Introdução
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 25 a 30% dos grãos produzidos no mundo estão contaminados por micotoxinas, substâncias químicas tóxicas produzidas por fungos que, quando ingeridas, podem causar danos à saúde humana e animal. Calcula-se ainda que maior porcentagem possa estar contaminada com micotoxinas não identificadas. Dentre as micotoxinas catalogadas, a aflatoxina é dominante na América Central e do Sul e é considerada uma das mais perigosas. Dados da Universidade Federal de Santa Maria (RS) indicam que 38% do milho brasileiro está contaminado com aflatoxinas. Milho, farelos e caroço de algodão, amendoim e glúten de milho são alguns dos alimentos usados na alimentação animal, sensíveis à contaminação por toxinas. Também incluem-se nessa relação os volumosos, como feno enfardado com mais de 15% de umidade e silagens mal fermentadas ou contaminadas antes do seu preparo.
Diminuição no consumo, baixa taxa de conversão alimentar e uma inabilidade geral são efeitos físicos e aparentes do consumo de alimentos contaminados pelos fungos, com os sintomas variando com o tipo e concentração da micotoxina e da sensibilidade e ou resistência do animal.
Silagens
Silagens podem apresentar altos níveis de contaminação por fungos e, conseqüentemente, de micotoxinas. Esses microrganismos estão, normalmente, presentes nas plantas ainda não ensiladas e no solo, podendo encontrar ambiente favorável ou não para se proliferarem durante o processo de ensilagem. As práticas adotadas no processo de ensilagem é que determinarão o tipo e a quantidade de microrganismos presentes na silagem produzida.
Vários problemas das silagens estão associados à práticas incorretas durante o processo de ensilagem e conseqüente aumento dos microrganismos aeróbios, entre eles fungos, leveduras e bactérias. O enchimento muito lento do silo, a penetração de ar na massa ensilada, o baixo teor de umidade da massa, tamanho elevado das partículas trituradas pelas máquinas, plantas colhidas após o período de maturidade fisiológica, compactação deficiente da massa verde e tempo muito longo percorrido entre a retirada da silagem do silo e o fornecimento aos animais podem contribuir para uma permanência mais duradoura de oxigênio dentro do material ensilado. Isto condiciona maior desenvolvimento de microrganismos aeróbios. Culturas submetidas a estresse hídrico e com alta contagem inicial desses microrganismos (inóculo) podem ainda piorar a qualidade da silagem.
Como conseqüência podemos obter silagens superaquecidas (>49oC) durante o enchimento, com aparência dourada pela caramelização da silagem estabilizada, com altos teores de ácido butírico pela fermentação por Clostridium, induzindo odor rancificado no leite. Também poderemos encontrar silagens com odor acético e / ou alcoólico. Muitas silagens podem apresentar baixa estabilidade aeróbia no cocho e baixo consumo voluntário, podendo, inclusive várias dessas características estarem presentes simultaneamente em silagens de baixa qualidade.
Portanto, para obtenção de silagens com boa qualidade nutricional e baixa incidência de fungos, é necessário controle efetivo de todas as etapas de produção das silagens: desde o preparo do solo para plantio, escolha da cultura a ser utilizada, identificação do momento para colheita, ensilagem, desensilagem ou descarregamento, fornecimento aos animais, bem como a utilização dos princípios do sistema de análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC).
APPCC
HACCP – “Harzard Analysis and Critical Control Points”ou APPCC – Análise de Perigo e Pontos Críticos de Controle, ou ARCP – Análise de Risco e Controle de Pontos Críticos, é uma abordagem sistemática para ser usada ao longo do processo de fabricação de alimentos, como um meio de garantir a produção de alimentos seguros para o consumo. A primeira etapa na HACCP é desde a obtenção de matérias-primas até o uso pelo consumidor final. HACCP é essencialmente, um sistema preventivo de Controle de Qualidade. A Análise de Perigo é o procedimento empregado para estimar a gravidade ou a magnitude de um risco e sua probabilidade de ocorrência.
Hoje, HACCP é reconhecida como a melhor ferramenta para desenvolver Sistemas de Controle de Qualidade em indústrias de Alimentos, como laticínios e frigoríficos, relacionados com a produção de alimentos seguros à saúde dos consumidores e é recomendada por diversas entidades internacionais, inclusive pela Organização Mundial de Saúde.
Por determinação do Secretário de Defesa Agropecuária, o Programa ARCPC deveria ter sido aplicado, ou iniciado a sua implantação nos estabelecimentos de carne, de leite e seus derivados desde janeiro de 1998. Este Departamento Governamental está envidando todos os esforços para que se cumpram os objetivos traçados, considerando, sobretudo, os compromissos relacionados com o comércio exterior e a necessidade de implantação do Programa ARCPC, como fator imprescindível para o estabelecimento do princípio de equivalência entre os serviços de inspeção dos países signatários de acordos internacionais de comércio (OMC, Mercosul, etc.) e para a adequação das atividades de inspeção às normas estabelecidas pelo Codex Alimentarius.
Em todas as instâncias de processos produtivos e de serviços prestados, a questão da qualidade tem-se tornado foco para aquisição de produtividade e competitividade, levando as organizações definições claras de retorno do capital empregado, ampliação de técnicas e inovações tecnológicas, conhecimento nítido de seu próprio negócio e produtos com graus cada vez mais sofisticados de atendimento às necessidades dos consumidores. Um produto ou serviço de qualidade é aquele que atende ao cliente, de forma confiável, segura, no tempo certo e com especificações que satisfaçam as necessidades dos clientes.
Comentário BeefPoint: O que se propõe neste artigo é primeiramente salientar que a qualidade de uma silagem, ou de qualquer alimento conservado, se faz pela avaliação de parâmetros químicos, físicos e microbiológicos, sendo estes últimos o fator de predisposição à ocorrência de fungos e micotoxinas. A ocorrência de micotoxinas é muito maior do que se pode imaginar devido principalmente a falta de conhecimento sobre os seus riscos à saúde animal, da falta de análises e da falta de qualidade no processo de produção e armazenamento de alimentos.
Um segundo ponto que vem sendo exaustivamente enfocado é a necessidade de uma visão ampla de todo os sistema de produção de uma alimento conservado, desde parâmetros de solo e ou agrícolas até o manejo de utilização destes produtos durante a alimentação dos animais.
Por último gostaríamos de salientar que não basta coletar todos os dados do sistema de produção, mas sim usá-los de uma forma a buscar continuamente a maximização da qualidade e a minimização dos custos de produção e, dentro desta postura, me parece bastante interessante nos adiantarmos até com relação a própria indústria de alimentos e começarmos a conhecer melhor o sistema APPCC e as vantagens da aplicação de seus princípios na produção de alimentos conservados, como as silagens.
Fonte: CARVALHO, M. P. Micotoxinas – O mofo que contamina. In: Revista Balde Branco, 4 (44), p. 30-35, 2000.
DEMARCHI, J.J. A. A. Distribuição espacial das características físico-químicas e microbiológicas de silagem de milho (Zea mays) armazenada em silos tipo trincheira. Tese de Doutorado apresentado a Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências. 2001. 92 p.