Um dos principais objetivos – se não o mais importante – do manejo racional dos bovinos é trazer segurança a todos aqueles que trabalham com estes animais. Infelizmente, mesmo em muitas fazendas que procuram seguir um sistema de manejo melhorado não são adotadas, em geral, medidas de segurança objetivas e regulares.
Um dos pontos mais recomendados para tornar mais seguro o manejo dos bovinos é a adoção de um guia de procedimentos, para o trabalho do dia a dia e atividades extras. Estes procedimentos seguem princípios gerais, mas devem ser desenvolvidos para cada caso em particular, especialmente no Brasil, onde as variações entre os sistemas de produção são muito acentuadas, em função de características particulares de cada fazenda como infra-estrutura, aspectos culturais, tecnologias adotadas, localização, animais criados – categorias, raça, manejo, temperamento etc.
Além do fundamental lado puramente humanitário de um acidente com um funcionário – que pode até ser fatal -, pode-se analisar, racionalmente, também sob o ponto de vista financeiro (prejuízo) os custos de um trabalhador ferido durante o desempenho de sua função – o tempo parado, indenizações etc. Certamente, pode se contabilizar que os benefícios superam largamente os custos da adoção de procedimentos de segurança, que, aliás, são muito baixos.
A seguir, é apresentada uma adaptação de um informativo britânico, “Handling and housing cattle”, que trata de boas práticas para segurança no trabalho de manejo de bovinos. Este é apenas um guia de princípios gerais, restritos a algumas situações e baseado nos três pontos chaves do manejo de bovinos: o homem, a instalação e o animal. Como citado no início do artigo, cada sistema de produção deve ter um roteiro de segurança, prático e cobrindo todas as situações.
1 – Introdução
Este informativo oferece recomendações gerais aos pecuaristas para um manejo seguro do gado adulto, em especial touros e animais de engorda.
Acidentes fatais e não-fatais na pecuária são causados tanto por animais como também por instalações de manejo e equipamentos inadequados. Por exemplo, o “coice” de uma pescoçeira ou vazieira de um tronco de contenção, ou um embarcador em más condições de manutenção.
2 – Os riscos
O manejo de bovinos sempre envolve o risco de acidentes devido a esmagamentos, coices, cabeçadas ou chifradas. O risco aumenta se o trabalho envolve animais que não são trabalhados com freqüência, como em função da categoria ou de criações mais extensivas. Algumas profissões, como de veterinários, podem oferecer ainda mais riscos devido ao tipo de contato. Contudo, bons sistemas de manejo, funcionários competentes e treinados, e um rigoroso sistema de seleção e descarte podem assegurar que o trabalho com bovinos possa ocorrer com uma segurança razoável.
Familiaridade com os animais pode levar a complacência. Muitos acidentes ocorrem porque as pessoas falham em tratar os animais com a devida precaução. Um animal dócil e brincalhão pode matar uma pessoa com a mesma facilidade que outro arredio e agressivo.
3 – Princípios gerais do manejo de bovinos
Deve-se considerar:
– O homem – incluindo capacidades físicas e mentais, treinamento e experiência;
– A instalação de manejo – cercas, seringa, tronco coletivo, pescoçeira ou tronco de contenção, embarcador etc;
– O animal – incluindo o quanto está acostumado ao manejo e sua saúde.
O homem
Qualquer um que trabalha com bovinos deve estar:
– apto a usar o equipamento de manejo a disposição;
– consciente dos perigos do trabalho com o bovino e ser supervisionado enquanto não estiver competente para tal;
– apto a trabalhar com calma o gado, sem gritos, impaciência ou excesso de força;
– em boa saúde e capacitado em métodos de segurança. Treinamento para tal pode ser realizado com profissionais da área.
Alguns trabalhos necessitam de duas ou mais pessoas, deve-se avaliar sempre estas necessidades antes de se iniciar a tarefa.
Quanto a limite de idade para a lida com o gado, as capacidades individuais variam muito, mas não se deve permitir que crianças abaixo dos 13 anos lidem com os animais. Acidentes também acontecem com pessoas idosas, que não possuem mais a agilidade necessária para escapar de um animal agressivo.
A instalação de manejo
Toda fazenda de gado deve ter instalações de manejo bem planejadas, conservadas e em bom funcionamento. Um bom tronco coletivo e de contenção (ou uma boa pescoçeira – adaptada no tronco coletivo) são essenciais. Nunca trate ou trabalhe com um bovino que não esteja bem contido. Se tiver que trabalhar com um animal que estiver deitado, livre no tronco ou isolado em um curral – não sendo possível contê-lo adequadamente -, tenha uma boa área de escape para não ser atingido se o animal rolar, levantar ou se mover subitamente.
O tronco coletivo
Verifique que:
– os animais possam entrar facilmente no tronco, e que haja espaço suficiente na seringa (embute) para um fluxo tranqüilo em direção ao tronco. Uma seringa circular pode facilitar ao funcionário coordenar a movimentação do gado com segurança e eficiência;
– os animais tenham um visão clara a frente, para que locomovam-se mais facilmente. O ideal é um tronco curvo, mas desde que nas dimensões corretas;
– as laterais do tronco sejam altas o suficiente para que os animais não saltem sobre elas, tentando escapar;
– você possa conter o primeiro animal no tronco enquanto ele espera sua vez no tronco de contenção. Portões corrediços ou com dobradiças são indicados, mas devem ser operados pelo lado da área de serviço para o funcionário não tenha que passar por cima do tronco para fechar o mesmo. Ninguém deve trabalhar no tronco de contenção com um animal solto por trás, no tronco coletivo.
