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Sanidade é o alicerce competitivo da pecuária

Por Cesário Ramalho da Silva1

É fato que questões sanitárias estão sendo e progressivamente serão usadas como barreiras comerciais. Justo ou não é dispensável discutir. Faz parte dos bastidores do jogo das negociações internacionais proteger interesses sem a transparência técnica privilegiando o caráter econômico. O cenário avança em discussões sobre responsabilidades ambiental, social, trabalhista, segurança sanitária e alimentar, o que coloca em segundo plano o debate tarifário.

No caso da carne bovina, a enorme evolução da pecuária nacional nos últimos anos, que posicionou o Brasil como o maior exportador mundial em quantidade (1,06 milhão de toneladas no primeiro semestre, que corresponderam a US$ 1,4 bilhões, segundo Cepea/CNA), já que ainda perdemos em faturamento para Austrália, construiu um telhado de vidro sobre nossa produção. O sucesso brasileiro no setor de carnes tem, ainda, nas dificuldades sanitárias sua maior ameaça.

Nossos maiores concorrentes (Austrália, Estados Unidos, Argentina) e nosso principal consumidor (União Européia) monitoram a sanidade do rebanho nacional. Mais que isso, enviam missões para avaliar as condições de segurança sanitária de nossas fazendas e frigoríficos. Qualquer acidente sanitário será utilizado como argumento contra a qualidade do nosso produto, o que levará a um estardalhaço na mídia, suspensão imediata de exportações e a conseqüente perda de mercados.

Quem não se recorda do embargo russo, que por conta de focos de febre aftosa às margens do rio Amazonas (Pará e Amazonas), fechou o mercado daquele país para a carne brasileira. As autoridades russas disseram ter confundido Pará com Paraná, que é livre de aftosa. Difícil imaginar que não tenham tido aulas de geografia no colégio. A paralisação foi uma decisão política com o intuito de negociarem novas cotas de importação.

Todavia, o único modo de se evitar novos casos deste tipo é erradicar nosso maior vilão sanitário, a febre aftosa, e reforçar a blindagem da defesa agropecuária. O ministro Roberto Rodrigues disse que a defesa sanitária ao lado do seguro rural são prioridades do Ministério da Agricultura até 2006. Além disso, na mais recente reunião do Conselho Agropecuário do Sul (CAS), que reúne os ministros da Agricultura dos quatro países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) mais Bolívia e Chile ficou acordado que até 2007 a aftosa terá que ser erradicada da região. A fronteira seca com os países vizinhos pode ser porta de entrada de animais contaminados.

Por isso, é imprescindível um esforço conjunto e homogêneo entre as nações. De propostas estamos bem. Parece não faltar disposição política, como os exemplos acima e bons resultados das campanhas nacionais de vacinação contra aftosa. Segundo dados do Ministério da Agricultura, a cobertura vacinal na primeira etapa 2005 chegou a 98%, com evolução em vários estados, com destaque para os localizados em regiões de risco. Além disso, a cadeia produtiva tem tomado consciência do imperativo que é a segurança sanitária.

Pecuaristas, frigoríficos, certificadoras, técnicos, acadêmicos, autoridades têm mantido forte diálogo a fim de fortalecer políticas que contribuam para o programa sanitário brasileiro. As câmaras setoriais da carne vêm se constituindo nos principais fóruns de propostas e idéias com este objetivo.

Soma-se à sanidade, o desafio da rastreabilidade. Em recente viagem à Bruxelas – Bélgica (sede da União Européia – UE), como membro da delegação brasileira (formada por autoridades e membros do setor privado), fomos informados que os europeus não abrem mão da rastreabilidade individual dos animais para importação. A vaca louca fez despencar drasticamente o consumo de carne bovina na região no começo do século.

Hoje, o mercado europeu recuperou os níveis de consumo anteriores aos casos da doença e apresenta tendência de crescimento, mesmo engessado a severas regras sanitárias. Manter e reforçar a credibilidade perante a UE é fundamental para abrirmos outros nobres mercados ainda fechados e/ou restritos ao nosso produto, como Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul.

É necessário correr contra o tempo a fim de efetivamente criarmos um sistema de rastreabilidade. Tivemos diversas experiências, acertamos em alguns pontos, erramos noutros. Governo e setor privado devem tirar lições do que foi executado. Mas nada será possível sem recursos. E dinheiro para defesa sanitária é o que o Ministério da Agricultura não tem.

A pasta foi obrigada a reduzir de R$ 135 milhões (que já era muito aquém da necessidade) para R$ 37 milhões o orçamento para defesa sanitária. Um corte próximo a 70%. É um enorme risco para sanidade do setor que vem garantindo ótimos resultados para a balança comercial. De julho de 2004 até junho de 2005, as exportações de carne bovina renderam cerca de US$ 2,7 bilhões. É uma ameaça às contas do País tirar verbas do programa sanitário.

O ministro Roberto Rodrigues tem demonstrado forte empenho a fim de retomar os recursos essenciais para defesa sanitária. Mas encontra resistência de outras alas do governo. Os representantes de todos os elos da cadeia produtiva da carne devem continuar apoiando o ministro em suas reivindicações para o restabelecimento orçamentário. Somente assim iremos garantir nossa competitividade no mercado mundial de carnes.

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1Cesário Ramalho da Silva é pecuarista e vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB)

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