simples e fácil comprar vários anúncios, mas isso é bem caro!
Além disso, o trabalho de relações públicas traz muito mais credibilidade. Trazer um jornalista japonês à Austrália e fazê-lo visitar fazendas, ter uma experiência de como é a produção australiana de gado de corte, de como é a vida de quem trabalha com a cadeia da carne na Austrália pode ser mais complicado e trabalhoso, mas custa menos e traz benefícios bem maiores. O ponto chave é a experiência desse jornalista na Austrália. A opinião desse jornalista terá maior credibilidade aos olhos do consumidor. É muito mais interessante ter um consumidor lendo esse artigo, do que simplesmente passar os olhos por um anúncio.
Nosso orçamento, mesmo com auxílio do governo para esse ano, não permite propaganda em larga escala.
BP: Como você compara o posicionamento da carne australiana e da norte-americana no Japão?
SJ: Existe uma diferença entre a imagem percebida pelos consumidores e pelas empresas importadoras/distribuidoras.
Temos uma pesquisa com consumidores feita em dezembro pela AC Nielsen para estudar a imagem de nossos produtos pelos consumidores. Os consumidores têm uma imagem mais positiva da carne australiana em relação a sabor e segurança, do que a norte-americana. Isso não tem sido muito fácil e temos trabalhado muito para manter e melhorar isso.
Já os distribuidores/importadores provavelmente preferem carne norte-americana porque pode ser adquirida por cortes, tem qualidade uniforme e quase todo o gado americano é terminado em confinamentos de alto ganho diário. Desse modo, um importador pode adquirir uma quantidade grande de um determinado corte, dentro um padrão específico. Grande parte da produção americana para mercado interno deles é similar ao exportado para Japão.
Nós temos um rebanho bem menor que o americano e apenas uma pequena porcentagem do nosso gado é produzido de acordo com as exigências do mercado japonês. Logo, toda a carne desse animal deve ser vendida para o Japão. O mercado interno australiano consome principalmente carne de gado criado a pasto, que difere bastante do que é exigido pelo Japão. Nós exportamos 65% de nossa produção, enquanto os EUA apenas 10%.
Exportamos ao Japão um “pacote” chamado” full set que engloba 12 ou mais cortes. São cortes originados do traseiro e dianteiro do animal.
BP: No Brasil temos uma imagem de que o consumidor japonês gosta de uma carne com grande marmoreio. Qual é a real preferência desse consumidor?
SJ: A carne de alta qualidade tem realmente um elevado grau de marmoreio, sendo bem gorda. Já o consumo no dia-a-dia não envolve carne com elevado marmoreio. A carne do dia-a-dia é produzida a partir de animais confinados por 150-200 dias, que não apresentam elevado marmoreio.
Nota BeefPoint: A carne considerada de médio marmoreio no Japão é dificilmente encontrada no Brasil, pois aqui muito raramente se confinam animais por mais de 120 dias
BP: Como a rastreabilidade está influenciando o mercado japonês?
SJ: Rastreabilidade está se tornando muito importante no Japão, devido ao aparecimento da “vaca louca” e dos escândalos de adulteração de carne.
Os japoneses estão implantando sistemas que permitem identificar o animal que originou determinado corte, individualmente. O consumidor pega um corte no supermercado e num terminal de computador consegue identificar o animal e fazenda que produziram aquela carne.
No momento não temos na Austrália um sistema que identifique individualmente um corte, relacionando-o com um único animal. Esse tipo de sistema é muito caro e não acreditamos que será uma necessidade. Alguns dos exportadores australianos são capazes de fazer isso e alguns grupos japoneses já fazem isso.
BP: O consumidor japonês percebe como diferente um produto que tem rastreabilidade individual de outro que a rastreabilidade é feita por lote, após abate?
SJ: Acredito que para o consumidor é “interessante” ter esse tipo de informação. Isso é mais uma estratégia de promoção de determinado produto, uma maneira de tentar diferenciar seu produto num universo de muitas marcas.
Acredito que o benefício não compense o custo. Os supermercados afirmam que a grande maioria dos consumidores não presta atenção a esse tipo de informação. Isso não será necessariamente a resposta para o receio dos consumidores em relação à segurança dos alimentos.
Provavelmente será possível vender carne proveniente do sistema de rastreabilidade japonês (individual) e do sistema australiano (individual até o abate) pelo mesmo preço, tendo o sistema australiano um custo bem menor.
BP: Como você vê o futuro da produção de gado de corte na Austrália?
SJ: No longo prazo acredito que o futuro é muito promissor. No curto prazo estamos enfrentando problemas como seca muito severa e preços elevados de grãos. No momento atual não conseguimos atender à demanda japonesa.
Além disso o governo japonês irá criar uma salvaguarda à entrada de carne importada, aumentando os impostos de 38 para 50% por um período curto de tempo. Durante esse período teremos uma perda de competitividade significativa no mercado japonês. Isso irá afetar todos os exportadores. Mas nos próximos anos, vejo que iremos aumentar nossas exportações.
Se não fosse a seca e a essa possível salvaguarda, acredito que iríamos ganhar market share em relação aos nossos competidores.
Somos hoje o maior fornecedor de carne bovina no Japão. No primeiro semestre perdemos para os EUA, mas isso foi recuperado no segundo semestre.
BP: Como é a divulgação da carne australiana? É geral ou divulgam marcas específicas de carne?
SJ: Temos uma marca “geral”, chamada Aussie Beef. Aussie é um apelido para australiano. Existe um trabalho de divulgação dessa marca geral, a marca que identifica carne da Austrália. Temos também programas de divulgação em conjunto com empresas que produzem suas marcas específicas de carne australiana. Nós chamamos isso de marcas customizadas.
Existem inúmeras marcas no Japão de carne australiana produzidas por diferentes exportadores. Nós trabalhamos numa parceria 50/50, onde cobrimos metade dos custos de divulgação. O consumidor japonês tem centenas de marcas disponíveis para comprar e queremos tornar as marcas australianas mais conhecidas e consumidas.
BP: Você acredita que promovendo uma marca específica, está também promovendo a marca geral da Austrália?
SJ: Eu acredito que sim. Nossa marca é extremamente conhecida e reconhecida.
Hoje a marca Aussie Beef é reconhecida pela maioria dos consumidores japoneses. Quando você pergunta para um consumidor no Japão qual marca de carne ele conhece, 75% dizem conhecer a marca Aussie Beef. Quando você mostra inúmeras marcas e pergunta qual delas ele conhece, esse número sobe para 97%.
Quando um exportador divulga sua marca específica, ele sempre inclui o logo Aussie Beef no material de divulgação ou embalagem do produto. É parecido com computadores que têm um pequeno logo Intel inside para identificar o processador.