O tronco de contenção
Um tronco de contenção (brete) que permita que a maioria dos trabalhos de rotina sejam realizados de maneira segura, incluindo tratamentos orais ou trabalhos no posterior, precisa, pelo menos:
– ter um portão na frente e pescoçeira (preferencialmente automática) para permitir que a cabeça da rês seja segura firmemente. Barras adicionais previnem que o animal movimente a cabeça na vertical e possa ferir alguém;
– ter uma barra ou corrente traseira para minimizar o movimento para trás e para frente do animal (deve ser sempre utilizada);
– que seja bem firme;
– que seja localizado de maneira que os trabalhadores possam movimentar-se com segurança em torno e tenha uma boa iluminação natural ou artificial;
– que, com um mínimo de esforço, admita a abertura fácil dos portões. A manutenção regular é fundamental;
– que tenha um piso antiderrapante.
Considere a possibilidade de portões de apartação após o tronco para a separação em diferentes grupos. Cobertura e uma mesa ou apoio – para escrituração, instrumentos, medicamentos etc – próxima ao tronco de contenção auxiliam muito.
Instalação própria para inseminação artificial (IA)
Para a prevenção de acidentes com o inseminador, sempre use um tronco de IA (“dark-box”), tronco de contenção ou uma estrutura similar para que a matriz não se movimente em excesso durante a inseminação – é fundamental evitar o excesso de pressão. Se necessário (variável conforme a instalação) verifique que o inseminador tenha o auxílio adequado para mover a rês em direção à estrutura de IA.
Outros equipamentos
Paus e ferrões não devem nunca ser utilizados para bater no animal – isto só serve para ferir e agitar. Antes de iniciar qualquer tratamento individual tenha certeza que o animal não possa atingi-lo com as patas.
Para tratamentos específicos como casqueamentos, por exemplo, use uma estrutura planejada para tal – tronco de casqueamentos, com “barrigueira”, apoio para as patas e espaço adequado, especialmente no posterior. Verifique que não exista nenhum ponto de risco, de forma que se houver algum movimento brusco do animal você não se machuque ao se desviar.
Instrumentos de contenção podem ser úteis – ex. cordas ou correias -, mas desde que usados por pessoas experientes.
O animal
Muitos dos animais já estão familiarizados com o trabalho de rotina. Assegure que aqueles que não estão acostumados com o processo a ser realizado – local, sons, atividades e pessoas envolvidas -, sejam treinados/condicionados ao mesmo antes.
Conforme a idade, os animais talvez ainda não tenham desenvolvido todos os traços de agressividade que podem vir com a maturidade, mas eles nunca podem ser vistos como totalmente seguros. Independente da categoria do bovino assegure que as práticas de segurança ao manejo estejam sendo seguidas.
Se você tiver um animal que é normalmente agressivo e difícil de manejar, considere o descarte deste. Se isto não for possível, assegure-se que suas instalações estejam adequadas e os funcionários estejam cientes do risco em potencial ao lidar com o animal em questão.
Trabalhando com o gado no campo
Algumas tarefas podem ter de ser realizadas no campo, sem os equipamentos adequados. Se tiver que separar um animal do rebanho, ou qualquer outro trabalho no campo, por exemplo marcação ou brincagem de bezerros jovens, tenha certeza que o possa fazer com segurança. Sempre verifique que:
– pelo menos duas pessoas estejam presentes se tiver que separar um animal do rebanho no pasto para qualquer tipo de tratamento;
– a segunda pessoa esteja impedindo que outro animal ou a mãe do bezerro se aproxime de onde a tarefa esteja sendo executada.
Touros
Os reprodutores muitas vezes são mantidos separados do restante o rebanho, e podem se tornar mais estressados no momento do manejo e oferecer maiores riscos. Estes animais podem tornar-se mais fáceis de manejar se desde bezerros associarem a presença de pessoas com ocorrências prazerosas, como suplementação alimentar, escovação etc. Se você adquirir novos touros – especialmente adultos -, informe-se sobre como eles eram manejados, para procurar facilitar a adaptação destes em sua propriedade.
Caso os reprodutores a serem utilizados estejam desde jovens em sua propriedade, considere o uso de um sistema de treinamento destes animais, os resultados positivos serão para sempre.
Bois de engorda
Apesar de uma parte dos machos de engorda serem vendidos para abate antes de atingir sua maturidade – quando podem tornar-se mais perigosos -, estes também podem representar riscos para quem trabalha com eles – em confinamento ou a pasto. Verifique que:
– atividades de manejo em que seja necessária a locomoção do funcionário entre os animais sejam realizadas com a segurança necessária, quando possível – ex. fornecimento de suplementos alimentares -, passar a realizá-las de fora do piquete;
– exista uma área – corredor ou piquete adjacente – para qual você possa mover os animais quando for fazer alguma movimentação maior no piquete;
– as cercas divisórias e porteiras sejam fortes os suficientes, estejam na altura correta e em perfeito estado de conservação e funcionamento;
– pesagens, tratamentos veterinários, marcações e outras atividades de manejo individual sejam feitas de forma segura e controlada;
– o curral de manejo – especialmente área de serviço e embarque – esteja planejado de forma que, dentro do possível, os funcionários não necessitem de locomover-se entre os animais. Uma instalação bem planejada permite que você tenha sempre uma área de escape ou proteção em pontos de maior risco. Quando realizar embarques mantenha curraletes e piquetes adjacentes sempre fechados para facilitar a recuperação de animais que escapem do curral.
Tome todos os cuidados e precauções antes de entrar em recintos fechados com um animal adulto solto.
Bibliografia consultada
Health and Safety Executive. Handling and housing cattle, Agriculture Information Sheet No 35, 05/02.